Thursday, December 30, 2010

Bad Science e Feliz 2011


No final de cada ano é costume fazerem-se balanços do ano que passou. Eu, por exemplo, costumava fazer um balanço dos filmes estreados. Este ano, contudo, não vou fazer balanços, mas vou simplesmente falar de um livro que li em 2010 (embora ele tenha sido lançado antes) e de que gostei muito. É um livro de divulgação científica chamado Bad Science (em português, Ciência da Treta), e é de Ben Goldacre.

Goldacre é um médico que se dedica em parte a chamar a atenção para as tangas das medicinas alternativas, de (alguns) nutricionistas, e até para os escândalos dentro da própria medicina. É um céptico exemplar e um comunicador extraordinário, escrevendo com uma linguagem simples, clara e divertida, mas, simultaneamente, explica as questões a fundo.

A sua abordagem nunca é simplista; por exemplo, dedica alguns capítulos a escândalos que ocorreram na medicina, mas depois dedica outros a explicar algo que raramente vejo esclarecido, e que é um erro que muitas pessoas cometem: não é por ter havido um escândalo no passado, que agora tudo o que a medicina produz é mau. Esta linha de raciocínio é até bastante perigosa, mas bastante comum. É um pouco como pensam os ursos polares do cartoon acima...

Trata-se, portanto, de um livro cuja leitura recomendo a todos.

Costuma-se também, no final de cada ano, pedir desejos para o ano seguinte. Para 2011, ocorrem-me dois: que The Tree of Life, de Terrence Malick, seja um filme extraordinário; e que Manuel Alegre não seja Presidente da República. Felizmente, a probabilidade de ambos se tornarem realidade é muito grande!

Feliz 2011!

Thursday, December 23, 2010

Para que serve a exploração espacial?


Porque vamos explorar o espaço se há pessoas a morrer à fome na Terra?

Esta pergunta é de vez em quando colocada por variadas pessoas (por exemplo, por Saramago), embora não faça qualquer sentido. Há muito dinheiro mal gasto na Terra (em guerras, por exemplo), porque não perguntar antes se o vamos continuar a gastar quando há pessoas a morrer à fome? E na Terra também se faz investigação científica, não é só no espaço; como tal, para quem coloca a questão acima, porque não usa também toda a investigação científica sem aplicabilidade imediata para o seu argumento?

A resposta parece-me evidente: para fazer uma metáfora mais bonitinha. Ao opor-se desta forma o que está longe e o que está perto, e dizendo que se chega mais facilmente ao primeiro, talvez se ache que se está a usar uma poderosa metáfora. Infelizmente, quem o faz não se apercebe de que ao colocar a questão assim, preto no branco, separando desta forma redutora os supostos problemas importantes (os que estão perto) dos supostos problemas irrelevantes (os que estão longe), só está a ser absolutamente demagógico e simplista.

Para quê, então, explorar o espaço? Na minha opinião, há uma razão que se sobrepõe a todas as outras: pelo conhecimento. Pela mesma razão que criámos a História ou a Ciência, pela vontade de conhecer, seja o passado ou o mundo que nos rodeia. Não faz sentido que essa busca pelo conhecimento deva ter critérios diferentes se for feita na Terra ou fora dela, a não ser na cabeça de quem se usa da exploração espacial para fazer expor os seus argumentos de forma demagógica.

Felizmente, há ainda outras razões para fazer investigação em espaço, incluindo imensas aplicações úteis no imediato para a sociedade. Para dar a conhecer essas aplicações ao público, a NASA editou um documento (pode ser lido aqui) onde explica como tecnologias utilizadas para exploração espacial acabaram por ter aplicações em diversas áreas, desde a medicina até aos transportes.

Não se deve, no entanto, cair no erro de achar que toda a investigação que se faz deve ter aplicabilidade imediata. A maioria da investigação faz-se para aumentar o saber. Só depois de se conhecer é possível entender que benefícios poderá trazer.

Saturday, December 18, 2010

AfterEffects? Não, física!


No dia 1 de Julho de 1940, foi inaugurada uma ponte nos EUA chamada Tacoma Bridge, que viria a durar apenas 4 meses. De facto, no dia 7 de Novembro de 1940, um vento costante de menos de 70 km/h fez a ponte oscilar de tal forma que esta acabou por colapsar. Mas como pode uma ponte colapsar com um vento constante não muito forte? A história torna-se ainda mais estranha quando se vê o video abaixo.

Ao contrário do que afirmam alguns comentadores do youtube, este video não é falso. Mas, voltando à questão anterior, como pode um vento de menos de 70 km/h provocar estas oscilações?

Para termos uma ideia do que se pode estar a passar é possível fazer uma experiência relativamente simples, com uma mola mais um peso na ponta. Experimente-se fazer a mola oscilar devagar, para cima e para baixo. O resultado é evidente: a mola vai oscilar devagar. Experimente-se agora aumentar, a pouco e pouco, a frequência dos impulsos que estão a provocar a oscilação. O resultado continua a ser intuitivo: as oscilações da mola vão ser cada vez maiores.

No entanto, se continuarmos a aumentar a frequência com que fazemos a mola oscilar, é possível que cheguemos a um resultado de alguma forma surpreendente: as oscilações da mola vão começar a diminuir. De facto, as oscilações da mola não aumentam sempre que aumentamos a frequência dos nossos impulsos. Na verdade, vai haver uma certa frequência para a qual as a amplitude das oscilações da mola é máxima. Essa frequência tem um nome especial: é a frequência natural da mola.

Voltando à ponte, foi precisamente isso que aqui aconteceu. Os engenheiros que projectaram a ponte esqueceram-se que ventos comuns poderiam colocá-la a oscilar precisamente na sua frequência natural, aquela que corresponde à amplitude máxima das oscilações. O resultado foi o que se viu.

Ao contrário do que muita gente pensa, não é o Adobe AfterEffects que desvenda os segredos deste video. É a física.

Thursday, December 16, 2010

tree of life


Tree of Life is a period piece centered around three boys in the 1950s. The eldest son (Hunter McCracken none SAG) of two characters (Brad Pitt and Jessica Chastain) witnesses the loss of innocence.

We trace the evolution of an eleven-year-old boy in the Midwest, Jack, one of three brothers. At first all seems marvelous to the child. He sees as his mother does, with the eyes of his soul. She represents the way of love and mercy, where the father tries to teach his son the world's way, of putting oneself first. Each parent contends for his allegiance, and Jack must reconcile their claims. The picture darkens as he has his first glimpses of sickness, suffering and death. The world, once a thing of glory, becomes a labyrinth.

Framing this story is that of adult Jack, a lost soul in a modern world, seeking to discover amid the changing scenes of time that which does not change: the eternal scheme of which we are a part. When he sees all that has gone into our world's preparation, each thing appears a miracle precious, incomparable. Jack, with his new understanding, is able to forgive his father and take his first steps on the path of life.

The story ends in hope, acknowledging the beauty and joy in all things, in the everyday and above all in the family -- our first school -- the only place that most of us learn the truth about the world and ourselves, or discover life's single most important lesson, of unselfish love.

Esta é a sinopse, já há algum tempo divulgada, do próximo filme do sublime cineasta Terrence Malick, The Tree of Life. Desde a sua divulgação, mais nada se soube do filme, à excepção dos sucessivos rumores sobre datas de estreias sucessivas que acabavam por não se verificar, o que já é costume nos filmes de Malick, por dificuldades com as distribuidoras e pelo longo tempo que Malick costuma dispender a montar os filmes.

Com as expectativas em alta, saiu agora finalmente o trailer de The Tree of Life. O que vi não me podia ter deixado mais satisfeito. O típico estilo Malickiano está lá, na contemplação das imagens, na reflexão em voz-off, na relação do Homem com a Natureza e na perfeição dos planos. No entanto, há algo mais aqui, que não existia nos anteriores filmes do realizador, nem mesmo em The Thin Red Line: um tom épico poderosíssimo e incrivelmente ambicioso, estilo 2001: Odisseia no Espaço, como se se quisesse fazer o maior filme de todos os tempos.

Na maioria dos realizadores, este tom seria certamente ridículo. De Malick, espera-se o melhor. Aqui fica o trailer.


Wednesday, December 8, 2010

a audácia do sonho


No curso de Verão que frequentei em Kiruna este ano, intitulado Human Spaceflight and Exploration, o antigo astronauta alemão Gerhard Thiele deu uma primeira palestra sem qualquer apresentação de slides como suporte. Simplesmente colocou questões relacionadas com espaço, e incentivou a discussão de opiniões à medida que também ia partilhando as suas.
Porque é que exploramos (em particular o espaço)?


O que significa exactamente explorar?


Qual é a diferença entre explorar e fazer ciência?
Lembrei-me desta palestra e das questões que foram levantadas (assim como de algumas das respostas de colegas meus) ao ler o livro As Ligações Cósmicas, de Carl Sagan, quando ele fala na mensagem enviada para o espaço a bordo da Pioneer 10 em 1972 e da Pioneer 11 no ano seguinte.

Nestas naves espaciais foi colocada a placa que está na figura. A mensagem, que gerou muita discussão e crítica, destina-se a uma civilização extraterrestre que possa um dia interceptar uma das naves. Algumas das críticas eram pertinente: conseguiria uma civilização extraterrestre interpretar alguma coisa do que lá está? No entanto, outras eram simplesmente estúpidas, sobretudo as vindas de grupos feministas que conseguem sempre arranjar forma de inventar que a mulher está representada como um ser inferior ao homem.

A mim, no entanto, pouco me interessa discutir a mensagem que lá está. Parece-me pouco provavel que, na eventualidade de ser interceptada, a mensagem seja entendida, mas não creio que seja isso que importe. Concordo com quem na altura escreveu que "teremos todos morrido quando esta mesma mensagem numa garrafa for recebida por uma indiscritível patrulha espacial". De qualquer modo, o fundamental é "a sua existência, a audácia do sonho".

No limite, talvez seja a isto que se resume a nossa vontade de explorar. A nossa capacidade de ver mais longe, para lá do tempo que dura uma vida humana, mantendo a esperança na intercepção daquela mensagem que assinala que estamos aqui, independentemente de sermos ou não compreendidos, e sem nunca sabermos que alguém sabe que existimos.

Friday, December 3, 2010

Vida "extraterrestre" na Terra


Há alguns dias, a NASA anunciou que iria fazer um comunicado sobre uma descoberta que teria enorme impacto na procura de vida extraterrestre. O mau jornalismo, que também chegou a jornais de portugueses de qualidade, anunciou com pompa que a NASA poderia ter descoberto vida extraterrestre. Na altura cheguei a dizer (não aqui no blog) que o que tem impacto para a ciência poderia ser insignificante para o público em geral, e que possivelmente seria isso a acontecer.

E assim foi. O anúncio da NASA teve que ver com a descoberta de uma bactéria (não noutro planeta, mas aqui na Terra) que pode utilizar arsénico para sobreviver. Isto, como é evidente, nada diz ao senso comum. No entanto, é importantíssimo para a ciência, pois até agora não se conhecia nenhum organismo vivo que pudesse utilizar arsénico, um elemento tóxico, para sobreviver. Descobriu-se, portanto, um ser vivo com capacidades completamente diferentes de qualquer outro anteriormente conhecido.

E o que tem isto a ver com vida extraterrestre? A resposta está relacionada com o seguinte: quando procuramos vida extraterrestre, o que é que devemos exactamente procurar? Seres iguais aos que encontramos na Terra? Seres diferentes destes, mas que continuam a utilizar os elementos que associamos à vida - carbono, fósforo, oxigénio, etc.? Ou será que a vida na Terra baseia-se nesses elementos por serem mais comuns, e que os seres vivos de outro planeta poderiam necessitar de elementos para sobreviver que nós consideramos tóxicos?

Alguns cientistas pensam que a vida teria de surgir associada aos mesmos elementos que surge aqui na Terra - é ao que Carl Sagan chama, no livro As Ligações Cósmicas, o "chauvinismo do carbono". No entanto, acabou de se provar o contrário. Como consequência, as formas de vida existentes pelo Universo podem ser completamente diferentes das que conhecemos, o que aumenta a probabilidade de se descobrir vida.

No blog astroPT, Carlos Oliveira dá o seguinte exemplo, no nosso próprio Sistema Solar: "em Titã [lua de Saturno], existe o ambiente “ideal” para bactérias como estas… e não para o tipo de vida que andávamos lá à procura!"

Afinal, acabámos mesmo de descobrir vida "extraterrestre"... mas na própria Terra.

Tuesday, November 30, 2010

Northern Lights


Esta fotografia foi tirada o mes passado em Tromsø, a sétima maior cidade da Noruega e uma das que se situa mais a norte, a quase 70º de latitude. Nesta cidade, a Noite Polar dura de 26 de Novembro a 15 de Janeiro, o que significa que, durante estes meses, o Sol não é visto no céu. Nos meses em redor, Tromsø é um dos melhores locais do mundo para observar o fenómeno desta fotografia: Aurora Boreal, traduzido frequentemente para inglês como Northern Lights.

Este fenómeno tem origem nos choques de partículas carregadas que se dão na ionosfera, excitando moléculas que, ao serem desexcitadas libertam fotões. Quando a molécula excitada é o oxigénio, a aurora toma geralmente uma cor verde, que é a sua cor mais comum. No entanto, quando a molécula excitada é o azoto, a aurora toma um aspecto ainda mais raro e exótico, enchendo o céu de azul e vermelho.

Esta é uma das mais espantosas fotografias que vi de uma aurora boreal. No video abaixo, é possivel ver mais exemplos em alta definição, todos eles filmados em Tromsø.

Thursday, November 25, 2010

"[Uma manifestação contra os exames nacionais] é um disparate"

Há uns dias, referi que ainda há-de chegar o dia em que os alunos do Ensino Básico e Secundário hão-de protestar não contra os exames nacionais e a exigência, mas em favor destes, quando perceberem que esse é um modelo que os prejudica. É por isso com agrado que leio esta notícia do Público a propósito da Greve Geral de ontem.
Ontem não pararam por sua iniciativa, mas até pensam que provavelmente o deveriam ter feito. "Fazia muito mais sentido do que ter uma manifestação contra os exames nacionais, como aconteceu na semana passada", argumenta Inês Tristão, aluna do 12º ano da Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Lisboa.

A manifestação foi convocada pela Delegação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Secundário e Básico e a reivindicação apresentada não convence Inês: "É um disparate." Está com quatro amigos à porta da escola - já foram informados que não terão pelo menos as primeiras aulas -, têm entre 16 e 18 anos, são unânimes no diagnóstico: estão num país sem futuro para eles. "Há milhões de oportunidades por aí", ironiza João Bastos. Ricardo Paulino não está para brincadeiras. Tem um projecto de vida, que resume assim: "O sonho é sair daqui, ir embora de Portugal, e esse é geral a muitos de nós."

Aplaudem as razões que levaram à paralisação, mas duvidam que algo acabe por mudar. E não só por culpa do Governo ou dos partidos políticos, mas também pelo que pressentem ser uma espécie de característica nacional - um estado de acomodação, que Henrique Cunha apresenta deste modo: "O povo português é cão que ladra e não morde."
De facto, independentemente desta Greve ser na prática irrelevante, pois as medidas de austeridade anunciadas não só vão ser tomadas como têm de ser tomadas, a verdade é que faz muito mais sentido para um aluno manifestar-se contra o estado a que o país chegou (o que também está directamente relacionado com esta Greve) no que diz respeito à educação e às oportunidades para os jovens, do que contra os exames nacionais e afins.

Ainda bem que verifico que há alunos a pensar assim. Protestar contra os exames nacionais e contra a exigência é estar a favor do estado em que nos encontramos.

Friday, November 19, 2010

Há (e cada vez mais) perguntas fáceis

Esta notícia do Expresso sobre as provas de aferição de Matemática e Português deixa qualquer um chocado:
Sete em cada dez alunos do 6.º ano não conseguem colocar por ordem alfabética uma lista de nove palavras começadas por 'm'.

No teste do 4.º ano, a identificação de um conjunto de palavras graves ou do sujeito e predicado em frases aparentemente simples ("O homem enviou uma carta à lua" e "A lua e as estrelas sorriram") também causou mais problemas do que seria de esperar. No caso deste último exercício, 61% dos alunos não responderam ou não conseguiram ter a cotação total.

Em relação à prova de Matemática do 6.º ano, a Sociedade Portuguesa de Matemática chegou a considerar que metade das perguntas correspondia a matéria do 1.º ciclo (até ao 4.º ano). Era o caso da questão em que se pedia para calcular um quarto de oito. O próprio Gave diz tratar-se de um "item aparentemente elementar". Mas só metade dos alunos acertou.
O título da notícia - Já não há perguntas fáceis - lembra-me uma ideia que algumas pessoas têm sobre esta questão (não estou a dizer que é essa a ideia do autor da notícia ao ter colocado este título): como a maioria dos alunos já não consegue responder a estas perguntas, isso significa que elas deixaram de ser fáceis no contexto escolar actual, e como tal a avaliação e a exigência têm que se adaptar a isso.

Não é verdade: estas perguntas continuam a ser estupidamente fáceis para os anos de escolaridade em que estão a ser colocadas, e se os alunos não conseguem responder correctamente, então é necessários que se lhes transmita critérios mais apertados de exigência e de rigor, e não que esses sejam diminuidos na avaliação.

Depois, quando é chegada a altura de avaliar, a questão que se tem de ter em mente é a seguinte: o que está a ser exigido é suficiente para, no futuro, preparar pessoas capazes de pensar e de exercer uma profissão? Caso a resposta seja negativa, então essa avaliação é uma farsa, independentemente da percentagem de alunos que consegue responder correctamente às questões.

A inteligência ficou em casa

No dia 17 de Novembro foi-me distribuido o panfleto que está na imagem. Lendo o que lá está escrito e ignorando palavras como "propinas" ou "Bolonha", até poderia parecer que se tratava de uma manifestação realizada por alunos da escola primária, tal é a infantilidade com que se expõem argumentos e se tenta cativar os colegas.

Neste post, referi que quando os alunos do Ensino Básico e Secundário vão para a rua manifestar-se não costumam defender os seus direitos, pois o que estão a defender prejudica-os, ao contrário do que eles próprios pensam. O mesmo não se passa (ou poderia não se passar, se houvesse o mínimo de inteligência) com o Ensino Superior: questões como Bolonha ou a gestão das bolsas têm de facto problemas que poderiam ser melhorados. No entanto, tudo vai por água abaixo quando se expõe ideias desta forma miserável, populista e demagógica.

Sunday, November 14, 2010

Nivelar por baixo


Um dos problemas de Portugal é a obsessão por aqueles que são piores que nós. Esta obsessão poderia ser positiva, caso tivesse como objectivo perceber os seus problemas para que não cometêssemos os mesmos erros. No entanto, não é isso que se passa: esta obsessão pelos piores deve-se ao facto de, por alguma razão, nos sentirmos bem por não sermos o último dos últimos.

Esta tendência muito portuguesa para nivelar por baixo os nossos objectivos é provavelmente uma das causas do estado em que nos encontramos. A verdade é que não há razão para ficarmos satisfeitos por haver alguns piores que nós; deveríamos, isso sim, ficar por um lado desiludidos por haver tantos melhores que nós, e por outro motivados para melhorar.

Quanto a formas de melhorar, só há uma: nivelando por cima. Olhar para aqueles que são melhores que nós e tentar atingi-los, mesmo que pareça (ou até que seja) impossível lá chegar. Na minha opinião, esta ideia aplica-se tanto de um ponto de vista pessoal como global: é colocando objectivos acima das nossas capacidades que podemos dar o nosso melhor. Mesmo que não cheguemos lá, teremos chegado mais longe do que colocando objectivos medianos. Esta é a forma de evoluir.

Friday, November 12, 2010

O que os artistas sabem

Há certas teorias pedagógicas que defendem que os exercícios repetitivos não são recomendáveis, que a técnica destrói a criatividade, que decorar não é bom, e que o que interessa é aquilo que tem aplicabilidade imediata.

A psicologia moderna já esclareceu que estas teorias estão erradas, como demonstrou Michel Fayol na conferência recentemente organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, intitulada Fazer contas ajuda a pensar?. Na mesma conferência, António Bivar expôs o estudo que está a desenvolver sobre os programas de Matemática do Ensino Básico e Secundário, mostrando que, ainda assim, este tipo de teorias é dominante.

Este é um campo em que se deveria ouvir o que os artistas têm a dizer, pois parece ter sido onde estas ideias menos têm pegado. Pensando nos músicos e, em particular, nos instrumentistas, eles ainda sabem que estas ideias não têm qualquer sentido. Tocar escalas não parece ter aplicabilidade imediata e os chamados "estudos" são chatos e repetitivos; no entanto, são essenciais para o desenvolvimento da técnica. Por sua vez, esta não destrói a criatividade; é, isso sim, indispensável para quem quer ser criativo. Finalmente, decorar é essencial para se ter à vontade com aquilo que se está a fazer.

Também nas restantes áreas deveriamos perceber que a repetição, a técnica e a capacidade de decorar têm muito para nos ensinar. É claro que isto não significa, ao contrário do que o cartoon acima indica, que não se deva perceber e raciocinar. Significa simplesmente que repetir e decorar podem-nos ajudar a fazê-lo.

Wednesday, November 10, 2010

Estudantes defendem (os seus?!) direitos


De acordo com uma notícia do jornal Público de hoje,
Por um novo Estatuto do Aluno, pelo fim dos exames nacionais e a favor da Educação Sexual, os estudantes do ensino básico e secundário manifestaram-se hoje um pouco por todo o país.
Estas manifestações de estudantes, em particular as do ensino básico e secundário, não podem ser levadas a sério por uma razão muito simples: de uma forma geral, os manifestantes não estão a defender os seus direitos. Eles podem achar que sim, mas estão enganados.

Há anos que isto vai sendo assim: os alunos do ensino básico e secundário que vão para manifestações não sabem fazer mais do que defender umas quantas políticas insultuosas para quem trabalha, se esforça e tem mérito, desde acabar com os exames nacionais a pedir mais disciplinas sobre "conhecimentos" complementares àqueles que são a principal função da escola; pelo meio, vão-se ainda inventando formas para defender um regime de faltas predominantemente laxista, entre outras coisas.

A verdade é que isto não poderá durar para sempre. Ainda está para nascer alguma associação organizada de alunos que, percebendo que estão a ser vítimas de um ensino pouco exigente e que não os prepara para a vida profissional, vai olhar para as estatísticas da OCDE sobre educação (por exemplo) e dizer que basta de estar constantemente na cauda da Europa (e não só).

Portanto, basta de passar horas infinitas na escola por causa de disciplinas como Área de Projecto e afins, basta de igualdades falsas que só servem para mascarar as desigualdades, basta de teorias pedagógicas que tratam os alunos como crianças infantis e inocentes (um pouco como Isabel Alçada faz no famoso video de abertura do ano lectivo), basta de uma educação facilitista e que não ensina. Queremos aprender Matemática, Português e afins; e queremos mais exames nacionais (até porque não é bom ter-se grande parte da nota de candidatura dependente de um único exame).

No entanto, não tenho dúvidas: poderá demorar anos, mas um tal movimento estudantil, mesmo que muito minoritário, irá com toda a certeza surgir.

Sunday, November 7, 2010

The Social Network


David Fincher tem mantido, regra geral, o piloto automático ligado durante os seus últimos filmes, e The Social Network é provavelmente o exemplo mais flagrante de todo o automatismo que lhe tem sido característico.

O filme é sempre competente na forma como conta a história do inventor do Facebook, com personagens eficazes e ritmo adequado, mas não existe um único momento de inovação capaz de o elevar para além da mais básica competência.

A tentativa de tornar a vida de Max Zuckerberg num grande drama dos tempos modernos (há quem tenha proclamado que é isso que o filme faz) fica assim completamente limitada pela crise de ideias de Fincher: por exemplo, a relação com a ex-namorada não tem um pingo de densidade, e, no entanto, é com uma referência a essa relação que o filme termina, mas sem deixar mais que uma sensação de total inconsequência.

E pensar que este é o realizador de The Game...

Tuesday, November 2, 2010

A ler

Monday, November 1, 2010

alfabetismo não é cultura

Os defensores de que a escola portuguesa está bem orgulham-se de uns quantos índices que se alteraram radicalmente desde o 25 de Abril de 74 até à actualidade, nomeadamente o seguinte: o analfabetismo diminuiu imenso, pelo que somos mais cultos e sabemos cada vez mais.

Como é evidente, o analfabetismo diminuiu porque a escola passou a ser para todos (e ainda bem), pelo que todos (ou quase) aprenderam a ler (não interessa se mal ou bem). No entanto, o debate da qualidade da escola não pode girar em torno dos números relacionados com o analfabetismo, pois saber ler é um ponto assegurado à partida para quem vai à escola nem que seja por quatro anos, salvo raras excepções. A diminuição do analfabetismo só diz uma coisa: existe escola. Mas que existe escola já nós sabemos; agora, queremos saber qual a sua qualidade.

Como tal, é altura de prosseguirmos para as questões fundamentais. Por exemplo, a escola ensinou os alunos a pensar? As pessoas terminam o ensino secundário com capacidade de reflexão, de interpretação e de raciocínio? Possuem uma cultura científica sólida, esse grande pilar da sociedade moderna? Estão sensibilizadas para compreender e apreciar a importância da arte?

A resposta é, infelizmente, não. Não estou a dizer que todas as pessoas saem nestas condições, mas sim que a escola não as garante a quem termina o ensino secundário. Quando olhamos para a forma como a moda das pulseiras do equilíbrio se espalhou entre essas idades percebemos que faltam as ferramentas que permitem distinguir ciência de aldrabice. Ou quando se vêem jovens a defender que o Homem não foi à Lua, também compreendemos que, inevitavelmente, algo falhou na educação, como recordava o astronauta Harrison Schmitt há algum tempo:
If people decide they’re going to deny the facts of history and the facts of science and technology, there’s not much you can do with them. For most of them, I just feel sorry that we failed in their education.
A causa de tudo isto torna-se clara quando lemos ou ouvimos o que a professora de português Maria do Carmo Vieira tem dito sobre o que acontece nesta disciplina, podendo-se generalizar para as restantes áreas: está-se a retirar dos programas tudo aquilo que faz pensar e que possibilita a reflexão, insistindo que só interessa o prático e o utilitário.

A verdade é que, em certo sentido, continuamos analfabetos, só que este analfabetismo agora é outro: ausência de capacidade de raciocinar sobre o que é verdade e o que é mentira, de cultura científica e histórica, de interpretar e reflectir sobre o que a arte nos pode transmitir.

A propósito, apetece-me terminar com um excerto de um artigo que João Lobo Antunes escreveu para o Semanário Económico há pouco mais de um ano, com um sublinhado meu:
Será que não há já ninguém que saiba revelar a estas inteligências virgens a extraordinária beleza da Matemática, criação dos homens e dos deuses, ensinar-lhes não a ler mas sim a saber ler e compreender, a escrever de forma clara e persuasiva, e a respeitar o rigor como forma de procurar a verdade?

Wednesday, October 27, 2010

Espalhafato televisivo


Foi com expectativa que comecei a ver o primeiro episódio da série America - The Story of Us, de momento a passar no canal História em Portugal, às sextas-feiras pelas 22h. No entanto, não sabia nada sobre a série, pelo que as minhas expectativas se deviam unicamente ao facto de ser sobre a história dos Estados Unidos, da qual sou um grande admirador.

Contudo, ao fim de poucos minutos torna-se claro que tudo não passa de espalhafato televisivo com conteúdo que não vai além do superficial, sobressaindo os efeitos CGI despropositados (sendo a maioria tecnicamente rasca), a condução narrativa pseudo-dramática sem a mínima profundidade, planos e efeitos de montagem para show-off, e uma narração feita de frases bombásticas e clichés para encher o ouvido (só no primeiro o episódio, há 4 ou 5 eventos que o narrador descreve dizendo que "o que se vai passar a seguir mudará o rumo da História", com voz enigmática e profunda).

É pena.

Monday, October 18, 2010

B A BA

Hoje, uma amiga chamou-me a atenção para algo que estava escrito numa mesa do Instituto Superior Técnico, que era o exactamente o seguinte:

Infelizmente, só vejo duas hipóteses para o facto de isto estar escrito numa mesa: ou duas pessoas estavam a debater se (a+b)^2 é igual a a^2+b^2, e quem defendia que não utilizou o método acima para demonstrar que tinha razão; ou alguém tinha dúvidas sobre o resultado e fez por si próprio a conta para o confirmar.

É preciso não esquecer que ninguém entra no IST (para qualquer curso!) sem ter tido pelo menos 10 valores no exame de Matemática, e tendo em conta que as médias para a maioria dos cursos andam a rondar os 15 valores, na verdade devem ser muito poucos os que entram com menos de 13 nesse exame.

E mesmo assim, neste leque filtrado de alunos que são (ou deveriam ser) pelo menos bons a matemática, ainda há quem não saiba de cor e salteado que (a+b)^2 é diferente de a^2+b^2, e que na verdade (a+b)^2=a^2+2ab+b^2. Se não me engano, isto é dado no 9º ano, e é um dos casos notáveis da multiplicação mais básicos e mais utilizados ao longo do ensino secundário e superior. Para se ter um termo de comparação, eu diria que é tão grave como um aluno de Literatura não saber quem escreveu Os Lusíadas, e penso que a maioria dos professores de disciplinas de ciências concordarão comigo.

É claro que não presenciei aquilo a ser escrito e, portanto, posso estar enganado, e não foi nada disto que na verdade se passou. No entanto, não me parece que alguém escreva aqueles resultados só porque lhe apeteceu, e portanto acho que, com grande probabilidade, tratou-se de alguém que não sabia ou que se esqueceu (o que, neste caso, é igualmente grave). Contudo, o leitor poderá discordar de mim. Como contei a história tal como ela aconteceu, cada um poderá tirar as suas conclusões.

Saturday, October 16, 2010

Ranking de Escolas Secundárias: Ilusão vs. Realidade

Como já vem sendo costume de há uns anos para cá, o Expresso publicou um ranking das escolas secundárias portuguesas, ordenado pela média obtida nos exames nacionais. Como é evidente, não se pode assumir que a qualidade de uma escola esteja perfeitamente espelhada nesse ranking, pois este é um valor algo subjectivo. Por exemplo: uma escola com muitos alunos problemáticos e mal preparados, mas que consegue ensinar-lhes o suficiente para que tenham uma prestação aceitável nos exames é certamente uma boa escola, mas que não irá estar num topo de um ranking destes.

Isto não significa, claro, que por causa disso seja impossível retirar quaisquer conclusões quando olhamos para as tabelas disponibilizadas. Um dado muito importante, por exemplo, tem que ver com a diferença entre a média das classificações externas (exames nacionais) e internas (avaliação contínua feita pela própria escola). Pegando apenas nas escolas que realizaram mais de cem provas, pode-se obter o gráfico seguinte, que mostra as classificações internas e externas em função da posição no ranking.

Vamos assumir algo que não é verdade: os exames nacionais representam a exigência desejável, e o esforço que é necessário fazer para se ter sucesso neles espelha o esforço que a dura realidade do mercado de trabalho exige. Mesmo que isto fosse verdade, as escolas já estariam a enganar os alunos: a classificação interna é sempre superior à classificação externa. Isto leva-nos a uma reflexão importante: frequentemente aparecem directores de escola de prestígio na televisão ou nos jornais a dizer que, nas suas escolas, a exigência é maior do que nos testes ou exames facilitistas fornecidos pelo Ministério da Educação. Sem querer retirar qualquer qualidade a essas escolas, esta questão, como se vê, é dúbia, pois nenhuma escola teve classificação interna inferior à externa. A situação agrava-se ainda mais por termos consciência de que o pressuposto assumido no início deste parágrafo é falso.

No entanto, o mais grave de tudo é o facto de, de uma forma geral, uma linha não acompanhar a outra. Face à descida da linha das classificações externas ao longo da posição no ranking, a linha das classificações internas, com oscilações, vai descendo de forma muito mais lenta, e poucas vezes vem abaixo dos 12 valores. Pode-se ter uma noção melhor deste fenómeno observando o gráfico seguinte, que para cada valor de classificação externa mostra a diferença de classificações nas várias escolas.

Isto é muito grave por duas razões. Primeiro, é uma injustiça para quem aprendeu alguma coisa ao longo do ano mas tem uma média interna idêntica a alguém que não aprendeu nada. Segundo, está-se a mentir aos alunos com piores desempenhos nos exames, por se lhes atribuir classificações internas positivas, não lhes dando uma noção real do que os espera nos exames nacionais. Note-se que, na última escola do ranking, esta diferença foi de 6 valores. Se analisarmos os rankings de disciplinas especialmente problemáticas, que o Expresso também disponibiliza, vamos encontrar situações ainda mais chocantes. Cheguei a ver 9 valores de diferença! Como é possível?! O que é que se anda a ensinar e a exigir aos alunos nestas escolas?

Ao contrário do que muitos apregoam, esta situação vai continuar a aumentar as desigualdades sociais, porque está-se a mentir aos alunos em piores condições de aprendizagem. Em vez de se lhes dar um grande apoio para aprenderem, está-se-lhes a dizer que estão a aprender quando, como se vê, não estão. Esta situação é inaceitável: as escolas não podem ser cápsulas de ilusão onde os alunos vivem felizes e contentes por nunca chumbarem; têm, isso sim, que espelhar a realidade. E a realidade é dura. Quando saírem da escola, essa felicidade ilusória vai terminar, numa altura em que provavelmete já vai ser tarde demais para ainda se prepararem para ela.

Para terminar, mais um dado para reflectir: já só há duas escolas públicas nas primeiras vinte...

Thursday, October 14, 2010

Vitória da Ciência, da Tecnologia e da Humanidade

Terminou esta madrugada uma extraordinária operação de resgate no Chile, de 33 mineiros que ficaram presos no fundo de uma mina durante mais de 2 meses. Todos os mineiros chegaram sãos e salvos à superfície, depois de um trabalho de aproximadamente 24 horas, em que um a um foram retirados na cápsula Fénix, cujo funcionamento pode ser entendido aqui.

Este resgate foi uma vitória suprema da ciência e da tecnologia, através das quais foi possível, até em menos tempo do que o previsto, fazer todos os cálculos e perfurações necessárias para que a sonda Fénix pudesse chegar lá abaixo em condições. Entretanto, fora também possível manter alimentados os 33 mineiros a mais de 600 metros de profundidade.

Apesar de tudo, há ainda aqueles que acham que a ciência não passa de uma construção social com tanta validade como qualquer outra, e de interesse discutível. Para esses, tenho duas sugestões que lhes podem mostrar que estão errados. A primeira é ler o seguinte excerto do livro de António Manuel Baptista, O Discurso Pós-Moderno Contra a Ciência:
Quanto àqueles sociólogos da ciência mais ligados ao chamado constructivismo social, que proclamam que a ciência não tem qualquer estatuto de objectividade diferente de outras convenções ou construções sociais, um bom conselho será de não viajarem de avião. Poderão escolher o tapete voador ou qualquer sistema mágico (aliás menos poluente e não facilmente transformável em míssil contra arranha-céus), pois existe o risco que, quando estejam voando, os cientistas consensualmente convencionarem que, afinal estão erradas as teorias e as experiências em que se baseia a mecânica e aerodinâmica da aviação. Nesta altura, evidentemente, de acordo com os constructivistas sociais, o avião cai.
Finalmente, a segunda sugestão: abram os olhos e olhem à vossa volta.

Esta vitória da ciência e da tecnologia trouxeram-nos outra: uma vitória que é de toda a humanidade. Não deixa de ser comovente para todos nós ver estes mineiros subir à superfície, após dois meses debaixo de terra. Quem acusa a ciência e a tecnologia de frias e sem ligação ao ser humano, aqui tem um exemplo de que não é esse o caso. A ciência está intimamente ligada com a esperança e com o salvamento de vidas.

Wednesday, October 13, 2010

O valor de educar, o valor de instruir

Este foi o título de uma conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, com participações de Fernando Savater, Ricardo Moreno Castillo e Nuno Crato. Enquanto os dois últimos desmontaram as teses do eduquês, o primeiro mostrou como a educação deve combater a ignorância, pois esta é o maior entrave ao bom funcionamento da democracia.

Embora Nuno Crato tenha abordado um tema que já o vimos defender várias vezes, desta vez fê-lo de forma absolutamente brilhante, sendo possivelmente a sua melhor intervenção a que assisti. Projectando em slides os mais típicos lugares comuns defendidos pelo eduquês, que são frases muito inocentes e aparentemente verdadeiras, desmontou-as uma a uma, mostrando que são na verdade falsas e que representam um perigo para a educação.

No entanto, fiquei com a ideia que o público, de uma forma geral, não concordou comigo. No final, várias pessoas interpolaram Nuno Crato, embirrando com pormenores de linguagem insignificantes e que em nada prejudicaram o discurso.

Para minha surpresa, uma dessas pessoas foi Maria do Carmo Vieira. Esta professora de português participou no melhor programa que vi do Plano Inclinado, tendo feito comentários extraordinários sobre educação, mas neste caso teve uma intervenção que me desiludiu bastante. Para além de uma embirrância com a utilização do termo "romântico" para caracterizar as pedagogias do eduquês (como expliquei neste texto, não costumo gostar de se implique com pormenores mesquinhos da linguagem), acusou Nuno Crato de praticamente desprezar as humanidades pelo facto de ter dito que os alunos precisam de decorar datas como o 5 de Outubro "sem perceber porque é foi 5 e não 4", ou que gostaria de saber Os Lusíadas de cor.

Nuno Crato tem razão: é preciso perceber o que foi a revolução republicana, mas isso não implica que se tenha que percorrer toda a sua história para se chegar à conclusão de que ocorreu dia 5 de Outubro. Essa data tem que ser decorada, possivelmente antes de perceber o que foi a revolução. Da mesma forma que é preciso decorar o algoritmo da multiplicação antes de perceber como é que ele funciona. E é preciso porque, nalguns casos, o decorar vai mais tarde ajudar a perceber.

A crítica de Maria do Carmo Vieira sobre esse tal desprezo pelas humanidades torna-se ainda mais injusta quando relembramos que a única frase duvidosa que proferiu nesse tal programa que referi do Plano Inclinado foi uma citação de António Damásio em que afirma que "a matemática não faz cidadãos", sem a mínima explicação. Depois, quando Nuno Crato discordou, meteu um pouco os pés pelas mãos para se justificar, dizendo, se bem me lembro, que "é preciso primeiro dominar o português". O que não é verdade: as duas coisas têm que ser feitas em simultâneo.

Portanto, dizer que "a matemática não faz cidadãos" é o mesmo que dizer que "o português não faz cidadãos": são ambas verdade se acrescentarmos a palavra no início. No entanto, se for dita como a professora Maria do Carmo Vieira a disse, isso sim dá a entender um desprezo pela matemática, o que sei que não tem porque compreendo a intenção com que foi dita. No entanto, Maria do Carmo Vieira não entendeu a intenção com que foram ditas algumas frases de Nuno Crato, e por isso fez acusações injustas.

Para terminar, uma última nota sobre as intervenções do público. A maioria das pessoas não percebe que essas intervenções devem ser perguntas breves, e não reflexões suas sobre a vida e o mundo. Mas, o mais grave de tudo foi a participação de um professor primário, que depois de uma reflexão totalmente vazia de conteúdo, faz uma pergunta a Savater em que mostrou ter interpretado o seu discurso todo ao contrário. Pergunta: como é que alguém que não consegue interpretar um discurso tão simples e directo pode ensinar seja quem for?

Tuesday, October 12, 2010

Idade da Reforma

O Estado Social voltou a estar em debate no Plano Inclinado do passado sábado, novamente com o professor João Cantiga Esteves como convidado. Do programa, destaco a excelente análise que este fez do que se passa com a idade da reforma em França, para que se aproveite para fazer uma reflexão sobre o mesmo tema em Portugal.
Neste momento, [em França] está a haver uma luta incrível em que a reforma média de um francês é aos 59 anos quando a esperança de vida está nos 83 anos. Isto é que é egoismo, isto é que é totalmente anti-solidário. Como é que é possível vir para a rua manifestar-se para defender uma reforma aos 59 anos com a esperança de vida aos 83?! Isto é a coisa mais anti-solidária que há, anti-geracional, que obviamente não pode acabar bem. E acham que têm direito! Isto é absolutamente fantástico!

E nós também. O nosso problema não é tão grave, mas os franceses vão de facto ter muitos problemas com esta atitude. Porque realmente há aqui um problema inter-geracional. Naturalmente que a dívida pública é já o dinheiro das próximas gerações, e os dados são absolutamente inacreditáveis. E como é que se persiste, como é que vão para a rua em manifestações enormes?!

(...)

De facto há aqui um problema inter-geracional, porque há aqui uma geração que está a querer beneficiar disto o mais possível, sem querer a mínima contenção, e em total desrespeito pelas próximas gerações.
Aqui fica o programa completo.


Monday, October 11, 2010

Relativismo Pós-Moderno

No livro Um Discurso sobre as Ciências, o professor Boaventura Sousa Santos, catedrático de renome na área da sociologia, escreve o seguinte:
(...) a ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia.
Antes de comentar esta afirmação, há outro tópico que gostaria de abordar. Há alguns anos, o físico Alan Sokal escreveu um artigo para um número especial da revista Social Text dedicado às Guerras de Ciência. O texto tinha o seguinte título: Transgredindo as Fronteiras - Para uma Hermenêutica Transformativa da Gravidade Quântica. Ah, que belo título: pomposo, chamativo e com impacto! Tem, no entanto, um problema: não tem qualquer significado. Ou seja, bem ao jeito de uma publicidade às pulseiras do equílbrio.

Aliás, não era só o título a ter esse "problema". Todo o artigo era um chorrilho de asneiras pseudo-científicas que metia muitas vezes a palavra "quântico" (é a palavra preferida de quem quer impressionar os outros com pseudo-ciência). Mas de facto a palavra "problema" deve estar entre aspas, porque este era precisamente o objectivo de Alan Sokal. O artigo foi aceite e aplaudido pela revista, mas brevemente Sokal disse tratar-se de uma paródia. O artigo pretendia simplesmente evidenciar a falta de critério que o pensamento pós-moderno tinha trazido às ciências sociais.

A razão por que me pareceu pertinente relatar esta situação é a seguinte: quem não conhecer Boaventura Sousa Santos e ler o excerto que aqui coloquei poderá pensar que se trata de uma paródia ao pensamento pós-moderno como a que Sokal fez. No entanto, não só é mesmo a sério, como o professor Boaventura Sousa Santos é visto como pelos seus admiradores como uma espécie de Maomé do pensamento pós-moderno em Portugal.

Considerando que era urgente expor a verdade sobre excertos como este, o professor de física e medicina nuclear António Manuel Baptista escreveu um livro intitulado O Discurso Pós-Moderno Contra a Ciência - Obscurantismo e Irresponsabilidade. Aqui fica parte do texto da contra-capa:
Considerando que as crenças desta corrente de pensamento são como certos vírus que, expostos ao ar e à luz, se inactivam, o físico António Manuel Baptista expõe-nas ao pensamento crítico dos leitores, mostrando como assentam, na hipótese mais generosa, numa profunda incompreensão do que é a ciência, infectando, numa sociedade pouco instruída e nada crítica como a nossa, tudo o que é mais importante para o país, desde a educação e a saúde até à política.
Para terminar, deixo uma questão: será que o professor Boaventura Sousa Santos, quando está doente, vai ao médico ou consulta o bruxo africano da esquina? Atendendo ao seu discurso, calculo que fique a ponderar sobre quais destas duas formas "igualmente válidas" de tratar a realidade prefere...

Sunday, October 10, 2010

Sul da Europa

Há cerca de dois ou três anos, num Prós e Contras sobre educação, uma professora pedia para que se olhasse para os rankings da OCDE sobre performance em leitura, matemática e ciência com o mapa da Europa na cabeça. Olhando para os países pior classificados, vai-se chegar a um padrão que se repete nas várias áreas e nos vários anos: Turquia, Grécia, Itália, Portugal, Espanha... o Sul da Europa...

Com isto, a referida professora queria chamar a atenção para o facto de o nosso problema ser em grande parte cultural, e que por isso levaria várias gerações a mudar. Devo dizer que concordo com esse argumento. Aliás, o problema não está só na educação: veja-se por exemplo o termo PIGS, utilizado em finanças para referir quatro países com uma enorme dívida externa: Portugal, Itália, Grécia e Espanha... mais uma vez, o Sul da Europa...

Mas o que está na génese deste atraso sul europeu? Se apenas quisermos ter uma ideia geral do que poderá causar o problema não são precisos grandes estudos sociológicos, bastando apenas uma visita (ou, de preferência, uma estadia um pouco mais prolongada) aos países do Norte e Centro da Europa. A organização, a pontualidade, a responsabilidade, o empenho e o respeito (pelos outros e pelas regras) saltam facilmente à vista. E, como é evidente, um país organizado e com pessoas responsáveis (políticos com a vida pública exposta, trabalhadores conscientes de que no trabalho é para trabalhar, etc.) tem o primeiro passo dado para desenvolver uma educação de qualidade e uma economia estável.

Em Portugal (e, pelos vistos, noutros países do Sul da Europa) a história é diferente. Veja-se uma situação que ocorre comigo recorrentemente. Tenciono frequentar o mestrado no estrangeiro, e as minhas opções principais são a Universidade Técnica de Delft (Holanda) e o Instituto de Tecnologia Real (Suécia, Estocolmo). Quando digo isto a alguém, raramente as pessoas se preocupam em saber qual a qualidade da educação nestas Universidades, o contacto que têm com empresas prestigiadas, ou a facilidade com que colocam alunos no seu próprio mercado de trabalho ou no europeu. No entanto, há uma preocupação que domina: na Holanda o tempo é nublado e chuvoso e na Suécia faz frio.

Em tom de brincadeira séria, apetece dizer que parece que é esta a grande preocupação dos portugueses (e, possivelmente, do restante sul europeu): o clima. Não por acaso, a chuva é desculpa para tudo em Portugal. Uma pessoa minha conhecida estrangeira costumava dizer que a coisa que lhe fazia mais impressão nos portugueses era que quando chove ninguém faz nada. Não por acaso, quando chove ao fim de semana, a imagem que tenho do típico português é que, mesmo que tenha um monte de trabalho no escritório ao lado, não se levanta do sofá nem descola os olhos da televisão (apesar de também não chover no escritório). O típico português fica espantado como é possível viver sem o insuportável calor do nosso Verão para que possa passar Agosto inteiro na praia (das poucas coisas que não pára no Portugal de Agosto).

O problema é que, como se tem visto em questões como as duas aqui referidas (educação e economia), o típico português (e sul europeu) devia estar mais preocupado com coisas sérias...

Saturday, October 9, 2010

A ler


Helena Daminão colocou no De Rerum Natura um excerto do livro de Fernando Savater intitulado O Valor de Educar, que é de indispensável leitura. Irei aqui citar algumas passagens, com sublinhados meus, que me parecem especialmente pertinentes.

Não há educação se não há verdade a transmitir, se tudo é mais ou menos verdade, se cada um tem a sua verdade, igualmente respeitável, e se não se pode decidir racionalmente entre tanta diversidade. Nada pode ser ensinado se nem sequer o professor acredita na verdade que ensina e no quanto é importante saber verdadeiramente. (...)

A metodologia científica e, inclusive, a simples prudência indicam que as verdades não são absolutas ainda que assim nos pareçam. São frágeis, passíveis de serem revistas, sujeitas a controvérsia e por fim perecíveis, mas nem por isso deixam de ser verdades, isto é, mais sólidas, mais justificadas e mais úteis que outras crenças que se lhes opõem. São também mais dignas de serem estudadas, ainda que o mestre que as explica não deva ocultar a possível dúvida crítica que as acompanha (...).

(...) Richard Dawkins dá o exemplo da aviação como prova intuitiva de que nem todas as verdades são aceites como simples convenções culturais do momento; se não concedêssemos aos seus princípios mais veracidade que a que costumamos atribuir aos discursos dos políticos ou às prédicas dos curas, nenhum de nós subiria jamais a um avião. (...).

Em vez de serem consideradas propostas imprecisas, limitadas pela insuficiência de conhecimentos ou pela aceleração, as opiniões convertem-se em expressão irrebatível da personalidade do sujeito («esta é a minha opinião», «essa é a sua opinião») como se o relevante delas fosse a quem pertencem, e não o que as fundamenta. A velha e deselegante frase que os tipos duros de algumas películas americana, costumam dizer – «as opiniões são como os cus, cada um tem o seu» – ganha força, porque nem sobre as opiniões nem sobre os traseiros, pelos vistos, é possível existir qualquer discussão e ninguém pode desprender‑se de umas ou do outro, ainda que o queira.

A isso, junta‑se uma obrigação beatífica de «respeitar as opiniões alheias», que, se na verdade se pusesse em prática, paralisaria todo e qualquer desenvolvimento intelectual ou social da humanidade.

Para não falar do «direito a ter a sua própria opinião» que não é o direito de pensar por si mesmo e submeter a uma confrontação racional o pensado, mas sim o de manter a própria crença, sem que ninguém interfira com incómodas objecções. (...)

A tendência para converter as opiniões em parte simbólica do nosso organismo e para considerar tudo quanto as desmente como uma agressão física («feriu as minhas convicções») não constitui uma dificuldade apenas para a educação humanista como também para a convivência democrática. Viver numa sociedade plural impõe assumir que o que é verdadeiramente importante são as pessoas, não as suas opiniões, e que estas devem ser escutadas e discutidas e que não nos devemos limitar a vê‑las passar, sem as tocar, como se fossem vacas sagradas. (...)
Fernando Savater estará em Lisboa na próxima terça-feira, pelas 17h30, na qual Nuno Crato também participará. Intitula-se precisamente O Valor de Educar, e terá lugar na Faculdade de Ciências.

Thursday, October 7, 2010

Triste

Não estava em Portugal na altura em que foi exibido o último programa da primeira série do Plano Inclinado, e por isso só há uns dias me lembrei de assistir. O convidado era Carvalho da Silva, o que por um lado me deixou motivado para ver a capacidade de argumentação de Medina Carreira face a alguém com quem certamente iria discordar muito, mas por outro deixou-me também de pé atrás porque não aprecio discursos que só se encaixam num mundo de ilusão em que certamente não vivemos.

No que diz respeito à primeira, confirmei infelizmente o que já esperava. Medina Carreira pode dizer muitas coisas acertadas sobre o estado do país e comunicá-las de forma certeira ao público geral, mas não tem uma capacidade extraordinária da argumentação em debate, pois não consegue formar um discurso que toque especialmente nos pontos que dificultariam o seu adversário, mantendo-se sempre no seu discurso habitual como se estivesse simplesmente numa entrevista só com Mário Crespo.

Quanto à segunda, pior do que o discurso datado de Carvalho da Silva, que é de quem ainda vive num mundo pré queda do Muro de Berlim, foi a falta de respeito e de educação que mostrou perante os seus colegas da mesa, sobretudo para com o professor João Duque. Recorrendo à intensidade sonora que deve ter aprendido nos comícios, monopolizou totalmente o programa. Medina Carreira, que tem facilidade em impor a sua palavra, conseguiu deixar a sua opinião bem explícita; mas o professor João Duque, que mantém sempre o respeito e não tem por hábito interromper os outros, teve que conviver com a falta de educação do convidado.

Uma tristeza.

Tuesday, October 5, 2010

O Estado Social em debate



É absolutamente obrigatório assistir ao primeiro programa da nova série do Plano Inclinado, agora só com Medina Carreira e mais um convidado, que neste caso foi o professor João Cantiga Esteves. O tema foi o Estado Social, e por isso mesmo é tão fundamental assistir a estes 50 minutos: de todas as mentiras que a classe política vai repetindo há decadas, esta é uma das mais graves.

Fala-se do Estado Social como se fosse uma garantia que milhões de portugueses vão para sempre receber (independentemente de haver dinheiro ou não), como se fosse meramente uma questão ideológica e não técnica (isto é, se não há dinheiro não pode haver Estado Social, por muito que se goste de exibir uma ideologia de esquerda) e ignorando completamente a conjuntura económica global em que estamos inseridos.

Por isso, quando se diz a verdade acerca deste tema na televisão, é importante que ela seja vista e ouvida pela maioria das pessoas, para que possam ter consciência das mentiras que a classe política vai inventando, eternamente entretida numa luta entre "somos de esquerda" e "somos de direita" que não tem significado a não ser no mundo de fantasia onde a maioria dos políticos portugueses vivem. Como dizia há uns dias o Frei Fernando Ventura numa extraordinária entrevista com Ana Lourenço que o professor Norberto Pires divulgou aqui,
Temos sentados no poder gente peneirenta, da esquerda à direita. Continuamos atavicamente e estupidamente a pensar em critérios políticos de direita e de esquerda. Isto já não existe. Está podre. Acabem com isso. É ridículo. É folclore. Não temos dinheiro para pagar folclore.
E ainda a propósito desta questão da falência do Estado Social enquanto o conhecemos, recomendo a leitura deste texto intitulado A revolução liberal da Suécia que Henrique Raposo escreveu hoje para o seu blog no Expresso, ou, preferencialmente, deste artigo em que se baseia.

Nestes textos é possível entender como a Suécia salvou o seu Estado Social fortíssimo, muito característico dos países nórdicos, da crise económica. Não foi com esta conversa que temos cá de investimentos públicos megalómanos, do estado controlar tudo e da escola pública dominar sem deixar qualquer papel para as famílias. Pelo contrário: atribuição de cheque-ensino para que os pais possam escolher a escola dos filhos, semi-privatização da segurança social e uma economia liberal e flexível são exemplos de medidas que o Governo de centro-direita, agora reeleito, tomou nos últimos anos. Os suecos perceberam que estes são factores que podem gerar riqueza para sustentar o Estado Social, tornando-os a 2ª economia mais competitiva do mundo de acordo com o Global Competitiveness Report de 2010.

Pelo contrário, a grande maioria dos países do Sul da Europa continua a insistir num modelo que, como é possível perceber neste último programa do Plano Inclinado, está destinado à falência. Até quando vamos insistir?

Saturday, October 2, 2010

A ler

No Expresso da semana passada há dois excelentes textos imperdíveis:

Friday, October 1, 2010

Liberdade de Opinião vs Validade de Opinião

Há uma confusão muito comum entre liberdade de opinião e validade de opinião. A liberdade de opinião, felizmente, existe hoje em dia nos países desenvolvidos: ninguém é preso ou paga uma multa por dizer que acredita que as pulseiras do equilíbrio fazem efeito, que os remédios homeopáticos curam doenças, ou que que o Homem não foi à Lua. O problema é que, quando são confrontadas com factos claros que mostram que essas crenças não têm sentido, muitas vezes a resposta é "tenho o direito à minha opinião". Verdade! No entanto, é preciso recordar: ela não se torna válida por causa disso.

Esta tendência talvez esteja relacionada com um certo pensamento pós-moderno que procura descredibilizar a ciência e, quando chega ao limite dos limites, defende que todas as opiniões são igualmente válidas porque só dependem do ponto de vista de quem as emite. E isto não é verdade.

Discutir as pulseiras do equilíbrio ou o efeito de remédios homeopáticos (ou, até, a viagem à Lua), não é como discutir o aborto ou a eutanásia. Os primeiros temas podem ser quantificados tendo em conta factos e dados obtidos em experiências ou ensaios clínicos bem feitos; os segundos só permitem, quanto muito, que se quantifiquem as suas consequências na população, mas não a sua validade moral, que geralmente é o que está em debate. O filósofo e matemático Bertrand Russell explicitou muito bem esta diferença no seu livro Religion and Science:
While it is true that science cannot decide questions of value, that is because they cannot be intellectually decided at all, and lie outside the realm of truth and falsehood. Whatever knowledge is attainable, must be attained by scientific methods; and what science cannot discover, mankind cannot know.
É, portanto, preciso insistir no seguinte: há coisas de tal forma quantificáveis que é possível saber se estão certas ou erradas. Na introdução do livro Bad Science (em português, Ciência da Treta), o autor Ben Goldacre reforça esta ideia muito claramente:
E se, quando terminar [de ler o livro], ainda achar que discorda de mim, então sugiro-lhe o seguinte: não deixará de estar errado, mas pode ter a certeza de que o estará, só que de uma forma muito mais confiante (...).

Sunday, September 26, 2010

'extraordinary claims require extraordinary evidence'

O penúltimo episódio da série Cosmos, um dos mais espantosos de toda a série, tem o título Encyclopedia Galactica, e dedica-se à procura de vida extra-terrestre. Carl Sagan, como se sabe, era um grande defensor da existência de vida extra-terrestre; considerava as probabilidades extraordinárias tendo em conta a vastidão do Universo. Começa assim o episódio:
In the vastness of the Cosmos, there must be other civilizations far older and more advanced than ours, so shouldn't we have been visited? Shouldn't there be, every now and then, alien ships in the skies of Earth? There's nothing impossible in this idea, and no one would be happier than me if we were being visited, but has it happened in fact? What counts is not what sounds plausible, not what we'd like to believe, not what one or two witnesses claim, but only what is supported by hard evidence, rigorously and skeptically examined.
E depois acrescenta aquela famosíssima frase, uma das mais citadas do cientista:
Extraordinary claims require extraordinary evidence.
As pessoas esquecem este princípio básico da busca pela verdade quando se deixam enganar, por exemplo, pelas mais variadas teorias de conspiração, sendo a maioria completamente idiotas, imbecis e sem sentido. Quanto mais estranhas forem as afirmações feitas, maior a prova que se deve pedir por elas.

Aqui estão três exemplos de afirmações sobre as quais, pessoalmente, peço "extraordinary evidence":
  • A viagem à Lua foi uma fraude. Isto implicaria milhões de pessoas envolvidas a guardar segredos durante décadas, implicaria que os Soviéticos tivessem sido suficientemente idiotas para não terem reparado na fraude de imediato (na verdade, eles seguiram a viagem da Apollo 11 à Lua, assim como todas as outras, pelo que eles sabiam que a viagem aconteceu e como tal reconheceram-no), implicaria que todos os cientistas do mundo são idiotas por não terem percebido as "falhas científicas" dos videos (ao contrário dos iluminados que apontam falhas aos videos, que nunca são cientistas, mas que descobrem lá contradições a todas as leis da física), implicaria que os espelhos colocados na Lua que ainda hoje permitem medir a distância a que esta se encontra da Terra com uma precisão inacreditável tenham lá ido parar por magia, etc. Como se pode calcular, provas para mostrar que tudo isto é falso têm que ser absolutamente extraordinárias.
  • Os atentados de 11 de Setembro foram planeados pelos Americanos. Milhares de pessoas teriam que estar envolvidas nestes planos sem sentido. Não basta mostrar umas fotos do Pentágono sem um avião partido lá em cima (quando, com um pouco de pesquisa, a questão do Pentágono está muito bem explicada) ou umas quantas pessoas anónimas a dizer que as Torres Gémeas não deveriam ter caído com aquele impacto (como é que sabem? Que calculos fizeram?) para se provar a fraude do século. Seriam precisos estudos científicos muito aprofundados e justificações muito detalhadas e comprovadas sobre tudo o que se passou. Seriam necessárias, portanto, provas extraordinárias.
  • Energia flui pelo corpo e, quando se espetam agulhas em pontos especiais, curam-se doenças. Quais são os aparelhos que detectam essa energia? Que tipo de energia é e de que forma flui? Porque é que quando se espeta uma agulha no ponto x ajuda a curar um problema no ponto y (não vale responder que uma energia que não existe se está a redistribuir pelo corpo)? Para se acreditar em medicina deste tipo é necessário que estas respostas sejam respondidas com estudos científicos muito bem feitos. Afinal de contas, também é o que pedimos a um medicamento normal, que no seu processo de fabrico e distribuição está sujeito a esses estudos.

Saturday, September 25, 2010

Pulseiras do Equilíbrio (III)

O SkepticBlog é um excelente blog em que participam grandes nomes que dedicam parte da sua vida a promover o cepticismo e o pensamento crítico face ao mundo, de forma a ajudar as pessoas a distinguir a verdade de tretas que lhes tentam impor, sejam essas tretas materiais (pulseiras do equilíbrio) ou intelectuais (teorias da conspiração).

Apesar do tema das pulseiras do equilíbrio já estar mais que esclarecido (neste momento, só se continua a enganar quem quer), não resisto a referir este post de Brian Dunning no referido blog, por duas razões. Primeiro, porque diz algumas piadas de qualidade em resposta às tangas pseudocientíficas que vêm no site oficial das pulseiras do equilíbrio. Segundo, porque refere alguns videos interessantes sobre estas pulseiras das energias quânticas.

Os vendedores das pulseiras fazem tipicamente um truque (tão velho que já tem barbas) para mostrar aos clientes como as pulseiras de facto funcionam. Esses truques são conhecidos pelo nome de Applied Kinesiology, e estão muito bem explicados no video abaixo, onde se mostra também a facilidade com que se inventam explicações científicas para produtos inuteis.



Contudo, para quem ainda quer acreditar, pode ver o seguinte video, que mostra um vendedor de pulseiras do equilíbrio a falhar um double blind test. O teste consiste no seguinte: num grupo de pessoas que vão ser testadas, só uma possui escondido o holograma quântico das pulseiras; cabe ao vendedor descobrir quem fazendo os testes do costume, sendo que nem o vendedor nem as pessoas testadas sabem quem possui o mágico holograma.



Um double blind test é uma espécie de algodão: não engana. Estes testes retiram ao máximo a parte subjectiva a que um ser humano está sempre sujeito, o que torna a experência muito mais objectiva e fiável. São muito utilizados, por exemplo, em medicina, para testar o efeito placebo de certos medicamentos (nem os médicos nem os pacientes sabem quem tomou o verdadeiro medicamento). Desta forma, pode-se saber o seu efeito real, pois quando o algodão da ciência passa com cepticismo e pensamento crítico, a verdade torna-se clara.

Friday, September 24, 2010

Falsos argumentos (II)


Por falar em falsos argumentos, lembrei-me do mais comum argumento que é utilizado a favor do Acordo Ortográfico: "dantes também se escrevia farmácia com ph". (Curiosamente, é sempre a farmácia que vem à baila quando se usa este argumento, e nunca qualquer outra palavra cuja ortografia tenha entretanto mudado, talvez porque a moda tenha pegado depois de alguém se ter lembrado de usar esta palavra em particular.)

Contudo, a única coisa que esse argumento evidencia é que no passado existiram mudanças, ou, quanto muito, que é possível mudar. O que é que esse argumento nos diz sobre a utilidade, interesse ou objectivo de futuras mudanças? Absolutamente nada. E, desta forma, a discussão fica na mesma no que diz respeito às alterações do Acordo Ortográfico.

A este propósito, lembrei-me deste texto do filósofo Desidério Murcho, do qual destaco a seguinte passagem:

Uma ideia muito comum a favor da legislação ortográfica (...) é a seguinte: se não se fizesse leis sobre a ortografia, cada qual iria escrever à sua maneira e seria uma anarquia ortográfica. Isto é falso. Em muitos países onde não só não há qualquer anarquia ortográfica como se escreve mais e melhor, não há leis ortográficas: é o caso do Reino Unido. Por outro lado, mesmo em Portugal e no Brasil não há leis sobre a gramática, nem sobre o léxico; há apenas gramáticas e dicionários. No entanto, não há qualquer anarquia gramatical nem lexical.

A legislação sobre a ortografia só foi necessária quando algumas pessoas se outorgaram o direito de mudar a maneira como as outras escrevem. Mas como não poderiam fazer isso sem a força do estado, usaram o poder legislativo para conseguir os seus fins, usando mentiras políticas diversas (no tempo da república era combater o analfabetismo, hoje é a ilusão de que vamos conquistar o mundo).

Thursday, September 23, 2010

Falsos argumentos


Sempre que vejo alguém a defender as praxes, mesmo que seja em programas estilo Opinião Pública em que levam lá um convidado estudante, a argumentação resvala sempre para falsos argumentos que nada esclarecem sobre se as praxes são positivas ou negativas. Vejamos os seguintes exemplos.

1. As praxes são boas porque permitem conhecer pessoas

Isto é verdade. Contudo, o que é que diz sobre se vale a pena lá ir? Nada. Certamente que quem vai para a prisão, a não ser que passe todo o tempo na solitária, tem uma oportunidade espectacular para conhecer pessoas. E o que é que isto diz sobre a qualidade do tempo que lá se vai passar? Nada. No entanto, é o argumento mais utilizado para convencer os alunos acabados de entrar no Ensino Superior e que até estão a pensar ir às aulas (que loucura!!) a não o fazerem.

2. As praxes são boas porque não se faz nada de mal

Admitindo que este argumento é verdadeiro, o que em alguns casos não é, não posso deixar de ficar espantado por se defender algo dizendo-se que "não faz mal". Eu, pelo menos, não costumo ficar muito confiante com propagandas de produtos que "não fazem mal". Prefiro escolher aqueles que "fazem bem".

3. As praxes são boas porque são tradição académica

Este argumento vem bem a propósito, depois de num dos posts anteriores ter colocado aqui um video de Richard Feynman em que este se refere à estupidez com que, sem pensar, as pessoas se submetem a símbolos, títulos, uniformes e à autoridade. Se uma data de gente vestida de preto a dar ordens a pessoal pintado, que obedecem cegamente, não se inclui neste conceito, não sei o que se incluirá.

Claro que há muitas pessoas que adoram genuinamente ser praxadas, e esses estão no direito de o ser. Os verdadeiros problemas são os seguintes: primeiro, há Universidades em que as praxes são levadas tão a sério que é impossível a integração dos alunos que não gostam delas, e que acabam a pedir transferência; segundo, aqueles casos que, apesar de não gostarem, tentam aguentar porque percebem que é a única forma de alguma vez serem aceites.

Para terminar, uma piada fácil. Quando a Universidade de Coimbra fez 700 anos, perguntaram ao organizador das praxes de determinado curso o que é que tinha a dizer sobre esse aniversário. Ele respondeu: "700 anos?! Epá, isso dava para tirar uns 2 ou 3 cursos!" Deixo a cada leitor a reflexão sobre se esta, ao contrário desta, terá (ou não) a sua dose de verdade.