Thursday, February 24, 2011

Geração à Rasca?


Ontem, enquanto passava pela Fnac do Colombo, reparei que João Duque, economista e presidente do ISEG, estava a participar numa conferência no Café Fnac. O tema era o filme Wall Street e a sua sequela, ambos de Oliver Stone, e as suas relações com o que financeiramente se passa na realidade.

A certa altura, já desviando-se do tema central, João Duque fez uma intervenção notável sobre a chamada "Geração à Rasca". Este movimento da geração em que me incluo tem gritado que somos uma geração à rasca porque é difícil arranjar emprego, porque os empregos não são definitivos, porque os salários não são os pretendidos, etc.

Contudo, como João Duque recordou e muito bem, estas características não são únicas desta geração. Os jovens da geração antes da sua partiam quase todos para a guerra, onde se arriscavam a perder a vida. O próprio João Duque, segundo relatou, ingressou no Ensino Superior numa altura em que só 1 em cada 4 alunos do Ensino Secundário lá podiam entrar; pelo contrário, actualmente há mais vagas do que alunos, sendo o acesso bastante fácil para quem termine o 12º ano. Para além disso, sentiu dificuldade em arranjar emprego, até porque não era aceite sem ter cumprido o serviço militar obrigatório, acontecendo que só depois dos 40 anos adquiriu um emprego fixo garantido.

É, portanto, curioso verificar que a presente geração não está mais à rasca do que as gerações anteriores, embora se insista muito que sim. No entanto, como bem apontou João Duque, existe uma grande diferença: esta geração está especialmente à rasca porque lhes foi dito, mesmo que indirectamente, que nunca o estariam. A escola que temos é um desses exemplos, embora mais se possam arranjar: com o facilitismo crescente do Ensino Pré-Universitário (embora ao mesmo tempo se considere quase um génio quem tem 10 a Matemática, como referiu João Duque, hiperbolizando) e com a facilidade com que se ingressa no Ensino Superior, deu-se a ideia de que a vida é fácil.

A tese, cada vez mais proibida e politicamente incorrecta, de que a escola fácil não prepara os alunos para a vida difícil adquire um significado ainda mais relevante quando se lêem os protestos desta "Geração à Rasca". A escola falhou na sua função, porque o género de obstáculos que aparecem aos jovens que estão à procura de emprego (onde brevemente me irei incluir) já deveriam ter aparecido dez anos mais cedo, para que agora estivessem preparados para os ultrapassar.

Monday, February 21, 2011

Tenha o seu próprio satélite! (astroPT)

Texto escrito para o site astroPT


A Scientific American deste mês tem um artigo dedicado aos CubeSats, satélites de reduzidas dimensões que se estão a tornar cada vez mais populares na investigação científica, em grande parte graças ao avanço da microelectrónica. Estes satélites têm uma grande vantagem: o custo.

Para além das razões óbvias na redução dos custos (peso reduzido, etc.), há uma vantagem adicional em relação aos restantes “microsatélites”: as dimensões e o peso dos CubeSats, assim como outras especificações, são estandartizadas, o que facilita os seus lançamentos em massa. Cada CubeSat deve ser um cubo com 10 cm de lado e não ultrapassar 1 kg.

Esta uniformização, que trouxe a grande vantagem do custo reduzido, acabou por ter uma série de consequências positivas, em particular a seguinte: muito mais equipas de investigação, e até de estudantes universitários, podem agora ter os seus projectos espaciais. Para além disso, pode-se fazer investigação mais experimental e arriscada, visto que o dinheiro perdido em caso de falha não é particularmente grande.

Espera-se que brevemente o custo do equipamento e lançamento se reduza a 10 mil dólares, o que poderá fazer com que projectos amadores também entrem em cena. Poderão mesmo vender-se kits de CubeSats para montagem por esse preço, com lançamento incluido. Talvez no futuro cada pessoa interessada possa ter o seu próprio satélite!

Friday, February 18, 2011

Exigência e Homeopatia


Há dois textos recentes do De Rerum Natura, escritos por Carlos Fiolhais, que devem ser lidos e que merecem reflexão.

Um deles intitula-se Teste de Física?! e vem a propósito de um teste intermédio de física de 11º ano em que se faz a seguinte questão:
GRUPO I

Durante algum tempo o magnetismo e a electricidade ignoraram-se mutuamente. Foi só no início do século XIX que um dinamarquês, Hans Christian Oersted, reparou que uma agulha magnética sofria um desvio quando colocada perto de um circuito eléctrico, à semelhança do que acontecia quando estava perto de um íman. Existia pois uma relação entre electricidade e magnetismo.

C. Fiolhais, Física Divertida, Gradiva, 1991 (adaptado)

1. Transcreva a parte do texto que refere o que Oersted observou.
Esta pergunta é inacreditável para um teste de física, seja de que ano for. Seria compreensível, talvez, num teste de português da escola primária. Não se pede aos alunos que saibam seja o que for sobre física: não é preciso saber quem foi Oersted, o que é o magnetismo ou a electricidade, ou a relação entre eles. Apenas se pede que se saiba ler e copiar.

Neste caso, atingiu-se um novo mínimo na exigência de algumas perguntas de testes/exames elaborados pelo GAVE. Este mínimo é o grau zero da exigência. A partir do momento em que, numa pergunta, não se exige que se saiba seja o que for sobre física, não se pode descer mais. Portanto, vendo as coisas pelo lado positivo, a partir daqui a exigência só pode subir.


O outro texto foi publicado hoje e intitula-se A Fraude da Homeopatia, e é dedicado à capa e a um artigo da revista Visão desta semana, que questiona Homeopatia: Cura ou Fraude?, e em seguida faz uma análise neutra da questão, dando igual espaço aos dois lados para defenderem as suas opiniões sem tirar qualquer conclusão.

Este tipo de situação é bastante comum. Ainda há relativamente pouco tempo, a revista Única teve um número dedicado à Lua, que para além de entrevistar astrónomos e astrofísicos, também entrevistava astrólogos, esses grandes conhecedores da Lua...

O problema deste tipo de análise pela comunicação social é que não se pode discutir a homeopatia ou a astrologia como se se discutisse o aborto ou a eutanásia; isto é, como se se pudesse chegar a uma conclusão sobre a resposta à questão "homeopatia: cura ou fraude?" através das convicções pessoais de individuos ou, já agora, por referendo.

Os princípios físicos e químicos mais básicos em que assenta a homeopatia não fazem nenhum sentido, portanto ou o nosso conhecimento sobre esses princípios está errado ou a homeopatia não funciona. Se olharmos para o mundo à nossa volta vemos os espantosos resultados que a física e a química têm produzido, e por isso sabemos que esses resultados seriam impossíveis caso estes cientistas não entendessem os princípios mais básicos das ciências em que trabalham. Por isso não, a homeopatia não funciona. Não há nenhuma controvérsia aqui; há simplesmente uma afirmação.

"Mas não é suposto a ciência fazer-se da dúvida, e não da certeza?", respondem os habituais críticos. Sim, é verdade; contudo, isso não quer dizer que tudo o que existe é dúvida e incerteza, pois, caso assim fosse, a ciência deixaria de fazer sentido. A ciência tem como objectivo a compreensão do mundo e, nessa medida, pretende chegar a conclusões que tenham relação com a realidade ("a realidade existe", como disse Carlos Fiolhais recentemente no Câmara Clara, e ao contrário do que muitos querem fazer crer).

A contrução desse conhecimento faz-se através de dúvidas, de controvérsia e de questões; contudo, à medida que essas dúvidas vão sendo estudadas e analisadas à luz da realidade, chega-se à conclusão de que algumas estão de acordo com ela e outras não. Como tal, sobre alguns campos da ciência existem apenas teorias, sendo que algumas não encaixam entre si (o que é a gravidade?; como se unificam as quatro forças fundamentais da Natureza?); no entanto, com o conhecimento costruido ao longo de séculos também se chegou a muitas certezas, como o facto da Terra orbitar o Sol, e não o contrário. Ou, outro exemplo: a homeopatia não funciona.

Tuesday, February 15, 2011

astroPT

É com enorme agrado que divulgo que me tornei recentemente colaborador do site astroPT, um local excelente para se estar informado sobre as mais recentes notícias da astronomia e para ler opiniões sobre o tema.

A minha estreia foi hoje, com este post.

Sunday, February 13, 2011

Política educativa: o que faz a Suécia?


Numa altura em que muito se debatem os cortes nos financiamentos das escolas privadas, talvez seja importante olhar para o que se faz em países como a Suécia, cuja política para a educação tem sido um sucesso, estando a ser analisada por outros países que pretendem imitar o sistema, como o Reino Unido.

Em 1992, numa das raras ocasiões em que a Suécia teve um Governo de centro-direita (o momento presente é mais uma dessas ocasiões), foi implementado o sistema de cheque-ensino: o Estado fornece um cheque virtual a cada família com valor equivalente ao que gastaria na educação do aluno, e os pais têm liberdade de escolha na escola dos seus filhos. Podem escolher colocá-los numa escola pública ou numa escola privada; estas, embora sigam os mesmos programas educativos, são geridas por empresas autónomas que recebem do Estado o tal "cheque" equivalente ao que seria gasto numa escola pública, e têm total poder de decisão quanto aos métodos de ensino, horários, etc.

Na altura em que foi implementada, esta medida sofreu grandes críticas por parte da oposição; contudo, quando os Sociais Democratas (centro-esquerda) voltaram ao Governo em 1994 viram-se forçados a manter o que tinha sido decidido dois anos antes, tal estava a ser a sua popularidade junto das famílias. Embora esta medida tenha sido acusada de favorecer os ricos e prejudicar os pobres, acentuando as desigualdades, o que se verificou foi exactamente o contrário: a qualidade da educação na Suécia tem vindo a aumentar de forma global.

Esta melhoria na qualidade não se deve apenas ao aumento da percentagem de escolas privadas (como é evidente, não há nenhum princípio que diga que o ensino privado é melhor que o público, ou vice-versa), mas sobretudo ao facto da competição entre escolas ter tido como consequência uma melhoria das escolas públicas, que se viram forçadas a ter que elevar a fasquia da qualidade para sobreviverem. Esta ideia é confirmada pelos próprios responsáveis por escolas públicas: “Today, I think we have at least as good quality if not better than some independent schools because we have really joined the battle and use our money in a much better way”, afirma a responsável por uma escola pública nos arredores de Estocolmo.

Em Portugal, a escola pública está em crise, devido à falta de exigência, à descredibilização dos professores, aos fracos programas, e ao facto dos seus responsáveis se poderem encostar à sombra da bananeira, porque sabem que não têm nada a ganhar ou a perder com o sucesso ou insucesso da sua escola.

Com isto, as escolas privadas têm vindo, ano após ano, a subir nos rankings: em geral, os seus alunos têm mais sucesso nos exames nacionais do que os alunos das escolas públicas. Valerá a pena, por teimosia ideológica, manter um modelo que está a dar maus resultados na educação, mantendo abertas escolas péssimas ao mesmo tempo que se desincentivam os melhores exemplos que temos? Valerá a pena continuar a não deixar aos pais espaço para influenciar o futuro dos filhos?

É uma mentira grosseira dizer que o modelo da liberdade de escolha acentua as desigualdades. Neste momento, os que não têm possibilidades financeiras e que têm o azar da escola mais próxima ser má estão condenados a não ter alternativa. Pelo contrário, os ricos têm sempre a possibilidade de pagar para garantir aos filhos uma educação de qualidade superior. Só um sistema assente na liberdade de escolha poderá acabar com esta injustiça.

As reformas seriam profundas e para fazer a médio-longo prazo, sendo que um sistema que funcionasse em Portugal não teria que ser necessariamente uma cópia deste. Precisamente por isso, a reflexão é urgente.

Explicações detalhadas sobre como funciona o sistema educativo sueco, assim como testemunhos de pais e responsáveis por escolas (a citação que fiz, por exemplo), podem ser encontrados nos seguintes artigos:
Note-se que discordo totalmente dos métodos de ensino da escola privada descrita no terceiro artigo. No entanto, o importante é que quem discorda tem alternativas à disposição.

Wednesday, February 9, 2011

Bolonhês


No final de todos os semestres no IST é obrigatório o preenchimento de uns inquéritos chamados QUC, sigla que significa Qualidade das Unidades Curriculares. Nestes inquéritos, os alunos avaliam as disciplinas e os professores, respondendo a cada pergunta com uma classificação de 1 a 9, havendo para algumas também a opção "não sabe" ou "não se aplica".

Muitas destas perguntas vêm escritas em bolonhês, mais ou menos o equivalente ao eduquês para o ensino superior. Para além da facilitação da mobilidade de estudantes dentro da Europa, o Processo de Bolonha só trouxe coisas negativas, em particular a linguagem do eduquês para a Universidade: redução do número de horas de aulas para haver mais trabalho autónomo e o professor se limitar a ser um "facilitador de aprendizagens"; é muito importante fazer uma contextualização social do que se aprende; etc.

Embora estas tendências ainda não se verifiquem muito na prática, porque os professores são os mesmos e não mudam os seus hábitos do dia para a noite, a verdade é que todos os semestres ao preencher os inquéritos QUC me apercebo de quais são os grandes objectivos de Bolonha. Há uma série de perguntas deste estilo (infelizmente já preenchi os meus inquéritos deste semestre, pelo que não posso citar textualmente): "sabe contextualizar o que aprendeu?", "desenvolveu capacidades de trabalho autónomo?", "sabe relacionar o que aprendeu com as suas implicações sociais?", e por aí adiante.

Nestas perguntas não é preciso pensar muito, pois a minha resposta é sempre a mesma: "não se aplica". É pena, pois assim continuo na ignorância sobre as implicações sociais de, por exemplo, primitivar por partes... Uma falha que, sem dúvida, a educação do futuro tratará de corrigir.

Thursday, February 3, 2011

A ler: O Futuro do Ensino

Não posso deixar de recomendar a leitura deste texto de Filipe Oliveira no De Rerum Natura. Por um lado, cómico e divertido; por outro, tragicamente real. Nele estão presentes todos os chavões politicamente correctos do ensino: a aversão a decorar porque deixa de se ser criativo e estraga-se a imaginação (o que, aliás, é mentira); a moda de que é preciso aprender a aprender (que não se percebe muito bem o que quer dizer), e não adquirir conhecimentos sólidos e estruturados; a ideia de que um professor tem é que ter aulas muito divertidas e métodos pedagógicos modernos, porque isso de simplesmente adquirir conhecimento é um bocado chato; o facto de se dizer que o ensino directo em que o professor transmite conhecimento para o aluno não é bom porque não deixa o aluno "descobrir por si mesmo" (é importante relembrar que Newton disse que chegou onde chegou por se encontrar "aos ombros de gigantes"); a avaliação ser uma coisa chata porque faz distinção entre os estudantes; e, finalmente, a aversão ao conhecimento estruturado dos livros porque a wikipedia e afins são tão mais interessantes.

Tuesday, February 1, 2011

"Os Portugueses e a Investigação Científica"


O Câmara Clara (programa da RTP2) desta semana foi dedicado à ciência. Durante uma hora, Paula Moura Pinheiro esteve à conversa com Carlos Fiolhais, professor de física na Universidade de Coimbra e um dos principais divulgadores de ciência em Portugal, e com Maria Mota, investigadora de topo na área da biologia e da medicina.

A ciência está a crescer em Portugal. São cada vez mais os investigadores portugueses que são reconhecidos internacionalmente, e Maria Mota é precisamente um desses exemplos. Ainda não estamos no topo, mas estamos no bom caminho.

Por outro lado, há uma coisa em Portugal que está de certa forma relacionada com a ciência, e que está longe de estar bem ou no bom caminho: a educação (apesar da subida nos últimos resultados do PISA, mas irá obedecer a uma tendência nos próximos anos?). É na escola que se deve iniciar e incentivar o gosto pela ciência, mas o que se vê é que muitos estudantes saem do ensino básico a detestar a ciência. Claro que, como refere Carlos Fiolhais no programa, "o que eles conhecem não é ciência, mas uma caricatura da ciência". Sim, é verdade que temos muitos - e cada vez mais - investigadores de topo; no entanto, a ciência deve ser partilhada por todos, pois "a ciência que é oculta não é ciência".

Finalmente, existe também uma relação entre ciência e democracia: a liberdade para "ousar descobrir", a meritocracia, a avaliação rigorosa, são valores de ambas. "Com a ciência apenas podemos não estar salvos, mas sem a ciência estamos definitivamente perdidos", concluiu Carlos Fiolhais.

Foi destes e de outros temas que se falou neste extraordinário programa, que pode ser visto aqui.