Saturday, January 22, 2011

Caixas de comentários


As caixas de comentários de sites muito visitados estão para a internet mais ou menos como os esgotos estão para as cidades. É absolutamente deprimente ler a maioria do que se escreve nas caixas de comentários de sites como o Expresso ou o Público.

A internet é uma das coisas mais fantásticas que surgiram nos últimos anos, mas, como é evidente tudo tem problemas. Em particular, a maioria das pessoas olha para a internet como um meio para se comportarem de uma forma que não podem fazer na realidade: protegidas pelo facto de já não serem pessoas umas para as outros, mas meros nome (reais ou fictícios, é praticamente irrelevante), dizem as maiores barbaridades que lhes vêm à cabeça.

Descobrem-se, pois, as coisas mais assustadoras quando se lêem este tipo de caixas de comentários. Por exemplo, o insulto fácil dirigido às pessoas, e não aos seus argumentos, ocorre constantemente nas crónicas dos comentadores dos jornais. Da mesma forma, ler as notícias sobre a morte de Carlos Castro é igualmente assutador: ninguém parece minimamente preocupado com o facto de ter havido um assassinato brutal, voando apenas comentários homofóbicos em todas as direcções.

Sempre que há notícias sobre ciência, a situação também não é a melhor: a crise parece ser desculpa para ignorar o conhecimento. Ainda há pouco tempo, quando se noticiava um eclipse, os comentários eram do estilo "eles é que nos eclipsam o dinheiro todos os meses!". Vontade de discutir alguma coisa minimamente relacionada com as noticias científicas simplesmente não existe, dominando o impulso de mandar umas bocas básicas que desprezam o conhecimento científico.

E outras coisas preocupantes descobrem-se: por exemplo, Mourinho é odiado por muitos em Portugal. A mim acusam-me muitas vezes de não ser patriota porque estou constantemente a chamar a atenção para o que está mal em Portugal. Contudo, sou-o completamente naquilo que é relevante: em particular, chamo muitas vezes a atenção para os extraordinários exemplos que Portugal tem no estrangeiro, seja na arte, na ciência, no desporto, ou em qualquer área.

Mourinho é um dos expoentes máximos desse sucesso, transportando consigo muitas coisas que a maioria dos portugueses não tem nem quer ter: vontade, ambição, trabalho, dedicação, esforço e, consequentemente, sucesso. No entanto, apesar de aparentemente os portugueses se orgulharem de Mourinho, quando se lêem as caixas de comentários de noticias sobre derrotas suas (ou situações em que Mourinho sai prejudicado), percebe-se que existe um grande ódio secreto (motivado por inveja?) ao treinador português.

Ora aqui está um problema que ou se corta pela raiz (acabar com os comentários nos sites sérios) ou que dificilmente terá fim à vista...

Monday, January 17, 2011

Gostar de aprender


Existe uma confusão sobre como a escola deve ensinar. À partida, todos concordarão que a escola deve cultivar o gosto por aprender. Por causa disso, há quem coloque esta ideia de pernas para o ar, dizendo que a aprendizagem deve ser sempre feita com gosto. No entanto, tal não é verdade.

Como é evidente, os professores devem incentivar os alunos a gostar daquilo que estão a aprender, mostrando a beleza e a importância do conhecimento. Tal pode ser feito de variadas formas, dependendo da pedagogia de cada professor. Contudo, a escola estará a mentir aos alunos se lhes transmitir que se pode aprender sempre num ambiente de brincadeira, de jogo, de descontracção e de alegria.

Isto já não tem que ver com pedagogia, mas é simplesmente a realidade: aprender exige muitas vezes esforço, sacrifício e dedicação, o que, por muito que a pessoa goste daquilo que faz, se torna frequentemente cansativo, stressante e chato. Mesmo que alguns jogos possam ser úteis para fomentar o gosto por aprender, eles não podem ser o centro do ensino: por exemplo, o xadrez é excelente para desenvolver o raciocínio, mas ninguém aprende matemática ou filosofia a jogar xadrez.

Sobre este tema, Savater diz o seguinte, no seu livro O Valor de Educar:
(...) a maior parte das coisas que a escola deve ensinar não pode ser aprendida por meio de jogos. (...) "jogar é experimentar o acaso"; a educação, em contrapartida, orienta-se para um fim previsto e deliberado, por mais aberto que seja. A própria ideia de ir à escola para fazer jogos é disparatada: para jogar, as crianças chegam e sobram por si sós, de modo que, se é disso que se trata, o mais aconselhável será deixá-las em paz (...). Precisamente, a primeira coisa que aprendemos na escola é que não podemos passar o tempo todo a jogar. O jogo e aquilo que vem com o jogo, podemos aprendê-lo sozinhos ou com a ajuda de qualquer amigalhaço: mas vamos à escola para aprender o que não nos ensinam noutros sítios. (...) o propósito do ensino escolar é preparar as crianças para a vida adulta, e não confirmá-las em regozijos infantis. E os adultos não se limitam a jogar, mas, sobretudo esforçam-se e trabalham. São tarefas que a princípio custam, mas que nem sempre são desagradáveis. (...) A escola é o lugar onde se aprende que nem só jogando se mostra amor à vida (...).

Thursday, January 13, 2011

Uma Humanidade Sem Humanidades?


Os professores das disciplinas de humanidades, e os humanistas (no sentido de formados na área das humanidades) de uma forma geral falam numa crise das humanidades, no sentido de estarem a ser desprezadas nos conteúdos programáticos. Mesmo não estando dentro da área, acho expectável que isso esteja a acontecer: afinal, a tendência actual para favorecer o que é prático e utilitário ao que é puramente teórico certamente excluirá as humanidades do que se considera essencial.

Apesar disso, e sendo de facto esta a principal causa do decaimento das humanidades, não deixa de ser curioso verificar que pode haver também uma parte de culpa própria nesta crise. O problema é o seguinte: o pensamento pós-moderno atingiu grande parte das humanidades; com isto, quando vemos os nossos "grandes pensadores humanistas" (como Boaventura Sousa Santos, só para dar um exemplo) a falar, dizendo coisas estranhíssimas, como a verdade não existir e cada um ter a sua verdade, como todas as opiniões serem respeitáveis porque tudo é uma convenção social, ou como a ciência não passa de uma forma de ver a realidade tão válida como a astrologia, fica a sensação de que esta coisa das humanidades afinal não passa de uma espécie de bruxaria mas num tom mais intelectual.

Em particular, muitos destes humanistas adoptaram um discurso que despreza a técnica, favorecendo a intuição. Depois, falam muitas vezes na "liberdade de pensamento", o que não costuma passar de uma desculpa para se poder dizer as asneiras que se quiser, já que no limite, como tudo é subjectivo e tudo é uma convenção social, já não há diferença entre verdade e mentira, entre certo e errado.

Felizmente, as humanidades não são isto, e estas ainda têm representantes para nos recordarem o que elas na verdade são, ou deveriam ser. Em Portugal há certamente muitos professores para o fazer (basta ler este blog, por exemplo), mas neste momento vou citar o conhecido autor e professor de filosofia espanhol, Fernando Savater. É num capítulo do seu livro O Valor de Educar que o título deste texto se baseia. Sobre estes temas, Savater diz o seguinte:
(...) hoje abundam não só a superstição e as actividades milagreiras (...), mas também o menoscabo da razão, convertida numa simples perspectiva entre outras, sem direito a um reconhecimento especial e suspeita de dogmatismo quando o reclama. Regista-se aqui uma quebra das humanidades, porque não há humanidades sem respeito pelo racional, sem preferência pelo racional, sem fundamentação racional através da controvérsia do que deve ser respeitado e preferido. É frequente ouvirmos acusar este racionalismo de uma fé cega na omnipotência da razão, como se semelhante credulidade fosse compatível com o uso crítico dessa capacidade ou pudesse ser desmentida sem se recorrer a esse uso. A razão só é beatificada pelos que a utilizam pouco, não pelos que a empregam com uma assiduidade exigente. (...)

Muitos dos anti-humanistas, que acusam a educação moderna de ser "demasiado" racionalista, querem dar a entender que ela despreza a intuição, a imaginação e os sentimentos. Mas será excesso ou antes insuficiência de racionalismo uma tão má compreensão da complexidade humana? Não será antes a razão que concebe a importância do intuitivo, aproveita a fertilidade da imaginação e cultiva (...) a vitalidade dos sentimentos? A razão conhece e reconhece os seus limites, não a sua omnipotência: distingue o que podemos conhecer justificadamente do que imaginamos ou sonhamos (...). Para a razão, todos somos semelhantes, porque é ela própria a grande semelhança entre os humanos. A educação humanista consiste, antes de tudo em fomentar e ilustrar o uso da razão, essa capacidade que observa, abstrai, deduz, argumenta e conclui logicamente. (...)

Bem vistas as coisas, sim, há crise das humanidades. A relativização digamos pós-moderna do conceito de verdade é um claro indício dela. Não há educação se não houver verdade a transmitir, se tudo for mais ou menos verdade, se cada qual tiver a sua verdade igualmente respeitável (...).

(...) as opiniões convertem-se em expressão irrefutável da personalidade do sujeito: "esta é a minha opinião", "essa será a sua opinião", como se o importante nelas fosse a de sabermos a quem pertencem e não em que se fundamentam. (...) Soma-se a tudo isto uma obrigação devota de "respeitar" as opiniões alheias (...), para não falarmos já do "direito a uma opinião própria de cada um", que não é entendido como direito de cada um pensar por si próprio, mas como o de manter a sua crença sem se deixar incomodar por objecções incómodas. Este subjectivismo irracional enraíza-se rapidamente em crianças e adolescentes, que se habituam a supor que todas as opiniões - quer dizer, a do professor que sabe do que está a falar e a sua que parte da ignorância - valem por igual (...).
É de facto pena que este tipo de pensamento de que Fernando Savater fala neste capítulo seja actualmente abundante nas humanidades. É que, ao abandonarem a razão, as humanidades perdem aquilo que têm de mais valioso: aqueles que melhor a sabem utilizar.

Wednesday, January 12, 2011

O segredo dos melhores países do mundo (5): conclusão


Em jeito de conclusão, e recordando um pouco o que foi dito nos textos anteriores sobre este tema, deixo uma lista daquelas que considero ser as principais mudanças necessárias para que Portugal possa sair da crise social e financeira em que se encontra.
  • É necessário mudar as mentalidades: como se viu, os nórdicos estão conscientes de que, por vezes, é necessário trabalhar durante mais anos, ou fazer outro tipo de sacrifícios para que o futuro possa ser melhor; não basta ir protestar contra as medidas de austeridade (embora às vezes isso seja necessário), também é preciso entender a sua necessidade e lutar para que, no futuro, elas não voltem a ser precisas.
  • É necessário saber pensar a longo prazo: os cidadãos querem ver resultados imediatos, por isso exigem medidas nas áreas que permitem resultados visíveis no curto prazo; os políticos querem ganhar eleições, por isso pensam a cada legislatura; é preciso que os cidadãos comecem a pensar a longo prazo, exigindo que os políticos pensem nas gerações futuras.
  • É necessário diminuir drasticamente a corrupção: como é que isso se consegue é incerto, mas não o vejo a acontecer sem antes estoirar um escândalo a sério que provoque uma mudança generalizada nas pessoas da política e nas suas atitudes; se essa for a única hipótese, então que aconteça de uma vez por todas.
  • É necessário estar consciente da realidade das dificuldades que se enfrentam: a negação desta é condição suficiente para a incapacidade de melhorar; o primeiro passo é reconhecer o que está mal e a necessidade de mudança.
A estas necessidades juntar-se-iam outras, mas não vale a pena continuar. A ideia ficou explícita, importando ainda dizer que o caminho é longo e difícil, mas possível, com esforço e dedicação. Talvez um dia, em que as ideias desta lista estejam alcançadas, também partilhemos esse "segredo" que só pertence aos melhores países do mundo: a confiança.

Nota: fotografia tirada às 23h.

Tuesday, January 11, 2011

O segredo dos melhores países do mundo (4): reforma


Não foi só a Finlândia que, nos anos 90, reconheceu que, no meio de uma crise, não havia dinheiro para sustentar um estado social que estivesse em toda a parte. Na verdade, algo semelhante aconteceu na Suécia, como relata a sindicalista Ursula Berge:
"(...) há 15 anos a Suécia estava numa situação económica muito difícil. Tínhamos um grande défice, uma grande dívida internacional e 30 por cento do Orçamento do Estado ia para o sistema bancário porque os empréstimos eram enormes. O Governo social-democrata da altura chegou à conclusão de que isto não era sustentável." A receita foi a inevitável: corte nas despesas do Estado.
Mas essa não foi a única medida tomada pelo Governo para combater a crise: "a isso somou-se a reforma do sistema de pensões".

Acontece que este tema das pensões e das reformas é tabu em Portugal. Se alguém diz publicamente que não é sustentável este sistema em que os trabalhadores actuais pagam as reformas dos que estão actualmente reformados, é de imediato apelidado de neoliberal que quer destruir o Estado Social. Pois bem, os "neoliberais" suecos perceberam que não havia alternativa:
Em 93, o que foi dito foi que cada pessoa devia pagar pelo seu próprio sistema de pensões, que assim deixa de estar sujeito a flutuações económicas ou demográficas.
Este sistema, para além de garantir maior sustentabilidade, tem uma grande vantagem (que, evidentemente, para os trabalhadores da Europa Ocidental parece ser uma enorme desvantagem):
O novo sistema encoraja as pessoas a trabalhar mais anos — quanto mais tempo trabalharem, maior a reforma.
E, já que se fala de reformas, parece fazer sentido comentar os recentes protestos em França contra o aumento da idade da reforma. Em Portugal, quando se diz que é inevitável ajustar esta idade pelo facto de o número de reformados estar a aumentar graças ao aumento da esperança média de vida, surge mais uma vez o apelido de neoliberal que não tem respeito pelos trabalhadores. Esta sindicalista sueca, contudo, tem outra visão sobre a questão:
Ursula confessa que os protestos em França contra o aumento da idade da reforma são, para ela, “uma coisa estranha”, porque lhe parece óbvio que “se vivemos mais tempo, temos de trabalhar mais tempo”.
Serão estes suecos também uns neoliberais sem escrúpulos? Não me parece: estão é conscientes da realidade e do significado da expressão responsabilidade social.

Finalmente, termino mais uma vez com essa capacidade notável, que tanto nos falta, que é conseguir pensar a longo prazo:
Depois de uma fase de transição (as pessoas que têm hoje entre 40 e 50 anos são as mais prejudicadas porque pagam para os dois sistemas), o sistema de pensões adoptado pela Suécia deverá garantir estabilidade às futuras gerações. “Eu faço parte da geração que será prejudicada, admite Ursula, “mas os meus filhos vão beneficiar”.

Monday, January 10, 2011

O segredo dos melhores países do mundo (3): onde está o estado?

Os países nórdicos têm um estado social muito forte.
[Na Dinamarca] não pagamos hospitais, nem escolas, e quando estamos no liceu ou na universidade recebemos dinheiro para estudar. Ser estudante é quase como um emprego. O Governo dá-nos dinheiro para estudar, o suficiente para vivermos e pagarmos a renda.
No entanto, importa referir que esse estado social não foi adquirido a qualquer custo. Durante os anos 90, o Norte da Europa foi assolado por uma crise fortíssima. Em Portugal, ouvimos os Alegres e os Soares constantemente a dizer que o estado social tem que estar lá sempre para garantir tudo aos cidadãos. Responder à questão "há dinheiro?" parece ser um pormenor dispensável para estas pessoas.

Pelo contrário, para os políticos (e para as pessoas em geral) do norte europeu, por muito importante que o estado social seja (e é, como já vimos), há uma coisa mais importante: a realidade; quando não há dinheiro, nalguma coisa tem que se cortar. O que fez então a Finlândia para sair da crise dos anos 90?
Criar uma economia “baseada no conhecimento e na tecnologia” (...). Para isso, o Estado investiu em investigação (é o terceiro país do mundo que mais investe nesse sector, a seguir à Suécia e a Israel). E cortou onde? “Em praticamente todas as áreas à excepção da investigação e educação, que foram as únicas em que o investimento aumentou.
Em suma, há que saber assumir que o dinheiro não é infinito e que, no meio de uma crise, é necessário escolher áreas essenciais. Os políticos portugueses ainda não tiveram essa coragem.

Finalmente, repare-se na estratégia que é investir em educação no meio de uma crise. Como se sabe, os efeitos do investimento em educação são lentos, mas mais uma vez estes países souberam pensar a longo prazo, e não apenas para cada legislatura. Contudo, os efeitos estão aí: passados 15 anos, a Finlândia tem aparecido, ano a após ano, a liderar os rankings do PISA, tendo sido apenas recentemente ultrapassada pela Coreia do Sul.

Nota: esta foto é excepção ao que disse no primeiro post desta série sobre os países nórdicos, sendo a única que não foi tirada por mim, pois nunca estive na Finlândia.

Sunday, January 9, 2011

O segredo dos melhores países do mundo (2): confiança


Durante a sua viagem pelos países nórdicos, Alexandra Prado Coelho concluiu, pela quantidade de vezes que ouviu a palavra, que o um dos seus "segredos" é a confiança:
E não falta muito para que, na conversa, surja aquela palavra: confiança. Já a ouvimos muitas outras vezes nesta viagem pelos países nórdicos. (...) “O grande poder nesta sociedade é a confiança. Em relação ao Estado e em relação uns aos outros. Se se perde essa confiança, não se pode funcionar como sociedade. Todas as crises surgem quando essa confiança se quebra.”
Mas, de facto, essa não foi a única vez que a ouviu:
A palavra “confiança” tinha irrompido nesta viagem pela primeira vez na Dinamarca, numa edição especial da revista Monday Morning intitulada “O Segredo Dinamarquês: como é que a Dinamarca se tornou numa das nações mais competitivas do mundo”. “Qual é o segredo dinamarquês?”, escreve o editor Erik Rassmussen. “A resposta curta é ‘confiança’.” (...) “A confiança também explica por que é que os dinamarqueses aceitam a pesada carga fiscal que têm. É que vêem os impostos como um investimento a longo prazo numa sociedade sustentável e confiam que os políticos vão gastar de forma adequada o dinheiro desses impostos.”
Os exemplos sucedem-se na reportagem da Pública, mas ficaram bem resumidos nestas frases. Em suma, significam o seguinte: os nórdicos confiam no Estado e nos políticos. Em Portugal, essa confiança está desfeita em nada. E com razão: enquanto os países nórdicos estão entre os menos corruptos do mundo, em Portugal os escandalos de corrupção financeira sucedem-se uns aos outros, acabando sempre por nunca apontar culpados. Os portugueses fazem bem em não confiar no destino do dinheiro dos seus impostos. O problema é que, sem essa confiança, a sociedade não pode funcionar.

De qualquer forma, o facto da corrupção ser baixa só garante que o dinheiro não tem um destino mau e ilegal. É necessário garantir mais que isso: a boa gestão desse dinheiro. Será que ele serve para construir TGVs desnecessários e investimentos análogos? Vejamos o que aconteceu na Noruega.

Este país do Norte da Europa teve uma grande sorte que o diferencia dos países vizinhos: descobriu petróleo. De qualquer forma, a sorte não é condição suficiente para garantir uma boa gestão de dinheiro. Porém, de acordo com Steinar Holden, da Universidade de Oslo,
Há cerca de 15 anos decidimos pôr todo o dinheiro do petróleo num fundo, e usar apenas quatro por cento por ano — um número que corresponde ao rendimento que esperamos que o fundo tenha. Se gastarmos apenas esses 4 por cento, o fundo nunca diminuirá, e assim as gerações futuras beneficiarão do petróleo tanto quanto nós hoje.
É certo que, neste caso, não se trata de dinheiro de impostos, mas o objectivo é apenas exemplificar a forma como os nórdicos olham para a gestão do dinheiro: a pensar na poupança, no longo prazo e nas gerações futuras. Qualquer semelhança com Portugal é mesmo pura coincidência.

Saturday, January 8, 2011

O segredo dos melhores países do mundo (1): introdução


Este é o título de uma reportagem de Alexandra Prado Coelho sobre os países do Norte da Europa, publicada na revista Pública de dia 19 de Dezembro de 2010, e que pode ser lida aqui. O título não se baseia numa opinião pessoal da autora, mas nos rankings sobre qualidade de vida feitos por jornais e revistas prestigiados durante os últimos 10 ou 15 anos, que de forma recorrente colocam estes países entre os melhores do mundo.

Em Portugal olha-se para os nórdicos com um misto de admiração e ódio. A admiração que a maioria dos portugueses nutre por estes países baseia-se em falsas percepções, em particular a de que lá é o paraíso pois o estado tudo garante (o sonho da grande maioria dos portugueses). Como veremos, isso não é bem assim, apesar de os nórdicos terem de facto um estado social muito forte, mas que não se conquista a qualquer custo. Quanto ao ódio, esse tem evidentemente que ver com o clima: para um português, o clima é o factor preponderante para a qualidade de vida, sendo que tudo o que seja menos de 30º no Verão já é um mau clima.

Existe então a tentação de fazer comparações com Portugal que não fazem qualquer sentido. "Ah se os nórdicos fazem assim, nós também deviamos fazer", ouve-se de tempos a tempos. Estas declarações, no entanto, não têm em conta que não estamos ao mesmo nível deles. Até lá, há um caminho longo e duro a percorrer, se o quisermos e conseguirmos tomar.

Devido à qualidade da reportagem de que falei, e também graças ao meu fascínio por estes países, irei escrever uma série de textos em que destaco as ideias-chave focadas por Alexandra Prado Coelho, procurando divulgar o que fazem no Norte da Europa, para que se possa ver como é tão diferente do que acontece em Portugal. As fotografias que acompanham os textos foram todas tiradas por mim ou por amigos meus, na Suécia e na Noruega.

Friday, January 7, 2011

Ligações Cósmicas

Ler As Ligações Cósmicas, de Carl Sagan, deixa um ligeiro travo a desilusão. Por um lado, é um livro algo datado, em virtude de ter sido escrito em 1973, quando o conhecimento sobre espaço ainda estava muito atrás do actual: só nessa altura se começava a conhecer Vénus e as luas de Marte, não tendo ocorrido ainda esse verdadeiro big bang de conhecimento espacial que as viagens das Voyager forneceram.

De qualquer forma, não é isso que deixa o travo a desilusão, mas sim o facto do livro ser demasiado especulativo. Nas suas obras, Carl Sagan nunca tem medo de especular (em Cosmos afirma precisamente que "não teremos medo de especular, mas teremos o cuidado de diferenciar especulação de facto); o problema aqui é que a especulação é feita com demasiado pormenor, e como tal deixa a sensação de que o mais provável é o futuro da Humanidade no espaço não ter absolutamente nada que ver com o que lá está descrito.

Mesmo assim, algumas das interessantes ideias que Carl Sagan viria a desenvolver em livros posteriores já estão presentes em As Ligações Cósmicas. Uma dessas ideias sobre a importância da exploração especial está relacionada com o facto de, actualmente, já quase não haver nos países desenvolvidos na Terra quem sonhe com o que está mais além, pois tudo é conhecido. No futuro, no entanto, poderá haver um transporte para as estrelas em que os jovens sonham embarcar, fazendo regressar o sonho da descoberta, tão característico da nossa espécie.

Durante três gerações de seres humanos houve (...) um som que chamava a atenção, uma chamada que atravessava a noite, fazendo notar que havia uma maneira não muito difícil de deixar Twin Forks, Apalachicola, ou Brooklyn. Era o gemido do transporte de mercadorias da noite, tão pontual como um pregão. Era uma advertência constante de que havia veículos, engenhos, que nos podiam transportar a altas velocidades para fora do nosso pequeno mundo, para um universo mais vasto, de florestas e desertos, orlas costeiras e cidades.

Especialmente nos Estados Unidos, mas em quase todo o mundo, poucas pessoas viajam hoje de comboio. Há gerações completas a crescer que nunca ouviram essa chamada do apito. O momento é de homogeneização do mundo, em que as diferenças das sociedades estão a desaparecer, em que está a emergir uma civilização global. Já não há na Terra lugares exóticos com que sonhar.

E por este motivo mantém-se hoje uma maior e mais aguda necessidade de um veículo, um engenho que nos leve a outro local. Não a todos; só alguns - aos desertos da Lua, ao antigo litoral de Marte, às florestas do firmamento. Há algo de reconfortante na ideia de que um dia alguns representantes da nossa pequena aldeia terrestre poderão aventurar-se às grandes cidades galácticas.

Ainda não há comboios interstelares ou engenhos que nos transportem às estrelas. Mas um dia eles cá estarão. Nós tê-los-emos construído ou chamado.

E então haverá de novo o apito do transporte da noite. Não um apito como os antigos, porque o som não se propaga no espaço interstelar. Mas haverá algo, talvez o relâmpago do magnetobrehmstrahlung, quando o transporte para as estrelas atingir uma velocidade próxima da da luz. Haverá um sinal.

Numa noite límpida, olhando das cidades do tamanho de continentes e de vastas reservas de caça que poderão ser o futuro deste planeta, os jovens sonharão que quando crescerem, se tiverem sorte, partirão no transporte nocturno para as estrelas.

Monday, January 3, 2011

Gozar o dia


Um dos oradores do curso Human Spaceflight and Exploration que frequentei na Suécia durante o passado mês de Agosto era um alemão chamado Hansulrich Steimle, cuja profissão é seleccionar astronautas para a ESA e planear missões espaciais tripuladas. Numa palestra em que a respectiva oradora faltou, o Sr. Hansulrich substitui-a. Como não estava preparado para essa palestra adicional, esta decorreu num estilo mais improvisado e informal.

A certa altura, o Sr. Hansulrich explicava a importância de definir objectivos (saber exactamente o que é que definimos como sucesso e como fracasso) antes da missão e de planear os "what if?". Quando tudo corre como planeado, não há problema, mas, por exemplo, e se um dos astronautas adoecer?

Esta lição, explicou Hansulrich Steimle, não é apenas válida para missões espaciais, mas também para a própria vida. E, no estilo informar com que a palestra estava a decorrer, acrescentou: "imagine that you plan to go out with a girl; but what if she says no? Are you going to stay home crying?".

Na plateia todos riram, mas a verdade é que grande parte da juventude de hoje não consegue entender esta simples mensagem. O que é cool é "aproveitar o momento", "gozar o dia", "viver a vida" ou outros clichés repetidos até à exaustão. Esta juventude de que falo cita frequentemente o carpe diem sem fazer a mínima ideia do que ele é, e invertendo por completo a sua filosofia. Para estes jovens, o carpe diem é ir andar de mota a 200km/h para a auto-estrada, ou ir enfrascar-se todos os fins-de-semana, porque assim é que se está a "viver a vida". O problema é que esta definição de viver foi inventada por essas pessoas para quem a palavra responsabilidade não consta no dicionário.

Não por acaso, o famoso anúncio da Sumol - Mantém-te original -, dirigindo-se especificamente aos jovens, colou em cartazes frases como "um dia vais pedir para baixar o volume da música e deixar a tua guitarra a apanhar pó" (ouvir música baixa e não tocar guitarra não é cool), "vais-te tornar socialmente evoluído e economicamente consciente" e "entrar às 9 e sair às 6" (essa coisa de ter um trabalho e condições económicas para construir família também é muito pouco cool); enfim, "vais ser mais triste". *

Neste contexto, importa ler o que Inês Pedrosa escreveu na passada edição da revista Única:
O popular lema "goza o dia!" serve a cães, moscas e jacarés, que não sabem de onde vêm nem para onde vão. Para seres humanos, esperar-se-ia uma redomendação como: "lembra-te e faz-te lembrar". (...) Esquecemos que gozar o dia é também recordar a noite de onde ele veio e antecipar a noite para onde ele vai...
De facto, os animais sim estão sujeitos à condição de "viver a vida". Dominados pelos instintos naturais, não lhes resta mais do que decorrer cada dia, sem quaisquer responsabilidades, inconscientes do passado e do futuro, e sem relembrar as importantes lições do dia de ontem que ajudam a planear o de amanhã.

Contudo, nós seres humanos temos responsabilidades muito mais ambiciosas. Dotados de memória, de razão e de raciocínio lógico-dedutivo, sabemos colocar objectivos, planear o dia, o mês e o ano que temos pela frente, enquanto relembramos os que passaram, tentando discernir o que fazer para repetir experiências que gostámos de ter e para evitar aquelas que foram mais desagradáveis. Por essa razão, somos os únicos que se podem dar ao luxo de não se limitarem a viver a vida.

Em certa medida, podemos construí-la.

* Na verdade, há uma frase neste anúncio ainda mais inacreditável que qualquer uma destas, mas omiti-a porque não está directamente relacionada com o tema do texto: "um dia vais achar que a tua intimidade não é para todos"; contudo, essa característica tão comum da juventude actual, não saber separar o que é privado do que é público, daria matéria para outro texto...

Sunday, January 2, 2011

Presidenciais


O que vi dos debates presidenciais (não foi muito, confesso) pouco mudou a minha opinião sobre os candidatos, à excepção de um. Já se sabia que Cavaco Silva ia manter-se no mesmo estilo de sempre, que Francisco Lopes e Defensor Moura não causam qualquer mossa, e que Alegre é o que de mais demagógico há na política portuguesa, para além de se ter esquecido de olhar para o calendário e verificar que já não estamos em 1974.

No entanto, quanto a Fernando Nobre, se por um lado era evidente que ia insistir no argumento "já vi pobreza, por isso sou um bom candidato", por outro era completamente imprevisível que o fosse fazer de forma tão baixa e infeliz. Vê-lo virar-se para Francisco Lopes e dizer-lhe que não sabe o que é pobreza porque nunca viu uma criança a correr atrás de uma galinha para lhe tirar o pão que tem no bico só pode ser visto como uma tentativa de derrotar Alegre no campeonato da demagogia.

Para além do mais, todos os candidatos à excepção de Cavaco Silva caem num erro de discurso que foi muito bem explicado por Miguel Sousa Tavares há alguns dias, na SIC:
Todos eles, aparentemente, são contra o orçamento que foi aprovado; todos eles são contra a Europa ou queixam-se da Europa; todos eles são contra os mercados, que classificam com os piores nomes, de agiotas para cima, etc. Nenhum deles, a meu ver, consegue responder à simples pergunta de: para o ano Portugal vai precisar de 45 mil milhões de euros emprestados para refundir empréstimos; se nós não queremos os mercados, onde é que vamos buscar o dinheiro? Ou fechamos o país, e então não há dinheiro para pagar salários nem nada.
Com este pobre cenário, só há duas opções: votar em Cavaco, que embora pouco faça e seja mais do mesmo, ao menos vive na realidade; ou a abstenção. Uma questão para decidir brevemente.