Um dos oradores do curso Human Spaceflight and Exploration que frequentei na Suécia durante o passado mês de Agosto era um alemão chamado Hansulrich Steimle, cuja profissão é seleccionar astronautas para a ESA e planear missões espaciais tripuladas. Numa palestra em que a respectiva oradora faltou, o Sr. Hansulrich substitui-a. Como não estava preparado para essa palestra adicional, esta decorreu num estilo mais improvisado e informal.
A certa altura, o Sr. Hansulrich explicava a importância de definir objectivos (saber exactamente o que é que definimos como sucesso e como fracasso) antes da missão e de planear os "what if?". Quando tudo corre como planeado, não há problema, mas, por exemplo, e se um dos astronautas adoecer?
Esta lição, explicou Hansulrich Steimle, não é apenas válida para missões espaciais, mas também para a própria vida. E, no estilo informar com que a palestra estava a decorrer, acrescentou: "imagine that you plan to go out with a girl; but what if she says no? Are you going to stay home crying?".
Na plateia todos riram, mas a verdade é que grande parte da juventude de hoje não consegue entender esta simples mensagem. O que é cool é "aproveitar o momento", "gozar o dia", "viver a vida" ou outros clichés repetidos até à exaustão. Esta juventude de que falo cita frequentemente o carpe diem sem fazer a mínima ideia do que ele é, e invertendo por completo a sua filosofia. Para estes jovens, o carpe diem é ir andar de mota a 200km/h para a auto-estrada, ou ir enfrascar-se todos os fins-de-semana, porque assim é que se está a "viver a vida". O problema é que esta definição de viver foi inventada por essas pessoas para quem a palavra responsabilidade não consta no dicionário.
Não por acaso, o famoso anúncio da Sumol - Mantém-te original -, dirigindo-se especificamente aos jovens, colou em cartazes frases como "um dia vais pedir para baixar o volume da música e deixar a tua guitarra a apanhar pó" (ouvir música baixa e não tocar guitarra não é cool), "vais-te tornar socialmente evoluído e economicamente consciente" e "entrar às 9 e sair às 6" (essa coisa de ter um trabalho e condições económicas para construir família também é muito pouco cool); enfim, "vais ser mais triste". *
Neste contexto, importa ler o que Inês Pedrosa escreveu na passada edição da revista Única:
O popular lema "goza o dia!" serve a cães, moscas e jacarés, que não sabem de onde vêm nem para onde vão. Para seres humanos, esperar-se-ia uma redomendação como: "lembra-te e faz-te lembrar". (...) Esquecemos que gozar o dia é também recordar a noite de onde ele veio e antecipar a noite para onde ele vai...
De facto, os animais sim estão sujeitos à condição de "viver a vida". Dominados pelos instintos naturais, não lhes resta mais do que decorrer cada dia, sem quaisquer responsabilidades, inconscientes do passado e do futuro, e sem relembrar as importantes lições do dia de ontem que ajudam a planear o de amanhã.
Contudo, nós seres humanos temos responsabilidades muito mais ambiciosas. Dotados de memória, de razão e de raciocínio lógico-dedutivo, sabemos colocar objectivos, planear o dia, o mês e o ano que temos pela frente, enquanto relembramos os que passaram, tentando discernir o que fazer para repetir experiências que gostámos de ter e para evitar aquelas que foram mais desagradáveis. Por essa razão, somos os únicos que se podem dar ao luxo de não se limitarem a viver a vida.
Em certa medida, podemos construí-la.
* Na verdade, há uma frase neste anúncio ainda mais inacreditável que qualquer uma destas, mas omiti-a porque não está directamente relacionada com o tema do texto: "um dia vais achar que a tua intimidade não é para todos"; contudo, essa característica tão comum da juventude actual, não saber separar o que é privado do que é público, daria matéria para outro texto...