Ler As Ligações Cósmicas, de Carl Sagan, deixa um ligeiro travo a desilusão. Por um lado, é um livro algo datado, em virtude de ter sido escrito em 1973, quando o conhecimento sobre espaço ainda estava muito atrás do actual: só nessa altura se começava a conhecer Vénus e as luas de Marte, não tendo ocorrido ainda esse verdadeiro big bang de conhecimento espacial que as viagens das Voyager forneceram.
De qualquer forma, não é isso que deixa o travo a desilusão, mas sim o facto do livro ser demasiado especulativo. Nas suas obras, Carl Sagan nunca tem medo de especular (em Cosmos afirma precisamente que "não teremos medo de especular, mas teremos o cuidado de diferenciar especulação de facto); o problema aqui é que a especulação é feita com demasiado pormenor, e como tal deixa a sensação de que o mais provável é o futuro da Humanidade no espaço não ter absolutamente nada que ver com o que lá está descrito.
Mesmo assim, algumas das interessantes ideias que Carl Sagan viria a desenvolver em livros posteriores já estão presentes em As Ligações Cósmicas. Uma dessas ideias sobre a importância da exploração especial está relacionada com o facto de, actualmente, já quase não haver nos países desenvolvidos na Terra quem sonhe com o que está mais além, pois tudo é conhecido. No futuro, no entanto, poderá haver um transporte para as estrelas em que os jovens sonham embarcar, fazendo regressar o sonho da descoberta, tão característico da nossa espécie.
Durante três gerações de seres humanos houve (...) um som que chamava a atenção, uma chamada que atravessava a noite, fazendo notar que havia uma maneira não muito difícil de deixar Twin Forks, Apalachicola, ou Brooklyn. Era o gemido do transporte de mercadorias da noite, tão pontual como um pregão. Era uma advertência constante de que havia veículos, engenhos, que nos podiam transportar a altas velocidades para fora do nosso pequeno mundo, para um universo mais vasto, de florestas e desertos, orlas costeiras e cidades.Especialmente nos Estados Unidos, mas em quase todo o mundo, poucas pessoas viajam hoje de comboio. Há gerações completas a crescer que nunca ouviram essa chamada do apito. O momento é de homogeneização do mundo, em que as diferenças das sociedades estão a desaparecer, em que está a emergir uma civilização global. Já não há na Terra lugares exóticos com que sonhar.E por este motivo mantém-se hoje uma maior e mais aguda necessidade de um veículo, um engenho que nos leve a outro local. Não a todos; só alguns - aos desertos da Lua, ao antigo litoral de Marte, às florestas do firmamento. Há algo de reconfortante na ideia de que um dia alguns representantes da nossa pequena aldeia terrestre poderão aventurar-se às grandes cidades galácticas.Ainda não há comboios interstelares ou engenhos que nos transportem às estrelas. Mas um dia eles cá estarão. Nós tê-los-emos construído ou chamado.E então haverá de novo o apito do transporte da noite. Não um apito como os antigos, porque o som não se propaga no espaço interstelar. Mas haverá algo, talvez o relâmpago do magnetobrehmstrahlung, quando o transporte para as estrelas atingir uma velocidade próxima da da luz. Haverá um sinal.Numa noite límpida, olhando das cidades do tamanho de continentes e de vastas reservas de caça que poderão ser o futuro deste planeta, os jovens sonharão que quando crescerem, se tiverem sorte, partirão no transporte nocturno para as estrelas.