Sunday, September 26, 2010

'extraordinary claims require extraordinary evidence'

O penúltimo episódio da série Cosmos, um dos mais espantosos de toda a série, tem o título Encyclopedia Galactica, e dedica-se à procura de vida extra-terrestre. Carl Sagan, como se sabe, era um grande defensor da existência de vida extra-terrestre; considerava as probabilidades extraordinárias tendo em conta a vastidão do Universo. Começa assim o episódio:
In the vastness of the Cosmos, there must be other civilizations far older and more advanced than ours, so shouldn't we have been visited? Shouldn't there be, every now and then, alien ships in the skies of Earth? There's nothing impossible in this idea, and no one would be happier than me if we were being visited, but has it happened in fact? What counts is not what sounds plausible, not what we'd like to believe, not what one or two witnesses claim, but only what is supported by hard evidence, rigorously and skeptically examined.
E depois acrescenta aquela famosíssima frase, uma das mais citadas do cientista:
Extraordinary claims require extraordinary evidence.
As pessoas esquecem este princípio básico da busca pela verdade quando se deixam enganar, por exemplo, pelas mais variadas teorias de conspiração, sendo a maioria completamente idiotas, imbecis e sem sentido. Quanto mais estranhas forem as afirmações feitas, maior a prova que se deve pedir por elas.

Aqui estão três exemplos de afirmações sobre as quais, pessoalmente, peço "extraordinary evidence":
  • A viagem à Lua foi uma fraude. Isto implicaria milhões de pessoas envolvidas a guardar segredos durante décadas, implicaria que os Soviéticos tivessem sido suficientemente idiotas para não terem reparado na fraude de imediato (na verdade, eles seguiram a viagem da Apollo 11 à Lua, assim como todas as outras, pelo que eles sabiam que a viagem aconteceu e como tal reconheceram-no), implicaria que todos os cientistas do mundo são idiotas por não terem percebido as "falhas científicas" dos videos (ao contrário dos iluminados que apontam falhas aos videos, que nunca são cientistas, mas que descobrem lá contradições a todas as leis da física), implicaria que os espelhos colocados na Lua que ainda hoje permitem medir a distância a que esta se encontra da Terra com uma precisão inacreditável tenham lá ido parar por magia, etc. Como se pode calcular, provas para mostrar que tudo isto é falso têm que ser absolutamente extraordinárias.
  • Os atentados de 11 de Setembro foram planeados pelos Americanos. Milhares de pessoas teriam que estar envolvidas nestes planos sem sentido. Não basta mostrar umas fotos do Pentágono sem um avião partido lá em cima (quando, com um pouco de pesquisa, a questão do Pentágono está muito bem explicada) ou umas quantas pessoas anónimas a dizer que as Torres Gémeas não deveriam ter caído com aquele impacto (como é que sabem? Que calculos fizeram?) para se provar a fraude do século. Seriam precisos estudos científicos muito aprofundados e justificações muito detalhadas e comprovadas sobre tudo o que se passou. Seriam necessárias, portanto, provas extraordinárias.
  • Energia flui pelo corpo e, quando se espetam agulhas em pontos especiais, curam-se doenças. Quais são os aparelhos que detectam essa energia? Que tipo de energia é e de que forma flui? Porque é que quando se espeta uma agulha no ponto x ajuda a curar um problema no ponto y (não vale responder que uma energia que não existe se está a redistribuir pelo corpo)? Para se acreditar em medicina deste tipo é necessário que estas respostas sejam respondidas com estudos científicos muito bem feitos. Afinal de contas, também é o que pedimos a um medicamento normal, que no seu processo de fabrico e distribuição está sujeito a esses estudos.

Saturday, September 25, 2010

Pulseiras do Equilíbrio (III)

O SkepticBlog é um excelente blog em que participam grandes nomes que dedicam parte da sua vida a promover o cepticismo e o pensamento crítico face ao mundo, de forma a ajudar as pessoas a distinguir a verdade de tretas que lhes tentam impor, sejam essas tretas materiais (pulseiras do equilíbrio) ou intelectuais (teorias da conspiração).

Apesar do tema das pulseiras do equilíbrio já estar mais que esclarecido (neste momento, só se continua a enganar quem quer), não resisto a referir este post de Brian Dunning no referido blog, por duas razões. Primeiro, porque diz algumas piadas de qualidade em resposta às tangas pseudocientíficas que vêm no site oficial das pulseiras do equilíbrio. Segundo, porque refere alguns videos interessantes sobre estas pulseiras das energias quânticas.

Os vendedores das pulseiras fazem tipicamente um truque (tão velho que já tem barbas) para mostrar aos clientes como as pulseiras de facto funcionam. Esses truques são conhecidos pelo nome de Applied Kinesiology, e estão muito bem explicados no video abaixo, onde se mostra também a facilidade com que se inventam explicações científicas para produtos inuteis.



Contudo, para quem ainda quer acreditar, pode ver o seguinte video, que mostra um vendedor de pulseiras do equilíbrio a falhar um double blind test. O teste consiste no seguinte: num grupo de pessoas que vão ser testadas, só uma possui escondido o holograma quântico das pulseiras; cabe ao vendedor descobrir quem fazendo os testes do costume, sendo que nem o vendedor nem as pessoas testadas sabem quem possui o mágico holograma.



Um double blind test é uma espécie de algodão: não engana. Estes testes retiram ao máximo a parte subjectiva a que um ser humano está sempre sujeito, o que torna a experência muito mais objectiva e fiável. São muito utilizados, por exemplo, em medicina, para testar o efeito placebo de certos medicamentos (nem os médicos nem os pacientes sabem quem tomou o verdadeiro medicamento). Desta forma, pode-se saber o seu efeito real, pois quando o algodão da ciência passa com cepticismo e pensamento crítico, a verdade torna-se clara.

Friday, September 24, 2010

Falsos argumentos (II)


Por falar em falsos argumentos, lembrei-me do mais comum argumento que é utilizado a favor do Acordo Ortográfico: "dantes também se escrevia farmácia com ph". (Curiosamente, é sempre a farmácia que vem à baila quando se usa este argumento, e nunca qualquer outra palavra cuja ortografia tenha entretanto mudado, talvez porque a moda tenha pegado depois de alguém se ter lembrado de usar esta palavra em particular.)

Contudo, a única coisa que esse argumento evidencia é que no passado existiram mudanças, ou, quanto muito, que é possível mudar. O que é que esse argumento nos diz sobre a utilidade, interesse ou objectivo de futuras mudanças? Absolutamente nada. E, desta forma, a discussão fica na mesma no que diz respeito às alterações do Acordo Ortográfico.

A este propósito, lembrei-me deste texto do filósofo Desidério Murcho, do qual destaco a seguinte passagem:

Uma ideia muito comum a favor da legislação ortográfica (...) é a seguinte: se não se fizesse leis sobre a ortografia, cada qual iria escrever à sua maneira e seria uma anarquia ortográfica. Isto é falso. Em muitos países onde não só não há qualquer anarquia ortográfica como se escreve mais e melhor, não há leis ortográficas: é o caso do Reino Unido. Por outro lado, mesmo em Portugal e no Brasil não há leis sobre a gramática, nem sobre o léxico; há apenas gramáticas e dicionários. No entanto, não há qualquer anarquia gramatical nem lexical.

A legislação sobre a ortografia só foi necessária quando algumas pessoas se outorgaram o direito de mudar a maneira como as outras escrevem. Mas como não poderiam fazer isso sem a força do estado, usaram o poder legislativo para conseguir os seus fins, usando mentiras políticas diversas (no tempo da república era combater o analfabetismo, hoje é a ilusão de que vamos conquistar o mundo).

Thursday, September 23, 2010

Falsos argumentos


Sempre que vejo alguém a defender as praxes, mesmo que seja em programas estilo Opinião Pública em que levam lá um convidado estudante, a argumentação resvala sempre para falsos argumentos que nada esclarecem sobre se as praxes são positivas ou negativas. Vejamos os seguintes exemplos.

1. As praxes são boas porque permitem conhecer pessoas

Isto é verdade. Contudo, o que é que diz sobre se vale a pena lá ir? Nada. Certamente que quem vai para a prisão, a não ser que passe todo o tempo na solitária, tem uma oportunidade espectacular para conhecer pessoas. E o que é que isto diz sobre a qualidade do tempo que lá se vai passar? Nada. No entanto, é o argumento mais utilizado para convencer os alunos acabados de entrar no Ensino Superior e que até estão a pensar ir às aulas (que loucura!!) a não o fazerem.

2. As praxes são boas porque não se faz nada de mal

Admitindo que este argumento é verdadeiro, o que em alguns casos não é, não posso deixar de ficar espantado por se defender algo dizendo-se que "não faz mal". Eu, pelo menos, não costumo ficar muito confiante com propagandas de produtos que "não fazem mal". Prefiro escolher aqueles que "fazem bem".

3. As praxes são boas porque são tradição académica

Este argumento vem bem a propósito, depois de num dos posts anteriores ter colocado aqui um video de Richard Feynman em que este se refere à estupidez com que, sem pensar, as pessoas se submetem a símbolos, títulos, uniformes e à autoridade. Se uma data de gente vestida de preto a dar ordens a pessoal pintado, que obedecem cegamente, não se inclui neste conceito, não sei o que se incluirá.

Claro que há muitas pessoas que adoram genuinamente ser praxadas, e esses estão no direito de o ser. Os verdadeiros problemas são os seguintes: primeiro, há Universidades em que as praxes são levadas tão a sério que é impossível a integração dos alunos que não gostam delas, e que acabam a pedir transferência; segundo, aqueles casos que, apesar de não gostarem, tentam aguentar porque percebem que é a única forma de alguma vez serem aceites.

Para terminar, uma piada fácil. Quando a Universidade de Coimbra fez 700 anos, perguntaram ao organizador das praxes de determinado curso o que é que tinha a dizer sobre esse aniversário. Ele respondeu: "700 anos?! Epá, isso dava para tirar uns 2 ou 3 cursos!" Deixo a cada leitor a reflexão sobre se esta, ao contrário desta, terá (ou não) a sua dose de verdade.

Novo mail

O meu antigo mail, mgalrinho@hotmail.com, teve alguns problemas. Comecei por perder todos os contactos e, mais tarde, o acesso total ao mail. Peço a todos os que me queiram contactar que o façam através do novo endereço miguelrgalrinho@gmail.com. É possível que alguns mails tenham ficado por responder e que eu tenha ficado sem muitos contactos.

Wednesday, September 22, 2010

melhor candidato ao ensino superior não terminou o secundário


O Expresso fez um artigo esta semana (também já tem um resumo online) que é verdadeiramente impressionante, embora, de certa forma, expectável. O melhor aluno de todos os candidatos ao Ensino Superior este ano nem sequer terminou o Ensino Secundário. Utilizando as Novas Oportunidades, conseguiu entrar no curso que queria com uma nota de candidatura de 20 valores.

Como não conseguia passar a Matemática, entrou nas Novas Oportunidades onde frequentou dois módulos, Saberes Fundamentais (?!) e Gestão, que lhe deram equivalência ao 12º ano. Ainda tentou entrar num curso de Biologia, mas como obteve uma nota de 7.4 valores no exame de Biologia e Geologia, acabou por entrar agora em Tradução, depois de ter obtido 20 valores no exame de Inglês.

Já se tinha alertado que injustiças como esta viriam naturalmente a acontecer com as regras das Novas Oportunidades. No entanto, saber que algo vai acontecer e vê-lo a acontecer são coisas diferentes, e por isso é que esta notícia, apesar de não ser surpreendente, não deixa de ser chocante.

Como se pode ler no artigo, os responsáveis ou tentaram descartar-se das suas responsabilidades ou falaram de discriminação positiva, algo que obviamente não faz sentido. Depois do caso da lei das quotas no Parlamento (felizmente essa, ao contrário das Novas Oportunidades, só serve para estar no papel e não tem quaisquer consequências práticas), parece que o argumento da discriminação positiva serve para justificar todas as injustiças quando se é responsável por elas.

No meio de tudo isto, só o próprio aluno teve palavras sensatas a dizer:
Para mim, foi ó[p]timo. Mas é claro que é bastante injusto porque os outros passam anos a esforçar-se para terem boas médias. Com o Novas Oportunidades, uma pessoa que só tem o 7.º ano pode fazer o 9.º em seis meses e a seguir, em ano e meio, consegue tirar o 12.º. Se tiver sorte, pode passar à frente e tirar o lugar às pessoas que fizeram esse esforço. Conheço quem tenha entrado assim no ensino superior.

Tuesday, September 21, 2010

The Pleasure of Finding Things Out

Num comentário no YouTube, pode-se ler que Richard Feynman "is the genius and the ordinary man in one person". Identifiquei-me com esta opinião porque, de facto, se por um lado Feynman é um dos maiores génios da física, por outro nunca se cansa de abordar, em livros, entrevistas e palestras, os temas mais mundanos, sobre os quais qualquer ser humano se questiona.

Há vários exemplos disso, desde o famoso livro Surely You're Joking, Mr. Feynman! ao Meaning of It All. Neste caso, assisti a uma entrevista intitulada The Pleasure of Finding Things Out, cujo primeiro video está no final deste post (tem um total de cinco).

Aqui, Feynman aborda diversos temas, desde a electrodinâmica quântica, a que chamou "the jewel of all physics", a temas muito menos científicos e próximos da pessoa comum, que aprendeu (a maioria deles) com o seu pai: por exemplo, a importância do desrespeito (não seguir sempre a autoridade) e o desprezo pelas honras, títulos e uniformes (que não fazem as pessoas diferentes).


Friday, September 17, 2010

Incongruências no GAVE


As funções exponenciais são pela primeira vez introduzidas em Matemática no 12º ano. Nos exames da disciplina, é então frequente fazerem-se questões sobre estas funções num contexto realista, o que é muito fácil, visto que as exponenciais descrevem variados fenómenos da Natureza. Por isso, há muitos problemas sobre populações de coelhos, que crescem exponencialmente. Por outro lado, temos também problemas sobre a concentração de medicamentos no sangue, que decresce de forma exponencial.

Mas estes são apenas dois exemplos entre muitos outros que o GAVE tipicamente utiliza nos exames. Um outro exemplo, surpreendentemente, está relacionado com a actividade de uma substância radioactiva, que decresce de forma exponencial. Diz assim o seguinte exercício de exame:
A actividade R, de qualquer substância radioactiva, é dada, numa certa unidade de medida, pela expressão
R(t)=Ae^(-Bt)
em que A e B são constantes reais positivas e t é o tempo em horas.
A taxa com que a actividade decresce é dada, portanto, por R', a derivada de R. Tratando-se R de uma função exponencial, a sua derivada é ainda uma exponencial, pelo que certamente esta taxa não é constante.

Como se vê, este conhecimento de que a actividade de uma substância radioactiva é descrito por uma exponencial é tão básico em ciências que até é apresentado na disciplina de matemática em problemas deste tipo. Isto torna ainda mais grave o facto do GAVE não ter admitido que errou no exame de Biologia e Geologia, ao considerar que a taxa de decaimento radioactivo seria constante.

Um elemento anónimo do GAVE terá dito, quando uma professora demonstrou o erro citando um livro de referência, que esse livro não se encontrava no âmbito da disciplina, de onde se pode inferir que, para esta pessoa, o conhecimento científico não depende de factos, mas do contexto em que é ensinado. Mas, pelos vistos, até dentro do GAVE este contexto vai variando: em Matemática, a taxa de decaimento da actividade de uma substância radioactiva não é constante; em Biologia e Geologia é.

A ciência nunca esteve tão separada como dentro do GAVE.

Thursday, September 16, 2010

Piadas Matemáticas

No livro O Fim do Mundo Está Próximo?, Jorge Buescu dedica um capítulo àquele que é, em sua opinião, o maior matemático de todos os tempos: Leonhard Euler, que escreveu a famosa equação
considerada uma das belas equações que a matemática alguma vez produziu. Há muitas citações sobre ela: Richard Feynman disse que era "one of the most remarkable, almost astounding, formulas in all of mathematics"; Benjamin Price escreveu "It is absolutely paradoxical; we cannot understand it, and we don't know what it means. But we have proved it, and therefore we know it must be the truth".

No já referido livro, Jorge Buescu explica que
a beleza desta equação provém da sua capacidade de unificação espantosa, quase sobrenatural. O número e (que tem esse nome justamente por e ser a inicial de Euler) provém da análise matemática, de um certo limite notável. A unidade imaginária tem origem na álgebra, como solução da equação polinomial x^2+1=0. O número pi tem origem na geometria: é a razão entre o perímetro e o diâmetro de uma qualquer circunferência. E o número 1 é a unidade da aritmética. Análise, álgebra, geometria, aritmética: tudo coisas diferentes. Completamente? Pelo contrário: a equação [de Euler] mostra que, por baixo das diferenças superficiais, existem relações profundas que fazem com que toda a matemática seja uma só ciência.
Depois acrescenta o seguinte, que para quem percebe este sentido unificador da equação mostra que os matemáticos até têm sentido de humor, mesmo quando o assunto é o seu próprio trabalho:
Uma piada fácil (mas falsa...) sobre a equação: no membro esquerdo está toda a matemática, no membro direito o seu verdadeiro valor...

Wednesday, September 15, 2010

Mensagem de Isabel Alçada



A Ministra da Educação decidiu abrir o ano lectivo com este video: uma mensagem para as escolas, dirigida especificamente aos alunos. Aqui, Isabel Alçada, num tom paternalista que de tão ridículo se torna cómico (parece que está num sketch do Gato Fedorento a fazer uma paródia sobre a educação), debita uma série de banalidades sobre como é importante estudar, mas também brincar e conversar com os amigos.

Este tipo de acções, embora inconsequente do ponto de vista prático, só serve mesmo para se ter uma consciência ainda maior de quão fundo está o estado da educação em Portugal e de quão incompetentes são os seus responsáveis. E todos percebem isso: veja-se, aqui em baixo, o video que a SIC dedicou ao assunto, ridicularizando-o por completo.

Tuesday, September 14, 2010

Leitura Indispensável: "OS ERROS NOS EXAMES", por Carlos Fiolhais


Em Julho do ano passado, escrevi um texto sobre a forma como o GAVE estava a lidar com os erros que iam sendo detectados nos exames e com as críticas que saíam na comunicação social. Os casos foram estranhos e preocupantes: respostas directas a jornais em que o autor expressava a sua opinião pessoal quanto ao facilitismo dos exames num editorial; apressarem-se a colocar o título chamativo "A Sociedade Portuguesa de Química Errou" (sobre um parecer que deu), mas ao mesmo tempo corrigirem um erro sem fazerem qualquer comentário, colocando apenas horas depois um esclarecimento em que aproveitam para se auto-elogiar.

Como sempre, este ano voltaram a haver erros. Mas, mais grave que aparecerem erros em exames que têm um ano para serem preparados, é o GAVE não saber lidar com eles. A leitura deste texto de Carlos Fiolhais é indispensável, pois a história que relata é simplesmente chocante. Uma professora de Biologia e Geologia denunciou um erro num exame, a propósito de uma pergunta de escolha múltipla cuja resposta estava claramente errada, recebendo respostas do GAVE que revelam a falta de conhecimento dos seus responsáveis, e que ignoraram o facto da professora estar correcta. Como termina Fiolhais, Pasmem-se:

os alunos que dominavam a matéria e responderam correctamente tiveram uma resposta considerada errada e, se calhar, não puderam entrar no curso que queriam. E os outros, que sabiam pouco (tão pouco como o GAVE) foram premiados com uns pontos e, quiçá, aí estão colocados. Assim vai o ensino em Portugal...

Monday, September 13, 2010

Analfabetização no final do ensino básico?


Na revista Única desta semana há um artigo sobre pessoas analfabetas em Portugal (cerca de 10% da população), focando-se essencialmente no caso dos jovens. Alguns tinham deixado de ir à escola; outros, mesmo indo, continuavam sem saber ler nem escrever.

Um dos exemplos é o de Manuel (nome fictício), um rapaz por volta dos 14 anos que não sabe ler nem escrever. Conta que aprendeu alguns números, mas apenas os mais fáceis. No entanto, encontra-se no 7º ano de escolaridade. Como? "Não sei, vão-me passando", é a resposta que dá.

Uma professora que o acompanha explica que Manuel está a seguir um currículo de ensino especial, mas que, quando for para o 8º ano, irá ingressar numa turma do ensino normal, para que não se sinta excluído. Contudo, Manuel não quer aprender: diz que não gosta da escola nem de estar numa sala de aula.

Evidentemente, casos como os de Manuel são raros: quase ninguém se encontra praticamente a terminar o ensino básico sem saber ler nem escrever. No entanto, deixa-nos a pensar: se é possível lá chegar nestas condições, quantos lá chegarão que, embora saibam ler, não sabem escrever sem erros, nem ter uma noção clara de número, nem pensar de forma crítica e científica, nem conhecem o contexto do mundo que os rodeia?

Friday, September 10, 2010

Energia Nuclear


Por alguma razão estranha, o tema da energia nuclear é tabu em Portugal. Repare-se que não se trata de recear o nuclear, mas sim o próprio debate! Sempre que surge, é rapidamente descartado como algo obscuro e mau, apesar de quase todos os países desenvolvidos utilizarem este tipo de energia. Eu não sei se ela seria útil para Portugal, mas sei uma coisa: debatê-la seria.

A propósito deste tema, a crónica do professor Carlos Fiolhais para a última edição do Sol resume o que há a dizer. Pode ser lida aqui, no De Rerum Natura.

Thursday, September 9, 2010

Pulseiras do Equilíbrio (II)


De acordo com o site oficial das pulseiras do equilíbrio, "toda a nossa existência depende de uma perfeita transmissão e equilíbrio das cargas eléctricas positivas e negativas, chamadas iões". Para além disso, "uma saúde óptima e performance de pico ocorrem quando o corpo mantém o equilíbrio iónico (a troca entre cargas negativas e positivas) e vias de fluxo de energia livres (harmonia) na frequência ideal".

Ignorando a parte do fluxo de energia livre, que não sei o que significa (nem eu nem ninguém no planeta), e o facto de cargas positivas e negativas não se chamarem iões, vejamos o que aconteceria caso o nosso corpo não estivesse em equilíbrio de cargas positivas e negativas. Richard Feynman, um dos maiores físicos do século XX, começa da seguinte forma o capítulo sobre electromagnetismo nas suas famosas Lectures on Physics:

Consider a force like gravitation which varies predominantly inversely as the square of the distance, but which is about a billion-billion-billion-billion times stronger. And with another difference. There are two kinds of "matter", which we call positive and negative. Like kinds repel and unlike kinds attract - unlike gravity where there is only attraction. What would happen?

A bunch of positives would repel with an enormous force and spread out in all directions. A bunch of negatives would do the same. But an evenly mixed bunch of positives and negatives would do something completely different. The opposite pieces would be pulled together by the enormous attractions. The net result would be that the terrific forces would balance themselves out almost perfectly, by forming tight, fine mixtures of the positive and negative, and between two separate bunches of such mixtures there would be practically no attraction or repulsion at all.

There is such a force: the electrical force. And all matter is a mixture of positive protons and negative electrons which are attracting and repelling with this great force. So perfect is the balance however, that when you stand near someone else you don't feel any force at all. If there were even a little bit of unbalance you would know it. If you were standing at arm's length from someone and each of you had one percent more electrons than protons, the repelling force would be incredible. How great? Enough to lift the Empire State building? No! To lift Mount Everest? No! The repulsion would be enough to lift a "weight" equal to that of the entire earth!

Como se vê, estamos perfeitamente bem no que diz respeito a equilíbrio de cargas, mesmo sem pulseiras do equilíbrio para nos auxiliar. Até agora, ainda não vi ninguém produzir uma força capaz de "levantar a Terra".

Wednesday, September 8, 2010

Mitos sobre suicídio


O ser humano tem o estranho impulso de tirar conclusões precipitadas sobre como os outros se sentem e reagem, com base nas suas próprias preferências. O maior exemplo disso é a questão dos suicídios no Norte da Europa, esse mito que, por muito que seja desmentido por factos concretos disponibilizados pela Organização Mundial de Saúde, não parece ter fim à vista.

Devido ao facto da maioria das pessoas gostar de luz solar intensa e de calor, mesmo com temperaturas tão exageradamente elevadas como as que se têm sentido este Verão em Portugal, tem-se a tendência de assumir que as taxas de suicídio são elevadíssimas nos países do Norte da Europa, como a Noruega, a Suécia ou a Finlândia, onde o Sol, por muito tempo que esteja no céu durante o Verão, nunca brilha com a intensidade que vemos aqui em Portugal.

No entanto, como sempre, a verdade é mais complexa do que aquilo que se assume em juízos apressados. No site Psychology Today pode-se ler um artigo intitulado Sunshine and Suicide - Debunking some myths about suicide, onde não só este mito é desmontado como é ainda possível ler outras conclusões interessantes. Resumo da seguinte forma as que considero mais importantes:

  • Os suicídios são mais elevados em Junho no Hemisfério Norte e em Dezembro no Hemisfério Sul, precisamente quando o número de horas de Sol é maior;
  • Existe, portanto, uma forte ligação entre o número de horas de Sol e a taxa de suicídios, mas no sentido contrário àquele que se espera;
  • O que leva ao suicídio são depressões muito fortes, que nada têm que ver com o tempo;
  • Uma teoria explica esta relação da seguinte forma: as pessoas que sofrem de depressões fortes, ao estarem num ambiente com muita luz solar, recebem essa energia como uma motivação extra não para melhorarem, mas para elaborarem um plano de suicídio.
É, portanto, mentira que as taxas de suicídio sejam mais elevadas nos países do Norte da Europa. Na verdade, este pico ocorre na Europa de Leste, por razões que desconheço. Certamente que se pode especular sobre quais serão elas com base na nossa intuição. Infelizmente, a nossa capacidade intuitiva nestes casos é muito fraca. Como escreveu Arthur C. Clarke, "a verdade, como sempre, será muito mais estranha".

Tuesday, September 7, 2010

Pulseiras do Equilíbrio


Sempre achei muito divertido ver televendas. Quase todos os produtos são desenvolvidos por cientistas da NASA, e todos são comprovados por estudos anónimos dos quais não se consegue ler uma palavra sequer. Tudo isto dava-me vontade de rir, pois é tão ridículo que nunca me passou pela cabeça que qualquer pessoa com o mínimo de estudos pudesse acreditar em algo do que estava a ver.

Hoje, com as reacções que se têm visto às "pulseiras do equilíbrio", percebo que estava enganado. Se estas pulseiras têm tantos fãs, quantas pessoas acreditarão nos mais bizarros produtos das televendas? É que, em comparação com as pulseiras do equilíbrio, estes produtos são ciência pura. Estou, evidentemente, a exagerar, mas com um fundo de verdade: nunca nas televendas pude ver ou ouvir a quantidade de balelas pseudo-científicas mascaradas de ciência da forma rasca e insultuosa que li no site oficial das pulseiras do equilíbrio.

Expressões como "frequências embutidas em hologramas quânticos", "campo electromagnético do corpo humano", "tecnologia única que se liga ao campo energético criando um circuito que o optimiza e aumenta a distribuição de energia ao máximo", "frequências que ocorrem de modo natural dentro do corpo", "equilíbrio de cargas eléctricas positivas e negativas", ou "vias de fluxo de energias livres na frequência ideal" não fazem o mínimo sentido. Não têm significado. Se lá estivesse escrito "dgjnasuojsd ioasjafv qwoieurfaf asfnaju" ficaria a saber o mesmo: nada.

Tal como não basta escolher palavras ao acaso do dicionário para se fazer literatura, também não é suficiente juntar-se palavras tipicamente científicas para se fazer ciência. A ciência faz-se com um trabalho árduo de investigação, de experiência e de teoria, analisado por centenas ou milhares de cientistas de todo o mundo, de forma a que todo e qualquer erro desapareça. Não é suficiente juntar palavras ao acaso, referenciar a NASA como entidade e uns quantos estudos anónimos que ninguém viu para que um produto tenha credibilidade.

Claro que cada pessoa tem a liberdade de acreditar no que quiser. No entanto, importa referir que nunca a liberdade de pensamento fez com que uma mentira passasse a ser verdade. Da mesma forma, cada um tem também a liberdade de ser enganado, e de preferir à ciência o mito, a superstição e as aldrabices sem escrúpulos. Já a liberdade para se fazer publicidade mentirosa é mais questionável, pois aproveita-se da falta de conhecimento científico das pessoas.

Friday, September 3, 2010

Carlos Fiolhais no 5 Para a Meia-Noite


Carlos Fiolhais, um dos grandes divulgadores de ciência em Portugal, esteve no dia 31 de Agosto no programa 5 Para a Meia-Noite, onde foi entrevistado por Fernando Alvim. Com a sua habitual boa disposição, falou de ciência, do tamanho do Universo, de experiências pessoais da sua vida, e da mais recente moda que anda a enganar milhares de pessoas - as pulseiras do equilíbrio.

O programa pode ser visto integralmente aqui.

Thursday, September 2, 2010

Dia e Noite

O ser humano não reage bem em condições naturais que fujam ao que está habituado no seu quotidiano. Uma das mais importantes é a existência de dia e de noite.

Contudo, tanto na Terra como fora dela, há pessoas que actualmente vivem sem este equilíbrio de dia e noite. Nas zonas da Terra acima do Círculo Polar Ártico e abaixo do Círculo Polar Antártico, é possível ver no Verão o chamado "sol da meia-noite", época em que a noite nunca cai; e, no pico do Inverno, este nunca aparece no céu.

Abaixo do Círculo Polar Antártico a Terra não é habitada, mas equipas de investigação fazem lá diversas pesquisas, sujeitando-se às condições mais extremas do planeta, incluindo a ausência de dia ou de noite. Acima do Círculo Polar Ártico, contudo, existem diversas cidades, por exemplo no Canadá, no Alaska, na Gronelância e no Norte da Europa. Pela experiência que tive em Kiruna, na Suécia, as pessoas vivem habituadas a isso; no entanto, para alguém de fora a sensação é inicialmente estranha.

Porém, os astronautas que habitam as estações espaciais que orbitam o planeta Terra têm uma sensação ainda mais estranha. Por exemplo, os astronautas no ISS vêem o sol a nascer 16 vezes, e a por-se outras tantas, contrariando também totalmente a normal experiência de dia e noite.

Quem está neste momento a sentir uma experiência estranha no que diz respeito ao dia e à noite são os mineiros presos numa mina no Chile. Por isso, para evitar que essa situação agrave ainda mais o estado psicológico dos mineiros, a NASA vai simular, através de luzes artificiais, o dia e a noite no interior da mina. A notícia pode ser lida aqui.

Na foto, a trajectória que o Sol faz no norte da Noruega, perto da meia noite no início do Julho.