Friday, February 18, 2011

Exigência e Homeopatia


Há dois textos recentes do De Rerum Natura, escritos por Carlos Fiolhais, que devem ser lidos e que merecem reflexão.

Um deles intitula-se Teste de Física?! e vem a propósito de um teste intermédio de física de 11º ano em que se faz a seguinte questão:
GRUPO I

Durante algum tempo o magnetismo e a electricidade ignoraram-se mutuamente. Foi só no início do século XIX que um dinamarquês, Hans Christian Oersted, reparou que uma agulha magnética sofria um desvio quando colocada perto de um circuito eléctrico, à semelhança do que acontecia quando estava perto de um íman. Existia pois uma relação entre electricidade e magnetismo.

C. Fiolhais, Física Divertida, Gradiva, 1991 (adaptado)

1. Transcreva a parte do texto que refere o que Oersted observou.
Esta pergunta é inacreditável para um teste de física, seja de que ano for. Seria compreensível, talvez, num teste de português da escola primária. Não se pede aos alunos que saibam seja o que for sobre física: não é preciso saber quem foi Oersted, o que é o magnetismo ou a electricidade, ou a relação entre eles. Apenas se pede que se saiba ler e copiar.

Neste caso, atingiu-se um novo mínimo na exigência de algumas perguntas de testes/exames elaborados pelo GAVE. Este mínimo é o grau zero da exigência. A partir do momento em que, numa pergunta, não se exige que se saiba seja o que for sobre física, não se pode descer mais. Portanto, vendo as coisas pelo lado positivo, a partir daqui a exigência só pode subir.


O outro texto foi publicado hoje e intitula-se A Fraude da Homeopatia, e é dedicado à capa e a um artigo da revista Visão desta semana, que questiona Homeopatia: Cura ou Fraude?, e em seguida faz uma análise neutra da questão, dando igual espaço aos dois lados para defenderem as suas opiniões sem tirar qualquer conclusão.

Este tipo de situação é bastante comum. Ainda há relativamente pouco tempo, a revista Única teve um número dedicado à Lua, que para além de entrevistar astrónomos e astrofísicos, também entrevistava astrólogos, esses grandes conhecedores da Lua...

O problema deste tipo de análise pela comunicação social é que não se pode discutir a homeopatia ou a astrologia como se se discutisse o aborto ou a eutanásia; isto é, como se se pudesse chegar a uma conclusão sobre a resposta à questão "homeopatia: cura ou fraude?" através das convicções pessoais de individuos ou, já agora, por referendo.

Os princípios físicos e químicos mais básicos em que assenta a homeopatia não fazem nenhum sentido, portanto ou o nosso conhecimento sobre esses princípios está errado ou a homeopatia não funciona. Se olharmos para o mundo à nossa volta vemos os espantosos resultados que a física e a química têm produzido, e por isso sabemos que esses resultados seriam impossíveis caso estes cientistas não entendessem os princípios mais básicos das ciências em que trabalham. Por isso não, a homeopatia não funciona. Não há nenhuma controvérsia aqui; há simplesmente uma afirmação.

"Mas não é suposto a ciência fazer-se da dúvida, e não da certeza?", respondem os habituais críticos. Sim, é verdade; contudo, isso não quer dizer que tudo o que existe é dúvida e incerteza, pois, caso assim fosse, a ciência deixaria de fazer sentido. A ciência tem como objectivo a compreensão do mundo e, nessa medida, pretende chegar a conclusões que tenham relação com a realidade ("a realidade existe", como disse Carlos Fiolhais recentemente no Câmara Clara, e ao contrário do que muitos querem fazer crer).

A contrução desse conhecimento faz-se através de dúvidas, de controvérsia e de questões; contudo, à medida que essas dúvidas vão sendo estudadas e analisadas à luz da realidade, chega-se à conclusão de que algumas estão de acordo com ela e outras não. Como tal, sobre alguns campos da ciência existem apenas teorias, sendo que algumas não encaixam entre si (o que é a gravidade?; como se unificam as quatro forças fundamentais da Natureza?); no entanto, com o conhecimento costruido ao longo de séculos também se chegou a muitas certezas, como o facto da Terra orbitar o Sol, e não o contrário. Ou, outro exemplo: a homeopatia não funciona.