Monday, June 20, 2011

passar com 34% nos testes

De acordo com esta notícia, cada vez mais o Ministério da Educação dá indicações para que o peso que tem o comportamento na sala de aula para a nota final aumente. Diz uma professora que
se um aluno for pontual, respeitar os colegas e tiver bom comportamento nas aulas consegue tirar um 3 no final do período, mesmo tendo 34% nos testes, porque a média dá positiva
de onde se conclui que estamos a falar de um peso de 25% dado ao comportamento. Embora considere excessivo, a questão é discutível. O que não pode ser discutível é que um aluno com 34% nos testes passe. Por isso, mesmo que se queira manter os pesos da avaliação, é fundamental que se imponha uma nota mínima à componente teórica.

Regras como estas foram o resultado das políticas de Maria de Lurdes Rodrigues e Isabel Alçada para a educação, sempre com o pensamento numa igualdade forçada para a qualidade dos alunos. Felizmente, esse ciclo termina amanhã.

um pouco de esperança


Nalgumas coisas, é mais do mesmo. Outras escolhas, são duvidosas. Para além disso, Passos Coelho não me parece ter o perfil ou as capacidades que se exigem a um primeiro-ministro de qualidade. Mas, apesar de tudo, a constituição do novo Governo dá-me um pouco de esperança. O lider do PSD prometeu um Governo que incluísse alguns ministros independentes de topo; apesar de todos os seus defeitos, cumpriu.

Nomes como Álvaro Santos Pereira e Nuno Crato são uma lufada de ar fresco na política portuguesa, já que são pessoas que dedicam a vida ao estudo e à compreensão dos problemas, afastadas das manhas e dos interesses políticos. É claro que, por outro lado, não se pode ignorar a importância da experiência política. Não é fácil para pessoas sobretudo ligadas à vida académica, ter de repente que enfrentar todos os fortes lobbies dos sindicatos em Portugal. Mas é preciso ver as coisas em contexto: numa altura em que o descontentamento com a classe política aumenta, ir buscar nomes independentes e de qualidade é de extrema importância. E neste caso são de facto independentes, pois Teixeira dos Santos ou Eduardo Catroga só têm de independente o facto de nunca se terem lembrado de ir entregar o formulário de inscrição no partido.

Sobre o caso de Nuno Crato em particular, o ruído de fundo já se começou a criar. Antes de se conhecer a composição do Governo, a expectativa recaía sobre o Ministro das Finanças. Afinal, parece que as atenções se viraram de repente para a pasta da Educação. Francisco Assis já veio dizer que uma coisa é escrever artigos em jornais, outra é ter um projecto educativo. (Pena que Nuno Crato não escreva livros para adolescentes, ou Assis certamente já esperaria um projecto educativo de topo.) Os sindicatos já comentaram a escolha pela voz de vários membros, o que não me surpreende, pois como disse Ricardo Costa, para Mário Nogueira não poderia ter havido pior notícia. No Eixo do Mal, Daniel Oliveira já disse que Nuno Crato é um taliban da educação, mas sobre isso não me vou prolongar porque Paulo Guinote já disse tudo aqui.

A razão deste ruído é fácil de perceber: é agora que a educação pode mudar a sério. É difícil, porque em Portugal há sempre imensos entraves à mudança, sobretudo quando ela não agrada a certos lobbies. Mas as pessoas já perceberam que pode ser desta.

Sunday, June 19, 2011

Regresso

Por falta de tempo e criatividade, este blog esteve parado durante vários meses. Regressarei hoje, espero que de forma regular.

Peço desculpa a todos os que me seguiam com regularidade.

Sunday, March 20, 2011

os cursos superiores não são todos iguais


Maria Filomena Mónica escreveu recentemente um artigo para o Público, intitulado Os mitras, os boys e os betos, que causou reacções pouco simpáticas em vários blogs pela internet. O problema é que, a certa altura, a socióloga põe o dedo num dos maiores tabus portugueses: os cursos superiores não estão todos ao mesmo nível.
Mas a qualidade da educação não deveria ter sido, como foi, sacrificada. Os promotores da manifestação de ontem são todos licenciados em Relações Internacionais. Isto habilita-os a quê? Alguém se deu ao trabalho de olhar o conteúdo destes cursos? Os docentes que os regem sabem do que falam? Duvido.
Reconheço que, ao escrever isto, Maria Filomena Mónica não deve ter sido muito justa para com alguns cursos de Relações Internacionais em Universidades prestigiadas onde os professores certamente sabem do que falam. De qualquer forma, o que me interessa questionar é o seguinte: quantos cursos irrelevantes há em Portugal?

Cursos irrelevantes são maus sob todos os pontos de vista, pois enquanto os estudantes estão a perder tempo, os pais e o estado estão a perder dinheiro. De nada vale um diploma quando se sai de lá com os mesmos conhecimentos e sem hipóteses de emprego. Quantos cursos há nestas condições? Quando foi a última vez em que um curso foi encerrado em Portugal por não cumprir estes requisitos? Será que são todos óptimos?

O problema é que em Portugal é proibido dizer que um curso não presta. Quando se confrontam estes optimistas que acham que todos os cursos estão no mesmo patamar de qualidade com factos concretos, como a exigência e a empregabilidade, estes costumam responder com questões de gostos pessoais que nada têm que ver com o que se discute.

No final, quem mais perde são seguramente aqueles que passaram pelo menos três anos da sua vida iludidos com um futuro diferente do que vão ter, vítimas de uma política que anseia elevar a todo o custo a percentagem de licenciados, sem se preocupar com os conhecimentos apreendidos, as capacidades adquiridas ou com o mercado de trabalho.

Thursday, February 24, 2011

Geração à Rasca?


Ontem, enquanto passava pela Fnac do Colombo, reparei que João Duque, economista e presidente do ISEG, estava a participar numa conferência no Café Fnac. O tema era o filme Wall Street e a sua sequela, ambos de Oliver Stone, e as suas relações com o que financeiramente se passa na realidade.

A certa altura, já desviando-se do tema central, João Duque fez uma intervenção notável sobre a chamada "Geração à Rasca". Este movimento da geração em que me incluo tem gritado que somos uma geração à rasca porque é difícil arranjar emprego, porque os empregos não são definitivos, porque os salários não são os pretendidos, etc.

Contudo, como João Duque recordou e muito bem, estas características não são únicas desta geração. Os jovens da geração antes da sua partiam quase todos para a guerra, onde se arriscavam a perder a vida. O próprio João Duque, segundo relatou, ingressou no Ensino Superior numa altura em que só 1 em cada 4 alunos do Ensino Secundário lá podiam entrar; pelo contrário, actualmente há mais vagas do que alunos, sendo o acesso bastante fácil para quem termine o 12º ano. Para além disso, sentiu dificuldade em arranjar emprego, até porque não era aceite sem ter cumprido o serviço militar obrigatório, acontecendo que só depois dos 40 anos adquiriu um emprego fixo garantido.

É, portanto, curioso verificar que a presente geração não está mais à rasca do que as gerações anteriores, embora se insista muito que sim. No entanto, como bem apontou João Duque, existe uma grande diferença: esta geração está especialmente à rasca porque lhes foi dito, mesmo que indirectamente, que nunca o estariam. A escola que temos é um desses exemplos, embora mais se possam arranjar: com o facilitismo crescente do Ensino Pré-Universitário (embora ao mesmo tempo se considere quase um génio quem tem 10 a Matemática, como referiu João Duque, hiperbolizando) e com a facilidade com que se ingressa no Ensino Superior, deu-se a ideia de que a vida é fácil.

A tese, cada vez mais proibida e politicamente incorrecta, de que a escola fácil não prepara os alunos para a vida difícil adquire um significado ainda mais relevante quando se lêem os protestos desta "Geração à Rasca". A escola falhou na sua função, porque o género de obstáculos que aparecem aos jovens que estão à procura de emprego (onde brevemente me irei incluir) já deveriam ter aparecido dez anos mais cedo, para que agora estivessem preparados para os ultrapassar.

Monday, February 21, 2011

Tenha o seu próprio satélite! (astroPT)

Texto escrito para o site astroPT


A Scientific American deste mês tem um artigo dedicado aos CubeSats, satélites de reduzidas dimensões que se estão a tornar cada vez mais populares na investigação científica, em grande parte graças ao avanço da microelectrónica. Estes satélites têm uma grande vantagem: o custo.

Para além das razões óbvias na redução dos custos (peso reduzido, etc.), há uma vantagem adicional em relação aos restantes “microsatélites”: as dimensões e o peso dos CubeSats, assim como outras especificações, são estandartizadas, o que facilita os seus lançamentos em massa. Cada CubeSat deve ser um cubo com 10 cm de lado e não ultrapassar 1 kg.

Esta uniformização, que trouxe a grande vantagem do custo reduzido, acabou por ter uma série de consequências positivas, em particular a seguinte: muito mais equipas de investigação, e até de estudantes universitários, podem agora ter os seus projectos espaciais. Para além disso, pode-se fazer investigação mais experimental e arriscada, visto que o dinheiro perdido em caso de falha não é particularmente grande.

Espera-se que brevemente o custo do equipamento e lançamento se reduza a 10 mil dólares, o que poderá fazer com que projectos amadores também entrem em cena. Poderão mesmo vender-se kits de CubeSats para montagem por esse preço, com lançamento incluido. Talvez no futuro cada pessoa interessada possa ter o seu próprio satélite!

Friday, February 18, 2011

Exigência e Homeopatia


Há dois textos recentes do De Rerum Natura, escritos por Carlos Fiolhais, que devem ser lidos e que merecem reflexão.

Um deles intitula-se Teste de Física?! e vem a propósito de um teste intermédio de física de 11º ano em que se faz a seguinte questão:
GRUPO I

Durante algum tempo o magnetismo e a electricidade ignoraram-se mutuamente. Foi só no início do século XIX que um dinamarquês, Hans Christian Oersted, reparou que uma agulha magnética sofria um desvio quando colocada perto de um circuito eléctrico, à semelhança do que acontecia quando estava perto de um íman. Existia pois uma relação entre electricidade e magnetismo.

C. Fiolhais, Física Divertida, Gradiva, 1991 (adaptado)

1. Transcreva a parte do texto que refere o que Oersted observou.
Esta pergunta é inacreditável para um teste de física, seja de que ano for. Seria compreensível, talvez, num teste de português da escola primária. Não se pede aos alunos que saibam seja o que for sobre física: não é preciso saber quem foi Oersted, o que é o magnetismo ou a electricidade, ou a relação entre eles. Apenas se pede que se saiba ler e copiar.

Neste caso, atingiu-se um novo mínimo na exigência de algumas perguntas de testes/exames elaborados pelo GAVE. Este mínimo é o grau zero da exigência. A partir do momento em que, numa pergunta, não se exige que se saiba seja o que for sobre física, não se pode descer mais. Portanto, vendo as coisas pelo lado positivo, a partir daqui a exigência só pode subir.


O outro texto foi publicado hoje e intitula-se A Fraude da Homeopatia, e é dedicado à capa e a um artigo da revista Visão desta semana, que questiona Homeopatia: Cura ou Fraude?, e em seguida faz uma análise neutra da questão, dando igual espaço aos dois lados para defenderem as suas opiniões sem tirar qualquer conclusão.

Este tipo de situação é bastante comum. Ainda há relativamente pouco tempo, a revista Única teve um número dedicado à Lua, que para além de entrevistar astrónomos e astrofísicos, também entrevistava astrólogos, esses grandes conhecedores da Lua...

O problema deste tipo de análise pela comunicação social é que não se pode discutir a homeopatia ou a astrologia como se se discutisse o aborto ou a eutanásia; isto é, como se se pudesse chegar a uma conclusão sobre a resposta à questão "homeopatia: cura ou fraude?" através das convicções pessoais de individuos ou, já agora, por referendo.

Os princípios físicos e químicos mais básicos em que assenta a homeopatia não fazem nenhum sentido, portanto ou o nosso conhecimento sobre esses princípios está errado ou a homeopatia não funciona. Se olharmos para o mundo à nossa volta vemos os espantosos resultados que a física e a química têm produzido, e por isso sabemos que esses resultados seriam impossíveis caso estes cientistas não entendessem os princípios mais básicos das ciências em que trabalham. Por isso não, a homeopatia não funciona. Não há nenhuma controvérsia aqui; há simplesmente uma afirmação.

"Mas não é suposto a ciência fazer-se da dúvida, e não da certeza?", respondem os habituais críticos. Sim, é verdade; contudo, isso não quer dizer que tudo o que existe é dúvida e incerteza, pois, caso assim fosse, a ciência deixaria de fazer sentido. A ciência tem como objectivo a compreensão do mundo e, nessa medida, pretende chegar a conclusões que tenham relação com a realidade ("a realidade existe", como disse Carlos Fiolhais recentemente no Câmara Clara, e ao contrário do que muitos querem fazer crer).

A contrução desse conhecimento faz-se através de dúvidas, de controvérsia e de questões; contudo, à medida que essas dúvidas vão sendo estudadas e analisadas à luz da realidade, chega-se à conclusão de que algumas estão de acordo com ela e outras não. Como tal, sobre alguns campos da ciência existem apenas teorias, sendo que algumas não encaixam entre si (o que é a gravidade?; como se unificam as quatro forças fundamentais da Natureza?); no entanto, com o conhecimento costruido ao longo de séculos também se chegou a muitas certezas, como o facto da Terra orbitar o Sol, e não o contrário. Ou, outro exemplo: a homeopatia não funciona.

Tuesday, February 15, 2011

astroPT

É com enorme agrado que divulgo que me tornei recentemente colaborador do site astroPT, um local excelente para se estar informado sobre as mais recentes notícias da astronomia e para ler opiniões sobre o tema.

A minha estreia foi hoje, com este post.

Sunday, February 13, 2011

Política educativa: o que faz a Suécia?


Numa altura em que muito se debatem os cortes nos financiamentos das escolas privadas, talvez seja importante olhar para o que se faz em países como a Suécia, cuja política para a educação tem sido um sucesso, estando a ser analisada por outros países que pretendem imitar o sistema, como o Reino Unido.

Em 1992, numa das raras ocasiões em que a Suécia teve um Governo de centro-direita (o momento presente é mais uma dessas ocasiões), foi implementado o sistema de cheque-ensino: o Estado fornece um cheque virtual a cada família com valor equivalente ao que gastaria na educação do aluno, e os pais têm liberdade de escolha na escola dos seus filhos. Podem escolher colocá-los numa escola pública ou numa escola privada; estas, embora sigam os mesmos programas educativos, são geridas por empresas autónomas que recebem do Estado o tal "cheque" equivalente ao que seria gasto numa escola pública, e têm total poder de decisão quanto aos métodos de ensino, horários, etc.

Na altura em que foi implementada, esta medida sofreu grandes críticas por parte da oposição; contudo, quando os Sociais Democratas (centro-esquerda) voltaram ao Governo em 1994 viram-se forçados a manter o que tinha sido decidido dois anos antes, tal estava a ser a sua popularidade junto das famílias. Embora esta medida tenha sido acusada de favorecer os ricos e prejudicar os pobres, acentuando as desigualdades, o que se verificou foi exactamente o contrário: a qualidade da educação na Suécia tem vindo a aumentar de forma global.

Esta melhoria na qualidade não se deve apenas ao aumento da percentagem de escolas privadas (como é evidente, não há nenhum princípio que diga que o ensino privado é melhor que o público, ou vice-versa), mas sobretudo ao facto da competição entre escolas ter tido como consequência uma melhoria das escolas públicas, que se viram forçadas a ter que elevar a fasquia da qualidade para sobreviverem. Esta ideia é confirmada pelos próprios responsáveis por escolas públicas: “Today, I think we have at least as good quality if not better than some independent schools because we have really joined the battle and use our money in a much better way”, afirma a responsável por uma escola pública nos arredores de Estocolmo.

Em Portugal, a escola pública está em crise, devido à falta de exigência, à descredibilização dos professores, aos fracos programas, e ao facto dos seus responsáveis se poderem encostar à sombra da bananeira, porque sabem que não têm nada a ganhar ou a perder com o sucesso ou insucesso da sua escola.

Com isto, as escolas privadas têm vindo, ano após ano, a subir nos rankings: em geral, os seus alunos têm mais sucesso nos exames nacionais do que os alunos das escolas públicas. Valerá a pena, por teimosia ideológica, manter um modelo que está a dar maus resultados na educação, mantendo abertas escolas péssimas ao mesmo tempo que se desincentivam os melhores exemplos que temos? Valerá a pena continuar a não deixar aos pais espaço para influenciar o futuro dos filhos?

É uma mentira grosseira dizer que o modelo da liberdade de escolha acentua as desigualdades. Neste momento, os que não têm possibilidades financeiras e que têm o azar da escola mais próxima ser má estão condenados a não ter alternativa. Pelo contrário, os ricos têm sempre a possibilidade de pagar para garantir aos filhos uma educação de qualidade superior. Só um sistema assente na liberdade de escolha poderá acabar com esta injustiça.

As reformas seriam profundas e para fazer a médio-longo prazo, sendo que um sistema que funcionasse em Portugal não teria que ser necessariamente uma cópia deste. Precisamente por isso, a reflexão é urgente.

Explicações detalhadas sobre como funciona o sistema educativo sueco, assim como testemunhos de pais e responsáveis por escolas (a citação que fiz, por exemplo), podem ser encontrados nos seguintes artigos:
Note-se que discordo totalmente dos métodos de ensino da escola privada descrita no terceiro artigo. No entanto, o importante é que quem discorda tem alternativas à disposição.

Wednesday, February 9, 2011

Bolonhês


No final de todos os semestres no IST é obrigatório o preenchimento de uns inquéritos chamados QUC, sigla que significa Qualidade das Unidades Curriculares. Nestes inquéritos, os alunos avaliam as disciplinas e os professores, respondendo a cada pergunta com uma classificação de 1 a 9, havendo para algumas também a opção "não sabe" ou "não se aplica".

Muitas destas perguntas vêm escritas em bolonhês, mais ou menos o equivalente ao eduquês para o ensino superior. Para além da facilitação da mobilidade de estudantes dentro da Europa, o Processo de Bolonha só trouxe coisas negativas, em particular a linguagem do eduquês para a Universidade: redução do número de horas de aulas para haver mais trabalho autónomo e o professor se limitar a ser um "facilitador de aprendizagens"; é muito importante fazer uma contextualização social do que se aprende; etc.

Embora estas tendências ainda não se verifiquem muito na prática, porque os professores são os mesmos e não mudam os seus hábitos do dia para a noite, a verdade é que todos os semestres ao preencher os inquéritos QUC me apercebo de quais são os grandes objectivos de Bolonha. Há uma série de perguntas deste estilo (infelizmente já preenchi os meus inquéritos deste semestre, pelo que não posso citar textualmente): "sabe contextualizar o que aprendeu?", "desenvolveu capacidades de trabalho autónomo?", "sabe relacionar o que aprendeu com as suas implicações sociais?", e por aí adiante.

Nestas perguntas não é preciso pensar muito, pois a minha resposta é sempre a mesma: "não se aplica". É pena, pois assim continuo na ignorância sobre as implicações sociais de, por exemplo, primitivar por partes... Uma falha que, sem dúvida, a educação do futuro tratará de corrigir.

Thursday, February 3, 2011

A ler: O Futuro do Ensino

Não posso deixar de recomendar a leitura deste texto de Filipe Oliveira no De Rerum Natura. Por um lado, cómico e divertido; por outro, tragicamente real. Nele estão presentes todos os chavões politicamente correctos do ensino: a aversão a decorar porque deixa de se ser criativo e estraga-se a imaginação (o que, aliás, é mentira); a moda de que é preciso aprender a aprender (que não se percebe muito bem o que quer dizer), e não adquirir conhecimentos sólidos e estruturados; a ideia de que um professor tem é que ter aulas muito divertidas e métodos pedagógicos modernos, porque isso de simplesmente adquirir conhecimento é um bocado chato; o facto de se dizer que o ensino directo em que o professor transmite conhecimento para o aluno não é bom porque não deixa o aluno "descobrir por si mesmo" (é importante relembrar que Newton disse que chegou onde chegou por se encontrar "aos ombros de gigantes"); a avaliação ser uma coisa chata porque faz distinção entre os estudantes; e, finalmente, a aversão ao conhecimento estruturado dos livros porque a wikipedia e afins são tão mais interessantes.

Tuesday, February 1, 2011

"Os Portugueses e a Investigação Científica"


O Câmara Clara (programa da RTP2) desta semana foi dedicado à ciência. Durante uma hora, Paula Moura Pinheiro esteve à conversa com Carlos Fiolhais, professor de física na Universidade de Coimbra e um dos principais divulgadores de ciência em Portugal, e com Maria Mota, investigadora de topo na área da biologia e da medicina.

A ciência está a crescer em Portugal. São cada vez mais os investigadores portugueses que são reconhecidos internacionalmente, e Maria Mota é precisamente um desses exemplos. Ainda não estamos no topo, mas estamos no bom caminho.

Por outro lado, há uma coisa em Portugal que está de certa forma relacionada com a ciência, e que está longe de estar bem ou no bom caminho: a educação (apesar da subida nos últimos resultados do PISA, mas irá obedecer a uma tendência nos próximos anos?). É na escola que se deve iniciar e incentivar o gosto pela ciência, mas o que se vê é que muitos estudantes saem do ensino básico a detestar a ciência. Claro que, como refere Carlos Fiolhais no programa, "o que eles conhecem não é ciência, mas uma caricatura da ciência". Sim, é verdade que temos muitos - e cada vez mais - investigadores de topo; no entanto, a ciência deve ser partilhada por todos, pois "a ciência que é oculta não é ciência".

Finalmente, existe também uma relação entre ciência e democracia: a liberdade para "ousar descobrir", a meritocracia, a avaliação rigorosa, são valores de ambas. "Com a ciência apenas podemos não estar salvos, mas sem a ciência estamos definitivamente perdidos", concluiu Carlos Fiolhais.

Foi destes e de outros temas que se falou neste extraordinário programa, que pode ser visto aqui.

Saturday, January 22, 2011

Caixas de comentários


As caixas de comentários de sites muito visitados estão para a internet mais ou menos como os esgotos estão para as cidades. É absolutamente deprimente ler a maioria do que se escreve nas caixas de comentários de sites como o Expresso ou o Público.

A internet é uma das coisas mais fantásticas que surgiram nos últimos anos, mas, como é evidente tudo tem problemas. Em particular, a maioria das pessoas olha para a internet como um meio para se comportarem de uma forma que não podem fazer na realidade: protegidas pelo facto de já não serem pessoas umas para as outros, mas meros nome (reais ou fictícios, é praticamente irrelevante), dizem as maiores barbaridades que lhes vêm à cabeça.

Descobrem-se, pois, as coisas mais assustadoras quando se lêem este tipo de caixas de comentários. Por exemplo, o insulto fácil dirigido às pessoas, e não aos seus argumentos, ocorre constantemente nas crónicas dos comentadores dos jornais. Da mesma forma, ler as notícias sobre a morte de Carlos Castro é igualmente assutador: ninguém parece minimamente preocupado com o facto de ter havido um assassinato brutal, voando apenas comentários homofóbicos em todas as direcções.

Sempre que há notícias sobre ciência, a situação também não é a melhor: a crise parece ser desculpa para ignorar o conhecimento. Ainda há pouco tempo, quando se noticiava um eclipse, os comentários eram do estilo "eles é que nos eclipsam o dinheiro todos os meses!". Vontade de discutir alguma coisa minimamente relacionada com as noticias científicas simplesmente não existe, dominando o impulso de mandar umas bocas básicas que desprezam o conhecimento científico.

E outras coisas preocupantes descobrem-se: por exemplo, Mourinho é odiado por muitos em Portugal. A mim acusam-me muitas vezes de não ser patriota porque estou constantemente a chamar a atenção para o que está mal em Portugal. Contudo, sou-o completamente naquilo que é relevante: em particular, chamo muitas vezes a atenção para os extraordinários exemplos que Portugal tem no estrangeiro, seja na arte, na ciência, no desporto, ou em qualquer área.

Mourinho é um dos expoentes máximos desse sucesso, transportando consigo muitas coisas que a maioria dos portugueses não tem nem quer ter: vontade, ambição, trabalho, dedicação, esforço e, consequentemente, sucesso. No entanto, apesar de aparentemente os portugueses se orgulharem de Mourinho, quando se lêem as caixas de comentários de noticias sobre derrotas suas (ou situações em que Mourinho sai prejudicado), percebe-se que existe um grande ódio secreto (motivado por inveja?) ao treinador português.

Ora aqui está um problema que ou se corta pela raiz (acabar com os comentários nos sites sérios) ou que dificilmente terá fim à vista...

Monday, January 17, 2011

Gostar de aprender


Existe uma confusão sobre como a escola deve ensinar. À partida, todos concordarão que a escola deve cultivar o gosto por aprender. Por causa disso, há quem coloque esta ideia de pernas para o ar, dizendo que a aprendizagem deve ser sempre feita com gosto. No entanto, tal não é verdade.

Como é evidente, os professores devem incentivar os alunos a gostar daquilo que estão a aprender, mostrando a beleza e a importância do conhecimento. Tal pode ser feito de variadas formas, dependendo da pedagogia de cada professor. Contudo, a escola estará a mentir aos alunos se lhes transmitir que se pode aprender sempre num ambiente de brincadeira, de jogo, de descontracção e de alegria.

Isto já não tem que ver com pedagogia, mas é simplesmente a realidade: aprender exige muitas vezes esforço, sacrifício e dedicação, o que, por muito que a pessoa goste daquilo que faz, se torna frequentemente cansativo, stressante e chato. Mesmo que alguns jogos possam ser úteis para fomentar o gosto por aprender, eles não podem ser o centro do ensino: por exemplo, o xadrez é excelente para desenvolver o raciocínio, mas ninguém aprende matemática ou filosofia a jogar xadrez.

Sobre este tema, Savater diz o seguinte, no seu livro O Valor de Educar:
(...) a maior parte das coisas que a escola deve ensinar não pode ser aprendida por meio de jogos. (...) "jogar é experimentar o acaso"; a educação, em contrapartida, orienta-se para um fim previsto e deliberado, por mais aberto que seja. A própria ideia de ir à escola para fazer jogos é disparatada: para jogar, as crianças chegam e sobram por si sós, de modo que, se é disso que se trata, o mais aconselhável será deixá-las em paz (...). Precisamente, a primeira coisa que aprendemos na escola é que não podemos passar o tempo todo a jogar. O jogo e aquilo que vem com o jogo, podemos aprendê-lo sozinhos ou com a ajuda de qualquer amigalhaço: mas vamos à escola para aprender o que não nos ensinam noutros sítios. (...) o propósito do ensino escolar é preparar as crianças para a vida adulta, e não confirmá-las em regozijos infantis. E os adultos não se limitam a jogar, mas, sobretudo esforçam-se e trabalham. São tarefas que a princípio custam, mas que nem sempre são desagradáveis. (...) A escola é o lugar onde se aprende que nem só jogando se mostra amor à vida (...).

Thursday, January 13, 2011

Uma Humanidade Sem Humanidades?


Os professores das disciplinas de humanidades, e os humanistas (no sentido de formados na área das humanidades) de uma forma geral falam numa crise das humanidades, no sentido de estarem a ser desprezadas nos conteúdos programáticos. Mesmo não estando dentro da área, acho expectável que isso esteja a acontecer: afinal, a tendência actual para favorecer o que é prático e utilitário ao que é puramente teórico certamente excluirá as humanidades do que se considera essencial.

Apesar disso, e sendo de facto esta a principal causa do decaimento das humanidades, não deixa de ser curioso verificar que pode haver também uma parte de culpa própria nesta crise. O problema é o seguinte: o pensamento pós-moderno atingiu grande parte das humanidades; com isto, quando vemos os nossos "grandes pensadores humanistas" (como Boaventura Sousa Santos, só para dar um exemplo) a falar, dizendo coisas estranhíssimas, como a verdade não existir e cada um ter a sua verdade, como todas as opiniões serem respeitáveis porque tudo é uma convenção social, ou como a ciência não passa de uma forma de ver a realidade tão válida como a astrologia, fica a sensação de que esta coisa das humanidades afinal não passa de uma espécie de bruxaria mas num tom mais intelectual.

Em particular, muitos destes humanistas adoptaram um discurso que despreza a técnica, favorecendo a intuição. Depois, falam muitas vezes na "liberdade de pensamento", o que não costuma passar de uma desculpa para se poder dizer as asneiras que se quiser, já que no limite, como tudo é subjectivo e tudo é uma convenção social, já não há diferença entre verdade e mentira, entre certo e errado.

Felizmente, as humanidades não são isto, e estas ainda têm representantes para nos recordarem o que elas na verdade são, ou deveriam ser. Em Portugal há certamente muitos professores para o fazer (basta ler este blog, por exemplo), mas neste momento vou citar o conhecido autor e professor de filosofia espanhol, Fernando Savater. É num capítulo do seu livro O Valor de Educar que o título deste texto se baseia. Sobre estes temas, Savater diz o seguinte:
(...) hoje abundam não só a superstição e as actividades milagreiras (...), mas também o menoscabo da razão, convertida numa simples perspectiva entre outras, sem direito a um reconhecimento especial e suspeita de dogmatismo quando o reclama. Regista-se aqui uma quebra das humanidades, porque não há humanidades sem respeito pelo racional, sem preferência pelo racional, sem fundamentação racional através da controvérsia do que deve ser respeitado e preferido. É frequente ouvirmos acusar este racionalismo de uma fé cega na omnipotência da razão, como se semelhante credulidade fosse compatível com o uso crítico dessa capacidade ou pudesse ser desmentida sem se recorrer a esse uso. A razão só é beatificada pelos que a utilizam pouco, não pelos que a empregam com uma assiduidade exigente. (...)

Muitos dos anti-humanistas, que acusam a educação moderna de ser "demasiado" racionalista, querem dar a entender que ela despreza a intuição, a imaginação e os sentimentos. Mas será excesso ou antes insuficiência de racionalismo uma tão má compreensão da complexidade humana? Não será antes a razão que concebe a importância do intuitivo, aproveita a fertilidade da imaginação e cultiva (...) a vitalidade dos sentimentos? A razão conhece e reconhece os seus limites, não a sua omnipotência: distingue o que podemos conhecer justificadamente do que imaginamos ou sonhamos (...). Para a razão, todos somos semelhantes, porque é ela própria a grande semelhança entre os humanos. A educação humanista consiste, antes de tudo em fomentar e ilustrar o uso da razão, essa capacidade que observa, abstrai, deduz, argumenta e conclui logicamente. (...)

Bem vistas as coisas, sim, há crise das humanidades. A relativização digamos pós-moderna do conceito de verdade é um claro indício dela. Não há educação se não houver verdade a transmitir, se tudo for mais ou menos verdade, se cada qual tiver a sua verdade igualmente respeitável (...).

(...) as opiniões convertem-se em expressão irrefutável da personalidade do sujeito: "esta é a minha opinião", "essa será a sua opinião", como se o importante nelas fosse a de sabermos a quem pertencem e não em que se fundamentam. (...) Soma-se a tudo isto uma obrigação devota de "respeitar" as opiniões alheias (...), para não falarmos já do "direito a uma opinião própria de cada um", que não é entendido como direito de cada um pensar por si próprio, mas como o de manter a sua crença sem se deixar incomodar por objecções incómodas. Este subjectivismo irracional enraíza-se rapidamente em crianças e adolescentes, que se habituam a supor que todas as opiniões - quer dizer, a do professor que sabe do que está a falar e a sua que parte da ignorância - valem por igual (...).
É de facto pena que este tipo de pensamento de que Fernando Savater fala neste capítulo seja actualmente abundante nas humanidades. É que, ao abandonarem a razão, as humanidades perdem aquilo que têm de mais valioso: aqueles que melhor a sabem utilizar.