Wednesday, October 13, 2010

O valor de educar, o valor de instruir

Este foi o título de uma conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, com participações de Fernando Savater, Ricardo Moreno Castillo e Nuno Crato. Enquanto os dois últimos desmontaram as teses do eduquês, o primeiro mostrou como a educação deve combater a ignorância, pois esta é o maior entrave ao bom funcionamento da democracia.

Embora Nuno Crato tenha abordado um tema que já o vimos defender várias vezes, desta vez fê-lo de forma absolutamente brilhante, sendo possivelmente a sua melhor intervenção a que assisti. Projectando em slides os mais típicos lugares comuns defendidos pelo eduquês, que são frases muito inocentes e aparentemente verdadeiras, desmontou-as uma a uma, mostrando que são na verdade falsas e que representam um perigo para a educação.

No entanto, fiquei com a ideia que o público, de uma forma geral, não concordou comigo. No final, várias pessoas interpolaram Nuno Crato, embirrando com pormenores de linguagem insignificantes e que em nada prejudicaram o discurso.

Para minha surpresa, uma dessas pessoas foi Maria do Carmo Vieira. Esta professora de português participou no melhor programa que vi do Plano Inclinado, tendo feito comentários extraordinários sobre educação, mas neste caso teve uma intervenção que me desiludiu bastante. Para além de uma embirrância com a utilização do termo "romântico" para caracterizar as pedagogias do eduquês (como expliquei neste texto, não costumo gostar de se implique com pormenores mesquinhos da linguagem), acusou Nuno Crato de praticamente desprezar as humanidades pelo facto de ter dito que os alunos precisam de decorar datas como o 5 de Outubro "sem perceber porque é foi 5 e não 4", ou que gostaria de saber Os Lusíadas de cor.

Nuno Crato tem razão: é preciso perceber o que foi a revolução republicana, mas isso não implica que se tenha que percorrer toda a sua história para se chegar à conclusão de que ocorreu dia 5 de Outubro. Essa data tem que ser decorada, possivelmente antes de perceber o que foi a revolução. Da mesma forma que é preciso decorar o algoritmo da multiplicação antes de perceber como é que ele funciona. E é preciso porque, nalguns casos, o decorar vai mais tarde ajudar a perceber.

A crítica de Maria do Carmo Vieira sobre esse tal desprezo pelas humanidades torna-se ainda mais injusta quando relembramos que a única frase duvidosa que proferiu nesse tal programa que referi do Plano Inclinado foi uma citação de António Damásio em que afirma que "a matemática não faz cidadãos", sem a mínima explicação. Depois, quando Nuno Crato discordou, meteu um pouco os pés pelas mãos para se justificar, dizendo, se bem me lembro, que "é preciso primeiro dominar o português". O que não é verdade: as duas coisas têm que ser feitas em simultâneo.

Portanto, dizer que "a matemática não faz cidadãos" é o mesmo que dizer que "o português não faz cidadãos": são ambas verdade se acrescentarmos a palavra no início. No entanto, se for dita como a professora Maria do Carmo Vieira a disse, isso sim dá a entender um desprezo pela matemática, o que sei que não tem porque compreendo a intenção com que foi dita. No entanto, Maria do Carmo Vieira não entendeu a intenção com que foram ditas algumas frases de Nuno Crato, e por isso fez acusações injustas.

Para terminar, uma última nota sobre as intervenções do público. A maioria das pessoas não percebe que essas intervenções devem ser perguntas breves, e não reflexões suas sobre a vida e o mundo. Mas, o mais grave de tudo foi a participação de um professor primário, que depois de uma reflexão totalmente vazia de conteúdo, faz uma pergunta a Savater em que mostrou ter interpretado o seu discurso todo ao contrário. Pergunta: como é que alguém que não consegue interpretar um discurso tão simples e directo pode ensinar seja quem for?