Os defensores de que a escola portuguesa está bem orgulham-se de uns quantos índices que se alteraram radicalmente desde o 25 de Abril de 74 até à actualidade, nomeadamente o seguinte: o analfabetismo diminuiu imenso, pelo que somos mais cultos e sabemos cada vez mais.
Como é evidente, o analfabetismo diminuiu porque a escola passou a ser para todos (e ainda bem), pelo que todos (
ou quase) aprenderam a ler (não interessa se mal ou bem). No entanto, o debate da qualidade da escola não pode girar em torno dos números relacionados com o analfabetismo, pois saber ler é um ponto assegurado à partida para quem vai à escola nem que seja por quatro anos, salvo raras excepções. A diminuição do analfabetismo só diz uma coisa: existe escola. Mas que existe escola já nós sabemos; agora, queremos saber qual a sua qualidade.
Como tal, é altura de prosseguirmos para as questões fundamentais. Por exemplo, a escola ensinou os alunos a pensar? As pessoas terminam o ensino secundário com capacidade de reflexão, de interpretação e de raciocínio? Possuem uma cultura científica sólida, esse grande pilar da sociedade moderna? Estão sensibilizadas para compreender e apreciar a importância da arte?
A resposta é, infelizmente, não. Não estou a dizer que todas as pessoas saem nestas condições, mas sim que a escola não as garante a quem termina o ensino secundário. Quando olhamos para a forma como a moda das pulseiras do equilíbrio se espalhou entre essas idades percebemos que faltam as ferramentas que permitem distinguir ciência de aldrabice. Ou quando se vêem jovens a defender que o Homem não foi à Lua, também compreendemos que, inevitavelmente, algo falhou na educação, como recordava o astronauta Harrison Schmitt há algum tempo:
If people decide they’re going to deny the facts of history and the facts of science and technology, there’s not much you can do with them. For most of them, I just feel sorry that we failed in their education.
A causa de tudo isto torna-se clara quando lemos ou ouvimos o que a professora de português Maria do Carmo Vieira tem dito sobre o que acontece nesta disciplina, podendo-se generalizar para as restantes áreas: está-se a retirar dos programas tudo aquilo que faz pensar e que possibilita a reflexão, insistindo que só interessa o prático e o utilitário.
A verdade é que, em certo sentido, continuamos analfabetos, só que este analfabetismo agora é outro: ausência de capacidade de raciocinar sobre o que é verdade e o que é mentira, de cultura científica e histórica, de interpretar e reflectir sobre o que a arte nos pode transmitir.
A propósito, apetece-me terminar com um excerto de um artigo que João Lobo Antunes escreveu para o Semanário Económico há pouco mais de um ano, com um sublinhado meu:
Será que não há já ninguém que saiba revelar a estas inteligências virgens a extraordinária beleza da Matemática, criação dos homens e dos deuses, ensinar-lhes não a ler mas sim a saber ler e compreender, a escrever de forma clara e persuasiva, e a respeitar o rigor como forma de procurar a verdade?