Tuesday, June 2, 2009

Beleza e Conhecimento

Quando fui a Barcelona, estive numa loja fascinante. Um verdadeiro centro de arte, onde se vendiam os mais variados objectos: alguns que raramente se viam; outros perfeitamente comuns, mas feitos de forma que os tornavam especiais. É o caso da caneca que lá comprei, completamente "forrada" a equações de física e de matemática.

Os meus conhecimentos eram limitados, mas a minha paixão pela área era grande. Como tal, até conhecia a maioria daquelas equações, embora desconhecesse o significado de muitas delas. Houve uma, contudo, que me chamou à atenção em particular. Esta,não conhecia de todo, mas o facto de algo tão estranho poder ser igual a algo tão simples, não só me fascinou, como me encheu de estranheza. Em legenda, podia ler-se Euler's Equation, e por cima estava escrito o seguinte:



Ora, na altura eu ainda não tinha completado matemática de secundário, pelo que ainda não tinha dado números complexos. No entanto, tinha uma ideia do que aquele i em itálico significava: trata-se da unidade imaginária, igual à raíz quadrada de -1. Não sendo os números complexos algo propriamente fácil de se entender na prática (a reacção inicial da maioria dos estudantes quando os aprende é que "isto não serve para nada e só existe porque alguém decidiu que era uma chatice raíz de -1 não ter solução"), introduzia-se aqui um primeiro elemento de estranheza. Conhecendo as outras constantes da equação, o segundo elemento de estranheza era o facto desta salganhada de números irracionais e complexos sem nada que ver uns com os outros, quando somados à unidade, dar zero. Por um lado, não entendia como era possível; por outro, a equação parecia o auge da simplicidade e da verdadeira beleza da matemática.

Hoje, sei muito mais sobre a equação de Euler. Sei que o espanto e o fascínio não foi só meu. Richard Feynman disse que era "the most remarkable formula in math", há quem a compare às grandes obras de arte de DaVinci e Michelangelo, e quem diga que a fórmula "sets the gold standard for mathematical beauty". O matemático Benjamin Price escreveu: "It is absolutely paradoxical; we cannot understand it, and we don't know what it means. But we have proved it, and therefore we know it must be the truth.". Para além disso, hoje também sei demonstrar por vários métodos porque é que a equação de Euler é verdade (uma das demonstrações - não a mais popular - é de facto muito fácil, e um estudante com o secundário em matemática conseguiria facilmente entendê-la), e consigo até explicá-la a alguém. E hoje, cada vez que olho para a equação, vejo mais ainda do que vi na altura em que tomei primeiro contacto com ela: diz-me mais, porque compreendo-a melhor; e tem mais beleza, porque a sua simplicidade torna-se ainda mais evidente.

No livro What Do You Care What Other People Think?, Richard Feynman conta a seguinte história:

I have a friend who's an artist, and he sometimes takes a view which I don't agree with. He'll hold up a flower and say, "Look how beautiful it is," and I'll agree. But then he'll say, "I, as an artist, can see how beautiful a flower is. But you, as a scientist, take it all apart and it becomes dull." I think he's kind of nutty. [...] There are all kinds of interesting questions that come from a knowledge of science, which only adds to the excitement and mystery and awe of a flower. It only adds. I don't understand how it subtracts.

A minha experiência com a equação de Euler é mais uma prova desta situação contra a qual todos os divulgadores da ciência têm batalhado: o conhecimento exacto sobre uma coisa não lhe retira qualquer beleza. A defesa deste argumento encontra o seu expoente máximo em Carl Sagan, que em todos os seus livros exalta o fascínio (utiliza frequentemente a palavra wonder) perante a descoberta e a compreensão do desconhecido. Estas críticas constituem, a meu ver, um dos mais esfarrapados argumentos que se podem dirigir contra a ciência, e só têm uma explicação possível: o medo de embarcar na viagem que leva ao conhecimento. Porque a verdade é que a viagem é dura e longa; exige ir adquirindo conhecimentos a pouco e pouco; e, no limite, é infinita, porque há sempre mais a descobrir e a conhecer.

Um mágico chamado James Randi criou, em 1988, polémica por ter desmascarado charlatões que, afirmando terem poderes psíquicos, enganam o público com ilusões. Um crítico acusou-o de estar "obcecado com a realidade". Mas é precisamente dessa obsessão que nascem o pensamento científico e a razão. É dessa obsessão que o conhecimento e a ciência se desenvolvem. Então eu pergunto: afinal de contas, não será esse o maior dos elogios?