Começaram hoje os exames nacionais de 12º ano. Depois do desastre do ano passado (não em notas; aliás, o desastre foi mesmo na escandalosa subida das médias graças aos facilitismos do Ministério da Educação), a pergunta que se faz este ano é: vai-se repetir? Está toda a gente na expectativa de saber, mas depois de toda a contestação que ocorreu em 2008, espera-se que pelo menos não seja tão grave. Parece que não começou mal, pelo menos segundo os professores de português entrevistados, mas situações como esta têm sempre o seu grau de piada e de ironia.
Ainda não vi o exame de Português. Hei-de dar-lhe uma vista de olhos, apenas por mera curiosidade, pois não tenho conhecimentos suficientes da matéria e do programa para poder dar uma opinião particularmente construtiva e relevante. De qualquer forma, o exame de Português raramente é o pior. Como todos sabem, o verdadeiro desastre está nessa "coisa horrenda" que são as ciências e a matemática.
Não vou bater mais no ceguinho: o exame de matemática do ano passado já foi convenientemente arrasado por pessoas com muito mais legitimidade para o fazer do que eu. Aquela variação brutal da média já foi bastante debatida e explicada. O que raramente é dito é que essa brincadeira que foi o exame de matemática de 2008 tem consequências directas sérias para os alunos que o fizeram. Porque um aluno que num exame normal teria entre 19 e 20, continua a ter o mesmo; um aluno que num exame normal teria entre 15 e 16, nesse exame também tem entre 19 e 20! Ora, isto é uma injustiça, porque o primeiro aluno merece ser distinguido pelo seu esforço e pelas suas capacidades. Ou seja, não se distinguiram os melhores alunos, e a consequência disso foi a variação radical das médias para entrar nos cursos com matemática como prova de ingresso, o que provavelmente levou a injustiças nas colocações.
Quero agora, no entanto, esquecer por momentos a forma como os exames nacionais são feitos (e as injustiças provocadas quando são mal feitos), e abordar uma questão que é anterior a essa: sim ou não aos exames nacionais? Os exames nacionais são vistos pelos alunos do ensino secundário como um bicho de sete cabeças; há ali duas semanas de sofrimento insuportável. Isso tem ficado bem claro nas manifestações contra os exames nacionais, que felizmente são cada vez mais raras. Os partidos políticos que são pela abolição dos exames nacionais ajudam à festa. Mas, no meio de toda esta pouca vontade de trabalhar, há uma coisa que tem que ficar clara: os exames nacionais, quando são minimamente bem feitos (e não é difícil que sejam, basta não se fazer o que se fez com o último exame de matemática), são, de longe, a forma mais justa de avaliação que temos.
Imagine-se a seguinte situação: um aluno encontra-se numa escola (ou tem um professor) particularmente exigente e trabalha e esforça-se para conseguir passar, enquanto outro aluno está numa situação de ensino de bandalheira em que basta estudar uns minutos de véspera para ter boas notas nos testes. Desenganem-se se acham que esta discrepância é rara de umas escolas para as outras (ou até dentro da mesma escola) em Portugal. O resultado disto é que o primeiro aluno vai ter, injustamente, notas piores que o segundo. Os estudantes vêem os exames nacionais como um dever aterrorizador. Mas para esse primeiro aluno, os exames nacionais são mais que um dever: são um direito! Esse aluno tem o direito de ser avaliado segundo os mesmos critérios que todos os outros alunos do país são avaliados. E quando as avaliações saírem, o resultado vai ser algo que muita gente, estudantes e alguns políticos, não gostam: é que há uma distinção clara entre os melhores e os piores. A essa distinção chama-se justiça. E, para além disso, ainda ficará demonstrada essa coisa completamente esquecida no ensino pré-universitário em Portugal: são o esforço e o trabalho, acima de qualquer outra coisa, que têm recompensas. Como disse Thomas Jefferson, "I'm a great believer in luck, because I found that the harder I work, the more I have of it.".
Porém, além desta questão de justiça, há ainda outra, igualmente importante. Os alunos devem ser frequentemente avaliados a propósito de matérias anteriores, para que possam consolidar conhecimentos. As pedagogias românticas do ensino centrado no aluno estão completamente falidas por não darem resultados, embora muita gente ainda continue a insistir nelas. Os estudos mais sérios sobre o tema já o demonstraram, e a esse propósito recomendo o incisivo texto de Nuno Crato intitulado Ensinem-me, por favor. Estas avaliações são, pois, importantíssimas, e se há coisa que este Ministério da Educação fez muito bem foi ter introduzido testes intermédios. Só foi pena não os ter tornado obrigatórios em todas as escolas, pois estes são de extrema importância por duas razões. Primeiro, porque o ensino secundário não é o ensino universitário. Na Universidade, é perfeitamente possível que um estudante seja avaliado apenas com um exame no final do semestre. Ele já tem (ou devia ter) cabeça para saber preparar o seu estudo ao longo do semestre, e se não o fez, a responsabilidade é sua. Mas se queremos que o estudante universitário tenha essa capacidade, então temos, antes disso, enquanto é estudante do ensino secundário, que ensiná-lo a estudar. E obrigá-lo a realizar testes intermédios que contam para nota é mostrar-lhe a maneira adequada de se preparar para um exame. A segunda razão tem a ver com o facto de não bastar passar-se uma vez por uma matéria para o conhecimento sobre ela estar completo. É preciso voltar lá várias vezes, para que o aluno as possa consolidar, e apreender o que não conseguiu da primeira vez. E os testes intermédios cumprem também esse objectivo.
Com isto, torna-se claro: os exames nacionais têm que existir e que ser obrigatórios. Mas não podemos é cair no erro de fazer exames nacionais que sejam injustos. E se houve algo que o ano passado nos ensinou foi que o Ministério da Educação tem interesses estatísticos mais do que tem interesses no ensino, e como tal não pode continuar a elaborar os exames nacionais. A única forma de resolver esta questão é deixar que os programas e os exames das disciplinas fiquem ao encargo de especialistas que pertençam a entidades independentes. Um exemplo óbvio é a Sociedade Portuguesa de Matemática ficar encarregue dessa disciplina. Mas é claro que neste país isso nunca irá acontecer.