Monday, September 28, 2009

Rescaldo

Algumas notas soltas sobre as eleições legislativas de 27 de Setembro de 2009:

1) A passada noite de eleições espelha plenamente as razões por que cada vez menos suporto a política portuguesa. As reacções dos partidos aos resultados chegaram a roçar o ridículo. Em vez de se preocuparem em fazer uma análise séria do que tinha ocorrido, ou seja, analisar os pontos positivos e objectivos alcançados vs pontos negativos e coisas a melhorar, os dirigentes preocuparam-se apenas em elaborar discursos demagógicos, interpretando os resultados à luz do que lhes dava jeito.

2) José Sócrates disse que foi uma "extraordinária vitória" do PS, mas esqueceu-se que, em quatro anos, perdeu cerca de meio milhão de votantes; não se mostrou desiludido com isso, nem demonstrou interesse em recuperá-los.

3) Francisco Louçã exaltou a grande vitória que obteve pelo facto do BE ter sido o partido que mais subiu, mas esqueceu-se de referir que, face às expectativas criadas pelas sondagens e às metas que ele próprio estabeleceu, o 4º lugar lhe sabe a desilusão. Para além disso, os cinco deputados de diferença para o CDS não são coisa pouca, especialmente dado que o CDS faz maioria com o PS, e por isso poderá ter maior influência na governação, enquanto o BE não.

4) Jerónimo de Sousa e outros militantes do PCP insistiram na força da CDU por ter subido um deputado. No entanto, isso não esconde um facto histórico que, para eles, deve ser perturbante: pela primeira vez desde o 25 de Abril, a CDU é a 5ª força política. Face à descida do PS e ao maior número de votantes em relação a 2005, o CDS e o BE dispararam, mas a CDU não. Porquê? Era isto que gostava de ter ouvido Jerónimo de Sousa esclarecer.

5) Apesar da enorme descida do PS em relação a 2005, há um facto inegável: foi o Partido Socialista que ganhou as eleições. No entanto, que eu tenha ouvido, todos, à excepção de Manuela Ferreira Leite, se esqueceram de fazer essa simples constatação, que não teria ficado nada mal. O problema é que na política portuguesa paira a ideia de que congratular os feitos conseguidos pelo adversário é um sinal de fraqueza e de falta de convicção pelos seus ideais. A propósito, recomendo que se reveja o discurso de John McCain quando perdeu as eleições para Barack Obama, em que não só congratulou como elogiou o seu adversário (que, aliás, bem o merecia). Esse tipo de atitude é, de facto, comum nos Estados Unidos.

6) Membros da CDU e do BE disseram repetidas vezes que a perda da maioria absoluta por parte do PS demonstra que venceram a luta contra a política de direita. A lógica destas afirmações é muito difícil de entender: se, para estes partidos, o PS faz política de direita, então terão certamente a mesma opinião do PSD e do CDS. Ora, estes três partidos representam mais de 80% dos votos. Onde está, de acordo com a visão dos partidos da extrema-esquerda, a derrota da "política de direita"?

7) Alberto João Jardim disse que "o país endoidou" por ter voltado a dar a vitória ao PS, tendo em conta a má governação de José Sócrates ao longo destes quatro anos e meio. Jardim tem razão numa coisa: o país parece, em muitos sentidos, que anda doido. No entanto, o que AJJ se esqueceu de explicar foi a razão por que isso acontece. Os portugueses voltaram a dar a vitória a Sócrates porque, se este teve uma má governação, então pode dizer-se que Manuela Ferreira Leite teve uma péssima liderança à frente do PSD. Quanto aos restantes partidos, o populismo demagógico de Paulo Portas e o espectáculo circense de Francisco Louçã só funcionam, para a maioria das pessoas, como voto de protesto; já nas ideias da CDU, um partido que ainda vive há 50 anos atrás, cada vez menos gente confia. Por isso, sim, "o país endoidou", mas foi forçado a "endoidar" pelo facto da classe política em Portugal estar nas ruas da amargura.

8) Maria José Nogueira Pinto reagiu em tom de vitória aos resultados, dizendo que não via derrota em lado nenhum. Fiquei na dúvida: ou Nogueira Pinto pensava que ainda estava no Gato Fedorento, ou então que já estava nas autárquicas.

9) Existe, por parte de muitas pessoas, um discurso politicamente correcto e de uma certa superioridade moral que defende que votar é um dever. Algumas destas pessoas, a favor do voto obrigatório, vêem na abstenção quase um crime político. "Se não se gosta de nenhum candidato", afirmam, "então que se vote em branco". Em primeiro lugar, acho que o voto obrigatório é uma boa medida para o presidente Chávez, fã de democracias ditatoriais, implantar na Venezuela; em Portugal, prefiro ser livre de escolher se voto ou se não voto. Segundo, como é evidente, na prática é irrelevante a escolha entre a abstenção e o voto em branco/nulo. A única diferença seria, quanto muito, simbólica: a abstenção simboliza, para as pessoas que acham que votar é um dever, ignorância face ao que se passa na política (embora nunca expliquem por que não pode significar um cansaço total do sistema político e das suas pessoas), enquanto o voto em branco significa que se está informado, mas que não se gosta de nenhum dos candidatos. Desta forma, o voto em branco seria um voto de protesto, ao contrário da abstenção. O que me leva ao terceiro ponto: embora seja consensual que, na prática, o voto em branco é irrelevante, estas eleições mostraram que, ao contário do que muita gente apregoa, simbolicamente também é. Entre as 19h30 e as 23h30 do dia de ontem, fui mudando de canal entre a RTP e a SIC. Não ouvi, durante estas quatro horas, nenhuma referência aos votos em branco, ao contrário dos valores da abstenção, que mereceram comentários por parte de todos os partidos. Afinal de contas, para o bem ou para o mal, a verdade é que ninguém liga ao voto em branco.

10) Se o estado actual da política portuguesa é uma lástima, não me parece que o futuro verá melhores dias. Os comentários dos membros das juventudes partidárias que ouvi ontem e os cartazes que têm espalhados pelo país revelam claramente que a falta de ideias e a demagogica vão continuar na política durante muito tempo. Pior, muitos evidenciam já o pior defeito que pode acontecer às pessoas que se metem na política partidária: estão muito mais interessados em acenar que sim a tudo o que o partido diz do que em reflectir sobre ideias concretas. Num artigo relativamente recente, Miguel Sousa Tavares conta uma história interessante: "[um] repórter do Público (…) teve a genial ideia de ler a alguns deles [membros da JS] passagens do programa eleitoral do PS: os jovens socialistas ouvidos declararam apoiar inteiramente essas passagens. Só que elas não eram do programa do PS… mas sim do do PSD!". Enfim, como disse Medina Carreira há uns tempos, nenhum jovem capaz hoje em dia se mete na política. E com razões para isso.

Saturday, September 26, 2009

Gato Fedorento Esmiuça os Sufrágios

O Ricardo Araújo Pereira acertou em cheio quando, no primeiro programa Gato Fedorento Esmiuça os Sufrágios, começou logo por afirmar que este programa era muito semelhante ao do PS: "é feito por indivíduos que os portugueses conhecem há quatro anos e meio e a quem já acharam mais graça". Num programa dedicado a esmiuçar os outros, ficou bem começar com um pouco de auto-crítica, ainda por cima bastante acertada.

Quando o Gato Fedorento surgiu pela primeira vez, foi uma incrível lufada de ar fresco. Ainda por cima, creio que faço parte da geração que mais impacto sofreu com esta novidade no humor. Nessa altura, o fantasma dos programas de qualidade de Herman José já há muito desaparecera no horizonte, e a principal comédia que era feita estava concentrada numa série de tipos da SIC Radical que se limitavam a mandar umas quantas piadas repetitivas, previsíveis, cansativas e, consequentemente, sem piada nenhuma. Falo de pessoas como Fernando Alvim, Nuno Markl, Rui Unas, etc. E isto para não falar da típica comédia feita pelos canais generalistas, desde os Malucos do Riso aos Batanetes.

Neste contexto, surge o Gato Fedorento no programa Perfeito Anormal, programa que, aliás, não pontuava propriamente pela comédia de qualidade. No entanto, o pequeno tempo de antena que Nuno Markl e Fernando Alvim deram a Ricardo Araújo Pereira e José Diogo Quintela foi suficiente para perceber o potencial destes dois comediantes. Alguns dos melhores sketchs que eles produziram vêm mesmo dessa fase embrionária do Gato Fedorento.

Quando, finalmente, tiveram um programa só deles, foi um sucesso que não vale a pena estar descrever. O que importa referir é que, pouco depois de se ter iniciado a terceira série de sketchs, o Gato Fedorento meteu férias para mais tarde voltar num novo formato. Quando regressaram com o Diz que é uma espécie de magazine, pouca gente gostou, pelo menos entre os antigos fãs. Claramente que aqueles quatro tipos não tinham o mesmo à vontade para um programa deste tipo como para os típicos sketchs que costumavam realizar.

Então, começou a dizer-se que nunca devia ter sido abandonado o formato inicial. Talvez seja verdade, mas não deixa de ser uma crítica algo injusta. É preciso relembrar que, na altura da série Lopes da Silva, os próprios sketchs já começavam a soar a repetitivo, e muitos não tinham grande piada. A mudança de formato foi, na minha opinião, uma tentativa de reformulação do seu estilo de forma a poderem voltar a alcançar a alta qualidade humorística do início. Essa tentativa, está claro, falhou; mas penso ser algo injusto criticá-los por terem querido mudar de formato, pois, verdade seja dita, o formato anterior começava já a ficar gasto.

Apesar de tudo, o programa, junto com o seu sucessor (o muito idêntico Zé Carlos), ainda duraram algum tempo e, de alguma forma, tinham audiências, embora talvez de um público com características diferentes do inicial. Mesmo assim, a certa altura tiraram novas férias prolongadas, e voltaram agora com o Gato Fedorento Esmiuça os Sufários. Neste regresso, apostaram em mais uma mudança de formato, sobre a qual sentia alguma curiosidade, mas ao mesmo tempo tinha receio: até que ponto é que o Gato Fedorento conseguia fazer humor político de qualidade?

Em todos os sentidos, o novo programa surpreendeu-me. É muito mais refinado humoristicamente que os seus antecessores, é um formato inovador em Portugal (embora comum nos EUA), e tem sido um enorme sucesso de audiências. Claro que continua com imperfeições: algumas das "notícias" deveriam ter um trabalho humorístico muito mais cuidado (mas com um programa diário é normal que isso aconteça), Ricardo Araújo Pereira é muito mais bonzinho com alguns convidados do que com outros, e muitas vezes que aparecem Miguel Góis, Tiago Dores ou José Diogo Quintela, fica a sensação de que só estão lá porque têm que aparecer para fazer número. De qualquer forma, confirma-se que Ricardo Araújo Pereira é um humorista genial, que conduz brilhantemente o programa.

De qualquer forma, é importante referir que, de facto, os portugueses não estão habituados a um programa político deste género. O modelo de Jon Stewart já tem barbas nos EUA, mas em Portugal começou agora com o Gato Fedorento. Muitos afirmaram e continuam a afirmar, em particular o presidente Cavaco Silva, que o fez antes do primeiro programa, que é preciso ter muito cuidado quando se mistura política e humor. Esta tentativa de colocar a política num pedestal de forma a que, ao contrário de outros temas, não deva estar sujeita à crítica humorística, revela uma de duas coisas: ou a nossa incapacidade de nos rirmos com nós próprios, ou a nossa falta de confiança política.

Ou talvez ambas.

Teorias

No Gato Fedorento de há uns dias, passaram um video de uma analista política a analisar o debate de José Sócrates com Manuela Ferreira Leite. Defendia que, ao analisar um debate, não se pode focar apenas nas palavras, mas também nos gestos e nos pormenores de atitudes que nem ao diabo lembram.

Mas é particularmente espantoso quando refere que todos os estudos dizem que quando uma pessoa coloca as mãos numa certa posição banalíssima, significa que não está a acreditar no que lhe está a ser dito. Há várias questões que gostaria de colocar à analista: Porquê?; Quais estudos?; Como foram efectuados de forma a chegar a essas conclusões?; Qual é a seriedade deles?

O cepticismo é sempre essencial, mas especialmente quando há política à mistura, e algumas teorias obscuras das ciências sociais e humanas, assumidas como verdades que, a bem dizer, carecem de um suporte minimamente credível. A propósito, convém relembrar este video.

Sunday, September 20, 2009

Anti-Democracia, para Jerónimo de Sousa



Quando li este título no Público, fiquei chocado. Pensei que Jerónimo de Sousa se referia ao país das Caraíbas. Mas não. Anti-democracia é o que faz a câmara socialista em Cuba do Alentejo. Afinal o mundo pode continuar a rodar...

Thursday, September 17, 2009

como é possível dizer quando se está apenas a imaginar?






Esta notícia lembrou-me um excerto do livro que dá título a este blog:

Como tantas vezes fazia quando estava à espera do meu pai, a minha mãe mudara de roupa e pintara-se. O Sol estava quase a pôr-se e ficámos os dois a olhar para além das águas encrespadas.
- Há pessoas a lutarem além, a matarem-se umas às outras - disse ela, fazendo um aceno vago em direcção ao outro lado do Atlântico.
- Eu sei - retorqui, depois de perscrutar o horizonte. - Estou a vê-las.
- Não estás nada - replicou minha mãe, quase com severidade, antes de voltar para a cozinha. - Estão demasiado longe.
Fiquei a perguntar a mim próprio como poderia ela saber se eu as estava a ver ou não. Fixando ao longe os olhos semicerrados, pensara distinguir uma estreita faixa de terra no horizonte, sobre a qual figuras minúsculas andavam aos empurrões e encontrões e travavam duelos com espadas, como faziam nos meus livros de quadradinhos. Mas talvez ela tivesse razão. Talvez fosse só imaginação, qualquer coisa como os monstros que, de quando em quando, ainda me acordavam de um sono profundo a meio da noite, com o pijama empapado em suor e o coração aos saltos.
Como é possível dizer quando se está apenas a imaginar?

Saber responder a esta questão é da maior importância, e Carl Sagan procura encontrar-lhe uma resposta durante o resto do livro. Da mesma forma, defende que tal resposta deve ser ensinada às pessoas, e que a ciência tem um papel importantíssimo nessa divulgação. Na ciência e no método científico residem a resposta a esta pergunta.

Wednesday, September 16, 2009

os loucos que mudam o mundo

Como não vejo televisão, não costumo ter noção da qualidade dos anúncios. No entanto, sempre que vou ao cinema dou-me conta que, cada vez que lá vou, estão piores. Neste panorama importa, pois, recordar um dos melhores anúncios de sempre.

Tuesday, September 15, 2009

Com poder vem responsabilidade

A frase do título deste post é verdade para tudo na vida, inclusive (e sobretudo) para a política. O partido do governo e os principais partidos da oposição, por serem os mais influentes na apresentação de propostas e na elaboração das leis, têm mais poder, e como tal é necessário que sejam altamente responsáveis. Dos partidos mais pequenos, podemos conhecer as suas posições ideológicas, mas quanto a propostas concretas não estamos, de uma forma geral, muito informados. Grande parte do seu tempo de antena, na Assembleia e na comunicação social, é dedicado a criticar as propostas dos principais partidos, o que também é necessário em política.

O Bloco de Esquerda, tendo actualmente 8 deputados na Assembleia, é um desses partidos. Critica intensivamente os outros (focando-se no PS e no PSD), e conhecemos bem a sua posição quanto a questões ideológicas que estão muito em voga, mas não temos um conhecimento profundo de propostas concretas que defendem, não por não estarem disponíveis ao público, mas porque não são muito difundidas pela comunicação social e por o BE não ter influência suficiente para as colocar em prática. Enfim, um partido pequeno focado em criticar não precisa de ter uma grande responsabilidade, pois esta não é testada através de críticas e da opinião pública em relação a propostas concretas.

No entanto, o BE tem crescido imenso. Nas primeiras eleições em que participou teve 1,7% dos votos. Entretanto, foi subindo em todas as eleições, e é possível que nas próximas legislativas chegue aos 10% dos votos, e que mais que duplique o número de actuais deputados. Com isto, tornar-se-á a terceira força política. Terá mais influência, mais poder. E, com isso, exige-se mais responsabilidade. E essa responsabilidade vai ser testada, na medida em que as suas propostas vão começar a estar mais difundidas e a ser criticadas intensivamente pelos outros partidos e pelas pessoas em geral.

O primeiro teste ocorreu no debate entre José Sócrates e Francisco Louçã. O primeiro-ministro levou o programa do BE sublinhado e com as críticas preparadas a propostas concretas. O próprio Louçã ficou surpreendido com esta posição de Sócrates, pelo facto deste ter "dedicado este debate às suas perplexidades, dúvidas e angústias sobre o programa dum partido que é o Bloco de Esquerda". Possivelmente, Louçã achava que iria para sempre ficar imúne a críticas, e que esse direito seria exclusivo seu. Está enganado: a partir de agora, com a crescente influência que começa a ter, o BE será alvo de testes à sua responsabilidade. Vai ter que saber defender as suas propostas.

Estes debates esclareceram, aliás, duas coisas muito importantes: primeiro, Francisco Louçã não tem a mesma facilidade a defender-se de críticas que tem a criticar; segundo, o dirigente do BE afirma-se como estando à esquerda do PCP. Por exemplo, no debate com Manuela Ferreira Leite, Louçã defendeu que o sistema de saúde privado não deve existir de todo, enquanto Jerónimo de Sousa disse, noutro debate, que se o sistema público não conseguir satisfazer as necessidades de toda a população, devem ser feitos acordos com os hospitais privados para que se garanta o acesso de todos à saúde. Mais: nesse tal debate com José Sócrates, este leu o seguinte no programa do BE:

Devem ser eliminados integralmente todos os incentivos fiscais aos produtos privados de poupança para a reforma ou às despesas da educação e da saúde, nas áreas em que haja oferta pública.

Como o primeiro-ministro em seguida apontou, e bem, dado que há oferta pública em praticamente todas as áreas, as deduções que as pessoas fazem serão quase todas eliminadas, de acordo com esta proposta. Esta medida seria, como é evidente, gravíssima para a classe média. Francisco Louçã obviamente que patinou em cima de gelo a tentar defendê-la. A resposta não convenceu Sócrates e, aposto, para aí 90% dos portugueses. O que é natural: afinal de contas, estas propostas são de uma irresponsabilidade atroz.

É verdade que o futuro do BE parece áureo: tem crescido muito por ter vozes determinadas e com vontade; insiste nas chamadas causas fracturantes, que embora não sejam muito relevantes para um país que precisa de profundas reformas em áreas fundamentais, atingem muito mais facilmente o público alvo; é um partido muito querido entre os jovens, o que lhe confere alguma garantia de futuro; e irá em princípio tornar-se a terceira força política. Mas, a continuar assim, não conseguirá vôos mais altos, e coloco mesmo a questão de se, a médio prazo, conseguirá manter a votação que em princípio vai obter nas próximas eleições legislativas.

Agora, por ter mais influência, o BE será mais criticado e as suas propostas concretas começarão a espalhar-se mais rapidamente pelas pessoas, pelo que terá que demonstrar que é um partido responsável. E, nesse sentido, o futuro já não parece tão agradável: no primeiro teste a essa responsabilidade chumbou com péssima nota, e o radicalismo de Louçã está a tornar-se demasiado evidente. Como tal, é provável que, futuramente, as pessoas comecem a pensar duas vezes antes de votar no BE. "Louçã" e "responsabilidade" não só não rimam, como são quase antónimos.

Sunday, September 13, 2009

Richard Feynman e as Regras do Xadrez


Richard Feynman, para além de todas as suas características peculiares que já aqui enunciei, era também um professor espantoso, que recorria a comparações, metáforas e analogias fantásticas para explicar os mais variados assuntos científicos.

Deixo aqui aquela que é a minha analogia preferida de todas as que o ouvi usar: a forma como, aos poucos, os cientistas vão descobrindo as leis da física, assemelha-se à forma como descobririamos as regras de um jogo de xadrez se apenas de vez em quando tivessemos a possibilidade de olhar para a disposição das pessoas num tabuleiro ao longo de um jogo.

Saturday, September 12, 2009

Richard Feynman e as Ciências Sociais



A opinião de Richard Feynman sobre falar sem saber do que se fala, coisa que considera que acontece muito nas ciências sociais. Acho particularmente interessante quando ele afirma "I know how hard it is to get to know something". É realmente preciso muita coisa: é preciso imaginação para considerar as possibilidades; é preciso arranjar forma de as testar; é preciso que sejam sujeitas a testes altamente cuidadosos; é preciso que a teoria e a prática estejam plenamente de acordo.

De facto, concordo com Feynman: quando vejo muitos cientistas sociais a falar, tenho a sensação de que não passaram por nada para saberem aquilo que defendem; sinto que o dizem por intuição. Sem tirar mérito, claro, a alguns estudos essenciais levados a cabo pelas ciências sociais. O problema é que não há um mecanismo de detecção de erros como nas ciências exactas, e isso dá liberdade a algumas pessoas para dizerem o que lhes apetece. E contra isso, a única arma de defesa é o bom senso de cada um.

Wednesday, September 9, 2009

Richard Feynman e as Coincidêndias

A propósito de neste momento ser dia 09/09/09 e 09:09:09, lembrei-me de uma frase de Feynman sobre coincidências com números.

You know, the most amazing thing happened to me tonight. I was coming here, on the way to the lecture, and I came in through the parking lot. And you won't believe what happened. I saw a car with the license plate ARW 357. Can you imagine? Of all the millions of license plates in the state, what was the chance that I would see that particular one tonight? Amazing!

Afinal de contas, uma combinação é tão provável como qualquer outra. Mas uma sequência de 09's salta mais à vista.

Richard Feynman e as suas Lectures on Physics

Existe um livro de Richard Feynman que se intitula The Character of Physical Law, em que, ao longo de vários capítulos, aborda as mais variadas leis físicas e as suas aplicações. Tal livro baseia-se nas famosas Lectures on Physics que deu em Cornell em 1964. A Microsoft comprou os direitos de tais lições e, a propósito do Projecto Tuva, disponibilizou agora algumas.

Feynman é uma personagem sem igual no mundo da ciência. O seu contributo para a física teórica durante o século XX é extraordinário, e valeu-lhe até um prémio nobel. Foi ele o criador dos famosos Diagramas de Feynman. Era um homem muito divertido e com sentido de humor inigualável, como se percebe por estes videos e pelo seu livro Surely You're Joking, Mr. Feynman. Porém, no seu livro Nem Sempre a Brincar, Sr. Feynman mostra o seu lado mais triste. Tocava bongo como hobbie, mas foi um grande crítico do desprezo dos artistas pela ciência, dizendo que sempre que toca bongo em público, ninguém se lembra de dizer que também trabalha em física teórica, e que isso talvez seja porque "respeitamos mais as artes do que as ciências". E foi também um grande divulgador da ciência e do prazer de passar a fronteira do desconhecido para a descoberta de novos conhecimentos.

Portanto, uma pessoa única, cujas Lectures on Physics recomendo muito.

Saturday, September 5, 2009

outra vez C. P. Snow

Mesmo depois de 50 anos, o ensaio As Duas Culturas, de C. P. Snow, continua muito popular e frequentemente citado. O físico teórico Lawrence M. Krauss cita-o num artigo da Scientific American deste mês, intitulado C. P. Snow in New York. No seu texto, Krauss começa por comentar como a visão de Snow evoluiu para a actualidade:

Earlier this summer marked the 50th anniversary of C. P. Snow's famous "Two Cultures" essay, in which he lamented the great cultural divide that separates two great areas of human intellectual activity, "science" and "the arts". Snow argued that practitioners in both areas should build bridges to further the progress of human knowledge and to benefit society.

Alas, Snow's vision has gone unrealized. Instead literary agent John Brockman has posited a "third culture", of scientists who communicate directly with the public about their work in media such as books without the intervening assistance of literary types. At the same time, many of those in the humanities, arts and politics remain content living within the walls of science illiteracy.

Krauss explica este fenómeno por várias razões, entre elas a seguinte: scientific illiteracy is not a major impediment to success in business, politics and the arts. E acrescenta algo que me parece particularmente importante:

At the university level, science is too often seen as something needed merely to fulfill a requirement and then to be dispensed with. To be fair, the same is often the case for humanities courses for science and engineering majors, but the big difference is that these students cannot help but be bombarded by literature, music and art elsewhere as part of the pop culture that permeates daily life. And what's more, individuals often proudly proclaim that science isn't their thing, almost as a badge of honor to indicate their cultural bent.

Na segunda parte do artigo, Krauss aborda o sempre polémico tema da religião, dizendo que the Templeton Foundation (...) has spent millions annually raising the profile of "big questions", which tend to suggest that science and religious belief are somehow related and should be treated as equals. E, sem papas na língua, remata:

The problem is, they are not. Ultimately, science is at best only consistent with a God that does not directly intervene in the daily operations of the cosmos, certainly not the personal and ancient gods associated with the world's great religions.

Finalmente, o artigo termina assim:

Snow hoped for a world that is quite different from how we live today, where indifference to science has, through religious fundamentalism, sometimes morphed into open hostility about concepts such as evolution and the big bang.

Snow did not rail against religion, but ignorance. (...) the only vague notion of God that may be compatible with science ensure that God is essentially irrelevant to both our understanding of nature and our actions based on it. Until we are willing to accept the world as it is, without miracles that all empirical evidence argues against, without myths that distort our comprehension of nature, we are unlikely to bridge the divide between science and culture and, more important, we are unlikely to be fully ready to address the urgent technical challenges facing humanity.

Sublinhados meus.

Friday, September 4, 2009

Aprendendo a aprender...


Uma das áreas do conhecimento em que me sinto claramente deficitado é nas Línguas. A única língua estrangeira que domino é o Inglês, e de resto pouco conheço, mesmo superficialmente. Há pouco mais de um mês atrás, decidi que tinha de mudar isso, por duas razões: primeiro, porque no mundo actual, em que a comunicação entre países é cada vez mais importante, saber falar várias línguas é essencial; segundo, porque considero fascinante que se conheçam diversas línguas.

Como tal, fiz duas coisas: comecei a aprender alemão com um professor, e sueco sozinho. O alemão é uma língua muito importante, e como tal a razão por que a quero aprender parece-me que deve ser evidente. Já o sueco pode causar estranheza à maioria das pessoas. Afinal, apenas cerca de 10 milhões de pessoas falam sueco. É muito pouco utilizada fora da Suécia, e mesmo lá dentro o Inglês domina em muitas empresas. Por isso, reconheço, aprender sueco é mais um capricho meu do que uma necessidade prática. Mas, como o país me fascina como nenhum outro, como Estocolmo é um dos meus principais locais de eleição para continuar estudos, e como acredito que o conhecimento não tem que ser justificado pelo seu interesse prático, decidi começar a aprender a língua.

Contudo, todos sabemos que aprender línguas é um desafio gigante. Mesmo com um apoio constante por parte de um professor, a aprendizagem de uma língua não se faz num mês ou num ano. É, na verdade, um processo custoso e demorado que leva anos. Imagine-se, então, a dificuldade de se aprender uma língua sozinho. Mesmo assim, aceitei o desafio. Comecei por estudar utilizando um programa muito famoso, que diz utilizar as técnicas mais modernas de ensino de uma língua estrangeira. Não tem absolutamente nada em inglês ou em português a ensinar ou a explicar, apenas imagens e palavras em sueco. A chave para o sucesso é repetição, repetição, repetição, até que inconscientemente as coisas entrem na cabeça, ao compararmos as palavras com as imagens.

Passado umas semanas, embora consciente de que a aprendizagem de uma língua é um processo muito lento, achei que este estava a ser ainda mais lento do que devia. Na verdade, para além de umas palavrinhas soltas, eu não sabia absolutamente nada de sueco. Decidi, então, que tinha de mudar o meu processo de aprendizagem. Adquiri uma gramática, emprestaram-me um livro já com várias décadas chamado Teach Yourself Swedish, e pus mãos à obra novamente. Este livro, ao contrário do programa de computador que eu estava a usar, tinha comentários em inglês, que não só traduziam as palavras suecas, como também explicavam a gramática, a construção frásica, etc.

Surpresa das surpresas: passado vários dias, sentia que já sabia uma data de coisas de sueco. E desta vez a usar um livro quase da idade da minha avó, em vez de um programa que utiliza as tecnologias mais modernas! Mas a verdade é que conseguia construir frases simples e, usando as regras que me tinham sido ensinadas pelo livro, podia até adivinhar como se construiriam outras palavras e frases que ainda não tinha lido. Se tivesse continuado a utilizar o programa original, por esta altura continuaria eu desesperadamente à procura de alguma ordem e algum sentido no meio das palavras aleatórias que me iam sendo debitadas, tal e qual como alguém que anda às apalpadelas à procura de um interruptor, quando se encontra numa casa escura que desconhece. Não será melhor deixar que quem conhece a casa nos acenda a luz?


A fotografia do início do post é do interior da Biblioteca Nacional Sueca, em Estocolmo, tirada no dia 30 de Dezembro de 2008.

Wednesday, September 2, 2009

Politizações (III)

Um artigo da Única desta semana (29 de Agosto) sobre psicologia evolutiva e as principais críticas que lhe são dirigidas pela ecologia comportamental diz, numa secção denominada ciência vs ideologia, o seguinte:

Longe de ceder em alguma coisa, os psicólogos evolucionistas mudaram a batalha da esfera da ciência, onde o terreno é pouco firme, para a da ideologia, onde as fanfarronadas e os insultos podem ter bastante sucesso. Miller, da UNM, por exemplo, queixa-se que os críticos "convenceram uma parte substancial do público instruído de que a psicologia evolutiva é uma conspiração da extrema-direita" e lamenta que acreditar na psicologia evolutiva seja visto "como um sinal de conservadorismo, desagrado e egoísmo." Lamentavelmente, é por aí que a discussão tem passado. "Disseram os críticos que eles não passavam de marxistas motivados pelo ódio à psicologia evolutiva", diz Buller. "Essa é uma razão por que deixei de seguir a disciplina: a forma como a ciência está a ser conduzida é mais semelhante a uma campanha política."

É mais um exemplo de como a discussão que deve ser científica pode passar tão facilmente para uma discussão política sem relevância. Tenho, infelizmente, que concordar com o matemático e biólogo polaco Jacob Bronowski, quando afirmou: no science is immune to the infection of politics and the corruption of power.