O Ricardo Araújo Pereira acertou em cheio quando, no primeiro programa Gato Fedorento Esmiuça os Sufrágios, começou logo por afirmar que este programa era muito semelhante ao do PS: "é feito por indivíduos que os portugueses conhecem há quatro anos e meio e a quem já acharam mais graça". Num programa dedicado a esmiuçar os outros, ficou bem começar com um pouco de auto-crítica, ainda por cima bastante acertada.
Quando o Gato Fedorento surgiu pela primeira vez, foi uma incrível lufada de ar fresco. Ainda por cima, creio que faço parte da geração que mais impacto sofreu com esta novidade no humor. Nessa altura, o fantasma dos programas de qualidade de Herman José já há muito desaparecera no horizonte, e a principal comédia que era feita estava concentrada numa série de tipos da SIC Radical que se limitavam a mandar umas quantas piadas repetitivas, previsíveis, cansativas e, consequentemente, sem piada nenhuma. Falo de pessoas como Fernando Alvim, Nuno Markl, Rui Unas, etc. E isto para não falar da típica comédia feita pelos canais generalistas, desde os Malucos do Riso aos Batanetes.
Neste contexto, surge o Gato Fedorento no programa Perfeito Anormal, programa que, aliás, não pontuava propriamente pela comédia de qualidade. No entanto, o pequeno tempo de antena que Nuno Markl e Fernando Alvim deram a Ricardo Araújo Pereira e José Diogo Quintela foi suficiente para perceber o potencial destes dois comediantes. Alguns dos melhores sketchs que eles produziram vêm mesmo dessa fase embrionária do Gato Fedorento.
Quando, finalmente, tiveram um programa só deles, foi um sucesso que não vale a pena estar descrever. O que importa referir é que, pouco depois de se ter iniciado a terceira série de sketchs, o Gato Fedorento meteu férias para mais tarde voltar num novo formato. Quando regressaram com o Diz que é uma espécie de magazine, pouca gente gostou, pelo menos entre os antigos fãs. Claramente que aqueles quatro tipos não tinham o mesmo à vontade para um programa deste tipo como para os típicos sketchs que costumavam realizar.
Então, começou a dizer-se que nunca devia ter sido abandonado o formato inicial. Talvez seja verdade, mas não deixa de ser uma crítica algo injusta. É preciso relembrar que, na altura da série Lopes da Silva, os próprios sketchs já começavam a soar a repetitivo, e muitos não tinham grande piada. A mudança de formato foi, na minha opinião, uma tentativa de reformulação do seu estilo de forma a poderem voltar a alcançar a alta qualidade humorística do início. Essa tentativa, está claro, falhou; mas penso ser algo injusto criticá-los por terem querido mudar de formato, pois, verdade seja dita, o formato anterior começava já a ficar gasto.
Apesar de tudo, o programa, junto com o seu sucessor (o muito idêntico Zé Carlos), ainda duraram algum tempo e, de alguma forma, tinham audiências, embora talvez de um público com características diferentes do inicial. Mesmo assim, a certa altura tiraram novas férias prolongadas, e voltaram agora com o Gato Fedorento Esmiuça os Sufários. Neste regresso, apostaram em mais uma mudança de formato, sobre a qual sentia alguma curiosidade, mas ao mesmo tempo tinha receio: até que ponto é que o Gato Fedorento conseguia fazer humor político de qualidade?
Em todos os sentidos, o novo programa surpreendeu-me. É muito mais refinado humoristicamente que os seus antecessores, é um formato inovador em Portugal (embora comum nos EUA), e tem sido um enorme sucesso de audiências. Claro que continua com imperfeições: algumas das "notícias" deveriam ter um trabalho humorístico muito mais cuidado (mas com um programa diário é normal que isso aconteça), Ricardo Araújo Pereira é muito mais bonzinho com alguns convidados do que com outros, e muitas vezes que aparecem Miguel Góis, Tiago Dores ou José Diogo Quintela, fica a sensação de que só estão lá porque têm que aparecer para fazer número. De qualquer forma, confirma-se que Ricardo Araújo Pereira é um humorista genial, que conduz brilhantemente o programa.
De qualquer forma, é importante referir que, de facto, os portugueses não estão habituados a um programa político deste género. O modelo de Jon Stewart já tem barbas nos EUA, mas em Portugal começou agora com o Gato Fedorento. Muitos afirmaram e continuam a afirmar, em particular o presidente Cavaco Silva, que o fez antes do primeiro programa, que é preciso ter muito cuidado quando se mistura política e humor. Esta tentativa de colocar a política num pedestal de forma a que, ao contrário de outros temas, não deva estar sujeita à crítica humorística, revela uma de duas coisas: ou a nossa incapacidade de nos rirmos com nós próprios, ou a nossa falta de confiança política.
Ou talvez ambas.