A frase do título deste post é verdade para tudo na vida, inclusive (e sobretudo) para a política. O partido do governo e os principais partidos da oposição, por serem os mais influentes na apresentação de propostas e na elaboração das leis, têm mais poder, e como tal é necessário que sejam altamente responsáveis. Dos partidos mais pequenos, podemos conhecer as suas posições ideológicas, mas quanto a propostas concretas não estamos, de uma forma geral, muito informados. Grande parte do seu tempo de antena, na Assembleia e na comunicação social, é dedicado a criticar as propostas dos principais partidos, o que também é necessário em política.
O Bloco de Esquerda, tendo actualmente 8 deputados na Assembleia, é um desses partidos. Critica intensivamente os outros (focando-se no PS e no PSD), e conhecemos bem a sua posição quanto a questões ideológicas que estão muito em voga, mas não temos um conhecimento profundo de propostas concretas que defendem, não por não estarem disponíveis ao público, mas porque não são muito difundidas pela comunicação social e por o BE não ter influência suficiente para as colocar em prática. Enfim, um partido pequeno focado em criticar não precisa de ter uma grande responsabilidade, pois esta não é testada através de críticas e da opinião pública em relação a propostas concretas.
No entanto, o BE tem crescido imenso. Nas primeiras eleições em que participou teve 1,7% dos votos. Entretanto, foi subindo em todas as eleições, e é possível que nas próximas legislativas chegue aos 10% dos votos, e que mais que duplique o número de actuais deputados. Com isto, tornar-se-á a terceira força política. Terá mais influência, mais poder. E, com isso, exige-se mais responsabilidade. E essa responsabilidade vai ser testada, na medida em que as suas propostas vão começar a estar mais difundidas e a ser criticadas intensivamente pelos outros partidos e pelas pessoas em geral.
O primeiro teste ocorreu no debate entre José Sócrates e Francisco Louçã. O primeiro-ministro levou o programa do BE sublinhado e com as críticas preparadas a propostas concretas. O próprio Louçã ficou surpreendido com esta posição de Sócrates, pelo facto deste ter "dedicado este debate às suas perplexidades, dúvidas e angústias sobre o programa dum partido que é o Bloco de Esquerda". Possivelmente, Louçã achava que iria para sempre ficar imúne a críticas, e que esse direito seria exclusivo seu. Está enganado: a partir de agora, com a crescente influência que começa a ter, o BE será alvo de testes à sua responsabilidade. Vai ter que saber defender as suas propostas.
Estes debates esclareceram, aliás, duas coisas muito importantes: primeiro, Francisco Louçã não tem a mesma facilidade a defender-se de críticas que tem a criticar; segundo, o dirigente do BE afirma-se como estando à esquerda do PCP. Por exemplo, no debate com Manuela Ferreira Leite, Louçã defendeu que o sistema de saúde privado não deve existir de todo, enquanto Jerónimo de Sousa disse, noutro debate, que se o sistema público não conseguir satisfazer as necessidades de toda a população, devem ser feitos acordos com os hospitais privados para que se garanta o acesso de todos à saúde. Mais: nesse tal debate com José Sócrates, este leu o seguinte no programa do BE:
Devem ser eliminados integralmente todos os incentivos fiscais aos produtos privados de poupança para a reforma ou às despesas da educação e da saúde, nas áreas em que haja oferta pública.
Como o primeiro-ministro em seguida apontou, e bem, dado que há oferta pública em praticamente todas as áreas, as deduções que as pessoas fazem serão quase todas eliminadas, de acordo com esta proposta. Esta medida seria, como é evidente, gravíssima para a classe média. Francisco Louçã obviamente que patinou em cima de gelo a tentar defendê-la. A resposta não convenceu Sócrates e, aposto, para aí 90% dos portugueses. O que é natural: afinal de contas, estas propostas são de uma irresponsabilidade atroz.
É verdade que o futuro do BE parece áureo: tem crescido muito por ter vozes determinadas e com vontade; insiste nas chamadas causas fracturantes, que embora não sejam muito relevantes para um país que precisa de profundas reformas em áreas fundamentais, atingem muito mais facilmente o público alvo; é um partido muito querido entre os jovens, o que lhe confere alguma garantia de futuro; e irá em princípio tornar-se a terceira força política. Mas, a continuar assim, não conseguirá vôos mais altos, e coloco mesmo a questão de se, a médio prazo, conseguirá manter a votação que em princípio vai obter nas próximas eleições legislativas.
Agora, por ter mais influência, o BE será mais criticado e as suas propostas concretas começarão a espalhar-se mais rapidamente pelas pessoas, pelo que terá que demonstrar que é um partido responsável. E, nesse sentido, o futuro já não parece tão agradável: no primeiro teste a essa responsabilidade chumbou com péssima nota, e o radicalismo de Louçã está a tornar-se demasiado evidente. Como tal, é provável que, futuramente, as pessoas comecem a pensar duas vezes antes de votar no BE. "Louçã" e "responsabilidade" não só não rimam, como são quase antónimos.