Monday, September 28, 2009

Rescaldo

Algumas notas soltas sobre as eleições legislativas de 27 de Setembro de 2009:

1) A passada noite de eleições espelha plenamente as razões por que cada vez menos suporto a política portuguesa. As reacções dos partidos aos resultados chegaram a roçar o ridículo. Em vez de se preocuparem em fazer uma análise séria do que tinha ocorrido, ou seja, analisar os pontos positivos e objectivos alcançados vs pontos negativos e coisas a melhorar, os dirigentes preocuparam-se apenas em elaborar discursos demagógicos, interpretando os resultados à luz do que lhes dava jeito.

2) José Sócrates disse que foi uma "extraordinária vitória" do PS, mas esqueceu-se que, em quatro anos, perdeu cerca de meio milhão de votantes; não se mostrou desiludido com isso, nem demonstrou interesse em recuperá-los.

3) Francisco Louçã exaltou a grande vitória que obteve pelo facto do BE ter sido o partido que mais subiu, mas esqueceu-se de referir que, face às expectativas criadas pelas sondagens e às metas que ele próprio estabeleceu, o 4º lugar lhe sabe a desilusão. Para além disso, os cinco deputados de diferença para o CDS não são coisa pouca, especialmente dado que o CDS faz maioria com o PS, e por isso poderá ter maior influência na governação, enquanto o BE não.

4) Jerónimo de Sousa e outros militantes do PCP insistiram na força da CDU por ter subido um deputado. No entanto, isso não esconde um facto histórico que, para eles, deve ser perturbante: pela primeira vez desde o 25 de Abril, a CDU é a 5ª força política. Face à descida do PS e ao maior número de votantes em relação a 2005, o CDS e o BE dispararam, mas a CDU não. Porquê? Era isto que gostava de ter ouvido Jerónimo de Sousa esclarecer.

5) Apesar da enorme descida do PS em relação a 2005, há um facto inegável: foi o Partido Socialista que ganhou as eleições. No entanto, que eu tenha ouvido, todos, à excepção de Manuela Ferreira Leite, se esqueceram de fazer essa simples constatação, que não teria ficado nada mal. O problema é que na política portuguesa paira a ideia de que congratular os feitos conseguidos pelo adversário é um sinal de fraqueza e de falta de convicção pelos seus ideais. A propósito, recomendo que se reveja o discurso de John McCain quando perdeu as eleições para Barack Obama, em que não só congratulou como elogiou o seu adversário (que, aliás, bem o merecia). Esse tipo de atitude é, de facto, comum nos Estados Unidos.

6) Membros da CDU e do BE disseram repetidas vezes que a perda da maioria absoluta por parte do PS demonstra que venceram a luta contra a política de direita. A lógica destas afirmações é muito difícil de entender: se, para estes partidos, o PS faz política de direita, então terão certamente a mesma opinião do PSD e do CDS. Ora, estes três partidos representam mais de 80% dos votos. Onde está, de acordo com a visão dos partidos da extrema-esquerda, a derrota da "política de direita"?

7) Alberto João Jardim disse que "o país endoidou" por ter voltado a dar a vitória ao PS, tendo em conta a má governação de José Sócrates ao longo destes quatro anos e meio. Jardim tem razão numa coisa: o país parece, em muitos sentidos, que anda doido. No entanto, o que AJJ se esqueceu de explicar foi a razão por que isso acontece. Os portugueses voltaram a dar a vitória a Sócrates porque, se este teve uma má governação, então pode dizer-se que Manuela Ferreira Leite teve uma péssima liderança à frente do PSD. Quanto aos restantes partidos, o populismo demagógico de Paulo Portas e o espectáculo circense de Francisco Louçã só funcionam, para a maioria das pessoas, como voto de protesto; já nas ideias da CDU, um partido que ainda vive há 50 anos atrás, cada vez menos gente confia. Por isso, sim, "o país endoidou", mas foi forçado a "endoidar" pelo facto da classe política em Portugal estar nas ruas da amargura.

8) Maria José Nogueira Pinto reagiu em tom de vitória aos resultados, dizendo que não via derrota em lado nenhum. Fiquei na dúvida: ou Nogueira Pinto pensava que ainda estava no Gato Fedorento, ou então que já estava nas autárquicas.

9) Existe, por parte de muitas pessoas, um discurso politicamente correcto e de uma certa superioridade moral que defende que votar é um dever. Algumas destas pessoas, a favor do voto obrigatório, vêem na abstenção quase um crime político. "Se não se gosta de nenhum candidato", afirmam, "então que se vote em branco". Em primeiro lugar, acho que o voto obrigatório é uma boa medida para o presidente Chávez, fã de democracias ditatoriais, implantar na Venezuela; em Portugal, prefiro ser livre de escolher se voto ou se não voto. Segundo, como é evidente, na prática é irrelevante a escolha entre a abstenção e o voto em branco/nulo. A única diferença seria, quanto muito, simbólica: a abstenção simboliza, para as pessoas que acham que votar é um dever, ignorância face ao que se passa na política (embora nunca expliquem por que não pode significar um cansaço total do sistema político e das suas pessoas), enquanto o voto em branco significa que se está informado, mas que não se gosta de nenhum dos candidatos. Desta forma, o voto em branco seria um voto de protesto, ao contrário da abstenção. O que me leva ao terceiro ponto: embora seja consensual que, na prática, o voto em branco é irrelevante, estas eleições mostraram que, ao contário do que muita gente apregoa, simbolicamente também é. Entre as 19h30 e as 23h30 do dia de ontem, fui mudando de canal entre a RTP e a SIC. Não ouvi, durante estas quatro horas, nenhuma referência aos votos em branco, ao contrário dos valores da abstenção, que mereceram comentários por parte de todos os partidos. Afinal de contas, para o bem ou para o mal, a verdade é que ninguém liga ao voto em branco.

10) Se o estado actual da política portuguesa é uma lástima, não me parece que o futuro verá melhores dias. Os comentários dos membros das juventudes partidárias que ouvi ontem e os cartazes que têm espalhados pelo país revelam claramente que a falta de ideias e a demagogica vão continuar na política durante muito tempo. Pior, muitos evidenciam já o pior defeito que pode acontecer às pessoas que se metem na política partidária: estão muito mais interessados em acenar que sim a tudo o que o partido diz do que em reflectir sobre ideias concretas. Num artigo relativamente recente, Miguel Sousa Tavares conta uma história interessante: "[um] repórter do Público (…) teve a genial ideia de ler a alguns deles [membros da JS] passagens do programa eleitoral do PS: os jovens socialistas ouvidos declararam apoiar inteiramente essas passagens. Só que elas não eram do programa do PS… mas sim do do PSD!". Enfim, como disse Medina Carreira há uns tempos, nenhum jovem capaz hoje em dia se mete na política. E com razões para isso.