No início do século XX, surgiram duas visões opostas sobre a mecânica quântica: de um lado, a chamada interpretação de Copenhaga (Bohr, Heisenberg); do outro, físicos como Schrödinger e Einstein. Enquanto os primeiros acreditavam numa versão probabilística da física de partículas, os segundos defendiam que (pelas famosas palavras de Einstein) "[Deus] não joga aos dados".
A interpretação de Copenhaga da mecânica quântica tem talvez as consequências mais contra-intuitivas que a física alguma vez nos deu a conhecer. Por exemplo, ao contrário do que acontece no mundo macroscópico, uma partícula pode estar em dois sitios ao mesmo tempo. Isto origina vários paradoxos, que os físicos que discordavam dessa interpretação fizeram questão de referir. Dois dois mais famosos são o EPR (Einstein-Podolsky-Rosen) paradox e o gato de Schrödinger. Este último consiste no seguinte:
Dentro de uma caixa blindada e opaca, lá está ele [o gato]. Ao pé, mas inacessíveis ao gato, há um frasco cheio de gás de cianeto, uma amostra de material radioactivo, um martelo e um detector de radiação (estes dois últimos objectos ligados um ao outro por um circuito eléctrico). O material radioactivo tem uma probabilidade de 50 por cento de emitir uma partícula de radiação ao longo de uma hora - e a mesma probabilidade de não emitir nada. Passado esse tempo, se a partícula tiver sido emitida, ela terá sido detectada pelo detector, que terá accionado o martelo, que terá esmagado o frasco, que terá libertado o veneno, que terá morto o gato. Se não tiver sido emitida, nada terá acontecido ao animalzinho de estimação, que continuará vivo.
Só que, como o material radioactivo se rege pelas leis da mecânica quântica, ele pode ter emitido a radiação e não a ter emitido, dando origem ao que os físicos chamam uma "sobreposição" desses dois estados. E como os estados de saúde possíveis do gato estão intrinsecamente ligados a esse fenómeno quântico pelo "mecanismo diabólico" da experiência (a expressão é do próprio Schroedinger), o gato também se encontra, simultaneamente, em dois estados radicalmente diferentes: está vivo e morto ao mesmo tempo.
De acordo com um fascinante artigo do Público (de onde retirei a descrição da experiência do gato de Schrödinger), cientistas do Instituto Max Planck tencionam levar a cabo uma experiência semelhante, mas com um vírus, em vez de com um gato. No artigo, Carlos Fiolhais (Universidade de Coimbra) e Yasser Omar (Universidade Técnica de Lisboa) comentam as possiveis consequências físicas e filosóficas que se poderão retirar desta experiência. Recomendo a leitura do artigo.
De qualquer forma, independente das conclusões que se irão retirar depois da experiência ter sido levada a cabo, importa referir que, hoje em dia, a interpretação de Copenhaga leva grande vantagem. Mesmo que ainda existam paradoxos por resolver, teremos de aceitar que o mundo das partículas vai, de facto, contra a noção que temos do mundo macroscópico. É bem provável que Einstein estivesse errado: Deus joga mesmo aos dados.