Já aqui esclareci a minha opinião sobre as redes sociais que existem na internet, tentanto explicar por que razões a sua popularidade não me agrada. Um dos problemas que referi foi o facto das pessoas cada vez mais estarem a perder a noção do que deve pertencer à vida privada de cada um e do que deve ser do domínio público. Actualmente, em parte graças à facilidade de comunicação que a internet nos trouxe, as pessoas não têm quaisquer problemas (até gostam de o fazer) em expor a sua vida privada.
A minha motivação para retomar esse ponto em particular surgiu depois de ter lido este post de Helena Damião no De Rerum Natura. Recomendo a leitura do texto, mas de qualquer forma, para resumir, são criticadas algumas pedagogias educativas que obrigam os alunos a revelar a sua vida privada e a discuti-la em público. Por exemplo, "em diálogo com o grupo", é-lhes pedido para exprimirem "o que pensam e sentem sobre si próprios, como pessoas e como membros da sua família". Como Helena Damião comenta, e muito bem,
O que é que as crianças aprendem com isto? Aprendem a expor-se, a serem expostas e a expor as pessoas que lhe são próximas ao conhecimento público.
Isto não é Pedagogia, nem Ética, nem Educação. Isto é uma coisa que não devemos tolerar.
Infelizmente, este tipo de atitude não é exclusiva da educação. Se fosse, seria altamente criticada pela sociedade em geral. Mas não o é, porque cada vez mais se caminha no sentido de destruir o conceito de privacidade nas respectivas vidas pessoais. Para a maioria das pessoas, este tipo de pedagogias educativas não faz qualquer confusão: porque é que os alunos não hão-de revelar a sua vida privada na escola, à frente de todos os colegas, se muitos (embora mais velhos) o fazem de bom grado no Hi5, no Facebook, etc.? Generalizou-se então esse conceito, e chegou-se à conclusão de que revelar a vida privada em público deve ser o normal para uma pessoa sã, que com isso até demonstra ter facilidade de comunicação com os outros.
O problema de todo este raciocínio lógico é que muita gente se esquece que continuam a existir pessoas que dispensam brincar à intimidade. E, em particular, há muitas crianças da escola primária que, com todo o direito, preferem guardar para si o que fazem com a sua família, assim como o que pensam sobre ela e sobre si mesmos. Como tal, só posso concordar com Helena Damião quando cita Karl Popper, dizendo que "há coisas que não podemos tolerar": esta é certamente uma dessas coisas.
Actualmente, as redes sociais estão no auge da popularidade, e é através delas que se estabelecem milhares de amizades que, na verdade, não o são. Essas "amizades" são escolhidas através de fotografias e de listas de preferências, e muitas vezes têm apenas como objectivo encontrar parceiros amorosos ou apenas sexuais, que mudam ao sabor do vento, ou apenas de um clique no rato. A vida de cada um, em particular das relações humanas que vai criando, é então partilhada e exposta com a maior das facilidades, ou seja, já não estamos apenas a expor a nossa própria vida, mas também a dos que nos são próximos. Da mesma forma, um aluno educado segundo as práticas pedagógicas que acima referi não só expõe a sua vida, mas também a dos seus familiares.
Numa sociedade que está a destruir o direito à intimidade, não deveria ser o papel da educação restabelece-lo, ao invés de contribuir para o seu declínio?