Não posso deixar de chamar a atenção para o excelente artigo desta semana de Miguel Sousa Tavares (MST) para o Expresso. Partilho da mesma preocupação em relação às consequências das grandes redes sociais que existem na internet, como o Facebook, embora este seja só um entre muitos exemplos.
Estes sites têm cada vez mais participantes, que, como MST apontou, justificam a sua participação activa com os mais variados argumentos pouco credíveis. Tal falta de credibilidade deixa em crer que esses argumentos são, na realidade, desculpas para esconder as verdadeiras razões por que participam. MST assume o carácter especulativo do discurso quando disserta sobre quais razões escondidas serão essas, mas a verdade é que o seu discurso faz completo sentido:
Na verdade, só há uma resposta que eu entenderia: estão no Facebook porque não conseguem enfrentar a solidão e vivemos um tempo em que, quanto mais se comunica, quanto mais se fala, quanto mais se apregoa, mais a solidão é funda e irremediável. E o Facebook é o instrumento perfeito para criar a ilusão de que não se está sozinho, mas acompanhado por uma vastidão de amigos. Basta escolher um 'perfil', carregar num botão e esperar que um desconhecido nos aceite como amigo. E, se esse não aceitar, há mais uns milhões, o universo todo, para tentar de novo. Quem disse que é difícil fazer amigos? Que é difícil encontrar pessoas interessantes? Que, hoje em dia, não há tempo para conhecer pessoas novas? Que as relações humanas são complicadas? Eis o instrumento que veio pôr fim a tudo isso. Agora, com o Facebook, só está só quem quer.
Essa explicação eu entenderia: é séria, é real, é humilde. Só que, essa, ninguém a dá. Menos ainda se atreverão a confessar outro tipo de razões pelas quais eu desconfio que muita dessa Humanidade perde horas preciosas das suas vidas amarrada à coisa (embora todos jurem também que raramente lá estão). As razões inconfessadas são estas (e isto é uma teoria muito pessoal): a) - para arranjar parceiros amorosos ou apenas sexuais; b) - para se exibirem a si mesmos, às suas vidas, às fascinantes personagens que todos se imaginam ser; e c) - para vasculharem a vida dos outros.
Em seguida, MST analisa as consequências da proliferação deste método de criar relações que não o são. Apresenta diversos pontos, alguns um pouco exagerados, mas não posso deixar de considerar que a hipérbole talvez seja apropriada. De qualquer forma, toca num aspecto que me parece particularmente relevante e preocupante: a total perda de noção do que é o espaço íntimo e privado, face ao que é o espaço público.
Vocês, os 'amigos' do Facebook, conseguiram transformar em realidade o pesadelo do Orwell e o sonho de todas as polícias: montaram uma rede onde todos se cruzam e expõem, onde é fácil descobrir o paradeiro de cada um, mesmo quando ele não quer, onde se estabelecem relações amorosas por magnetismo virtual, se desvendam traições e adultérios, se partilham segredos no meio da multidão, se revelam as fotografias e as andanças que deveriam ser íntimas, e onde se faz tudo isso com uma compulsão de drogados, viciados em voeyurismo e exibicionismo. Vocês, caros 'amigos' e 'amigas', transformaram o Big Brother numa realidade planetária. Mas com a diferença de que não é ele que vos vigia contra vontade, mas vocês que se lhe oferecem voluntariamente.
O facto de, actualmente, a esfera íntima e a esfera pública se confundirem desta forma perturbante, juntamente com o desenvolvimento destas redes sociais em que se fazem amigos como se bebe um copo de água, são responsáveis pela progressiva perda de significado das relações humanas. O verdadeiro significado de uma relação pessoal, e o que a torna tão especial, está, em parte, na intimidade que ali se esconde, e que a torna única. Num mundo em que a intimidade está à vista de todos, e em que os amigos estão à distância de um clique no rato, o que é especial e único torna-se, inevitavelmente, vulgar e sem importância.
No entanto, perto do fim do texto, discordo de MST, que quase vê o Facebook como o anunciar do fim do mundo. Eu, pelo contrário, quero acreditar que o que se vai passar é diferente. Quero acreditar que, no fundo, as pessoas continuam a saber que um ser humano é demasiado complexo para ser resumido num perfil de uma página, e que este não só não mostra, de todo, o que uma pessoa é, como pode ser completamente enganador; quero acreditar que as pessoas continuam a ter consciência de que listas de preferências e gostos semelhantes podem não ter absolutamente nada que ver com a ligação que pode vir a existir entre essas duas pessoas; quero acreditar que as pessoas continuam a preferir o carácter pessoal e espontâneo de um olhar e de um sorriso em determinado momento do que o carácter artificial das fotografias; quero acreditar que nunca ninguém vai considerar que conhecer alguém de uma forma tão impessoal como através de perfis e de listas de gostos se aproxima de alguma maneira da extraordinária sensação de quando se conhece alguém de carne e osso, frente a frente, e se sente como essa pessoa pode vir a ser especial.
Finalmente, quero acreditar que quando as pessoas reflectirem e se aperceberem de tudo isto, o Facebook e outros sites idênticos irão perder os seus clientes, e não terão passado de uma moda passageira para esquecer. Mas admito que este pensamento é muito pouco científico: esta minha crença está ainda por confirmar.
EDIT: À conversa com uns amigos sobre este tema, uma amiga lembrou-me que talvez essa minha crença não seja tão infundada. Basta lembrar o IRC, onde o contacto entre pessoas era estabelecido por mero acaso, seleccionando-se aleatoriamente um nick entre centenas. O IRC, no entanto, passou de moda não graças a estas redes sociais que na altura não existiam, mas sim graças ao msn, um excelente modo de comunicação. Talvez, afinal, a minha esperança seja até bastante razoável.