Wednesday, August 12, 2009

A Favor dos Exames Nacionais

Em muitos textos que tenho lido, quase sempre de alunos, mas às vezes também de pais, professores ou de alguns “especialistas” em educação, pode ler-se a expressão Contra os Exames Nacionais. Neste texto, mesmo sabendo que vou contra a corrente do coro da maioria dos alunos, pretendo fazer um manifesto A Favor dos Exames Nacionais, mostrando que os argumentos tipicamente utilizados contra os exames não fazem qualquer sentido.

Um desses argumentos é o de que os exames nacionais, em vez de promoverem a igualdade, acentuam as desigualdades, pelo facto da educação não ser homogénea em todo o país. Não deixa de ser curioso que, no próprio argumento contra os exames, esteja uma das razões por que tem que haver exames nacionais: se a educação fosse igual em todo o lado, seria escusado existirem momentos em que os alunos fossem todos avaliados de forma igual, porque isso já se faria na avaliação contínua. É precisamente pelo facto das realidades das escolas serem tão diferentes que há necessidade de haver exames nacionais.

Mas analisemos com mais pormenor o problema. É evidente que uma turma com alunos com dificuldades não poderá, na avaliação contínua, ser avaliada com a mesma exigência que uma turma de excelentes alunos. O resultado disso seria que os excelentes alunos ficariam limitados pelos critérios de exigência fixados e não iriam progredir ao máximo, enquanto os alunos com mais dificuldades não iriam conseguir acompanhar o ensino.

Porém, temos também que pensar na situação contrária. O objectivo da avaliação, quando se concorre ao Ensino Superior, não é seleccionar aqueles que mais evoluíram (mesmo que continuem com um baixo nível de conhecimentos), mas sim os melhores. É isso que interessa a uma faculdade. Ora, a única forma de o fazer é com critérios de avaliação iguais para todos, isto é, com exames nacionais.

Tudo isto leva-nos a uma conclusão: a avaliação tem que ser criterial e normativa. Defender só a primeira é defender uma falsa igualdade que não selecciona os melhores, mas que apenas distingue a evolução individual de cada um. Defender só a segunda é limitar a aprendizagem tanto dos melhores alunos como daqueles que têm mais dificuldades. Quem é contra exames nacionais, defende que deveria haver apenas a primeira; quem é a favor defende que o modelo mais justo é aquele em que as duas existem simultaneamente. Como tal, acusações de radicalismo a quem defende os exames parecem-me altamente infundadas.

Para além disso, muitas vezes quem está contra os exames parece querer fazer passar a ideia de que estes acentuam a desigualdade, pois favorecem os ricos, que têm mais acesso à educação, e prejudicam os pobres, que têm menos. A falsidade deste argumento é tal que, na verdade, o que acontece é exactamente o oposto. Ainda no mês passado, Stephen P. Heyneman, professor de Política Educativa Internacional na Universidade de Vanderbilt, Tennesee, nos EUA, dizia que “testar é produzir igualdade”, isto é, testar é dar a oportunidade aos que são mais pobres de se afirmarem na sociedade.

Que isso acontece já deveria ser óbvio, na medida em que a maior parte dos grandes génios dos últimos séculos não vieram de famílias ricas, mas sobretudo da classe média, e muitos deles de famílias pobres. De facto, estudos efectuados em diversos países confirmam que as crianças de famílias pobres conseguem, muitas vezes, bons resultados. E a razão é a seguinte: “Quanto mais pobre, maior o impacto da educação. Quanto mais rico, maior o impacto da família.”, explica Heyneman.

Outro argumento típico é o de que é uma injustiça priveligiar-se o momento do exame, que dura umas poucas horas, ao trabalho continuado feito ao longo de vários anos. Este argumento falha desde logo pelo facto de ser mentira: não se priveligia o exame! O exame nacional, nas disciplinas em que existe, vale 30% da nota. Quanto à média das provas de ingresso, essa sim vale no máximo 50% da nota de candidatura. E vale muito bem! É preciso não esquecer que os alunos que concorrem a um curso resolveram todos as mesmas provas de ingresso, e a única forma justa que a faculdade tem de os seriar é sabendo que foram todos avaliados segundo os mesmos critérios. No entanto, acontece que só 50% da nota é que está nessas condições; a outra metade foi obtida segundo critérios que podem variar bastante de um aluno para outro. Como é que, se se reduzir o peso das provas de ingresso, a faculdade garante que está a seriar os melhores alunos?

Para além disso, este argumento mais uma vez vira o feitiço contra o feiticeiro. É precisamente pelo facto de duas horas não serem suficientes nem significativas para um aluno mostrar os seus conhecimentos, que é necessário que existam mais exames nacionais e repartidos por mais anos. Desta forma, espera-se que estes vão preparando psicologicamente o aluno para os resolver, e que a nota final fique repartida por vários exames. Um dia de azar, acontece. Vários, ao longo de três anos, é demasiada coincidência.

No entanto, mesmo considerando a situação presente, em que um único exame pode determinar 50% da nota, exagera-se ao defender a injustiça que isso provoca. Por duas razões. Primeiro, porque é costume tratarem-se as variáveis “trabalho continuado ao longo de vários anos” e “momento do exame” como se fossem completamente independentes. Na verdade, estão altamente ligadas. Mesmo considerando que há dias de azar e que esse dia pode calhar ser no dia do exame, essas variações são pontuais e não invalidam a estreita relação que existe entre as duas variáveis acima: de uma forma geral, quanto maior for o esforço e o estudo ao longo dos vários anos da disciplina, melhor correrá o exame. Nenhum atleta olímpico deixa de treinar pelo facto de poder ter um azar no dia da competição, pois sabe que quanto mais treinar, mais hipóteses tem de ficar bem classificado.

A segunda razão tem que ver com o facto de quase tudo na vida ser assim, grandes eventos definirem-se em curtos momentos, e ninguém ficar escandalizado com isso. Por isso, não percebo o porquê de tanto alarido em torno do facto de o mesmo acontecer com os exames. Um músico solista pode ter treinado muitas horas por dia durante largos meses para um concurso, mas o momento da verdade – a prova final – pode-lhe correr mal. Contudo, o júri só estava lá para o ouvir no dia da prova, e não para contar as horas que ele estudou. E lá por isso ninguém defende que ele leve um registo de horas de estudo e que isso lhe garanta o prémio. Outro exemplo: uma equipa de futebol pode ser em tudo superior a outra – treinou mais, jogou melhor em campo – mas o adversário teve a sorte de marcar mais golos. Mas não cabe na cabeça de ninguém que a taça vá para quem perdeu. É, pois, importante não esquecer a conclusão do parágrafo anterior, de que vale sempre a pena o esforço, pois este aumenta muito as hipóteses do momento decisivo – seja um exame, uma prova ou um jogo – correr bem. Ou, como disse Thomas Jefferson, “Acredito muito na sorte, pois percebi que quanto mais trabalho, mais sorte tenho”.

Enfim, de uma coisa não restam dúvidas: não há sistemas de avaliação perfeitos. Mas há sistemas de avaliação mais injustos e mais justos; menos credíveis e mais fidedignos. Para mim, depois de todas as razões que enunciei, é claríssimo que um sistema que se preocupa individualmente com os alunos, mas que não cai no erro de se esquecer do que cada um sabe em comparação com o outro; que utiliza avaliação contínua e exames nacionais em pesos idênticos; que valoriza a importância do esforço, do rigor, da exigência e da dificuldade em vez de promover o facilitismo e a injustiça, é um ensino adequado, embora, como qualquer outro, imperfeito. Mas, como questionava há umas semanas Filipe Oliveira, professor na FCT e vice-presidente da SPM, a propósito do mesmo tema “por não existirem termómetros perfeitos deve deixar-se de medir a temperatura?”*.

* O texto de onde retirei a citação de Filipe Oliveira é um dos melhores que li nos últimos temos sobre a importância dos exames nacionais, explicitando-a com argumentos claríssimos, ao mesmo tempo que arrasa uma entrevista de Leonor Santos ao Público, "especialista" em educação, cuja opinião é tão vaga que não se percebe muito bem o que pensa da existência de exames nacionais, nem enuncia que modelo de avaliação prefere e considera mais justo. O texto pode ser lido aqui e a continuação aqui.