Desde que há exames nacionais que as disciplinas mais desastrosas do ensino secundário têm sido, salvo raras excepções, de ciências: matemática (embora não seja específica da área de ciências), físico-química e biologia-geologia. Soluções para subir as médias destas disciplinas só vi uma: o facilitismo nos exames de matemática nos últimos anos, que puseram as médias acima do 10 (o ano passado atingiu até o 14 para alunos internos). Ou seja, ano após ano deparamo-nos constantemente com a mesma realidade: o ensino das ciências está um desastre.
Razões para isto? Penso que a razão principal é muito bem explicada por José Manuel Fernandes, num texto de 2001 muito cidado (que inclusivé já foi citado neste blog), em que diz que aprender Física e aprender Matemática exige esforço, exige concentração, exige trabalho, exige fazer muitos exercícios, exige testar muitas vezes os conhecimentos, ginasticar o raciocínio. Ora, os alunos não só não fazem nada disso, como estão habituados a outra coisa, que JMF chama a arte nacional do desenrascanço, que pode vestir de belas palavras uma resposta ignorante em Humanidades - mas esbarra sem apelo nem agravo perante um problema concreto de Física ou de Matemática. É preciso, pois, consciencializar os alunos do esforço que estas disciplinas necessitam.
Não quero, no entanto, abordar neste texto a razão principal, mas sim outra razão mais lateral, que me parece mesmo assim bastante importante. Esta conclusão não retiro de qualquer estudo, mas apenas da minhas experiência pessoal e de um pouco de bom-senso, e como tal a sua validade é bastante questionável. De qualquer forma, tenho-me vindo a aperceber de que a maioria das pessoas que estão no agrupamento de ciências não gostam de ciências.
Os agrupamentos de artes e de economia são bastante específicos, e só tendem a escolhe-los quem de facto gosta das respectivas áreas. Em humanidades, salvo alguns casos que vão para lá para fugir à matemática, reparo que a maioria das pessoas tem um sincero interesse pelas letras e pela história, e são muitas vezes dotados de uma boa cultura literária e humanística, embora completamente ignorantes em cultura científica.
Já o agrupamento de ciências é abrangente nos temas que lecciona e nos cursos superiores que permite seguir. E, pensando mais a longo prazo, é o que mais saídas profissionais permite. O que tenho verificado é que muitos alunos escolhem esse agrupamento ou porque não sabem o que hão-de escolher mas têm consciência de que o agrupamento de ciências é o que menos lhes reduz as escolhas, ou por pressão dos pais, que também estão conscientes disso.
Tenho muita facilidade em encontrar pessoas apaixonadas pela área em que estão em artes e humanidades. Curiosamente, tenho muito mais dificuldade em fazê-lo em ciências, um agrupamento que tem, em geral, muito mais alunos. Embora seja uma causa menor, penso que esse ambiente de desinteresse também contribui para o insucesso de muitos alunos às disciplinas de ciências.
No entanto, acontece que o caso toma contornos ainda mais curiosos. Há também muitos alunos que, embora tenham excelentes notas nestas disciplinas, não têm grande interesse por elas. Lutam pelas notas porque sabem que a empregabilidade para determinados cursos de saúde e engenharia é elevadíssima, mas o seu interesse pela área é diminuto. E o caso mais evidente é medicina: alguém acredita que os alunos que entram para o curso são todos apaixonados por medicina?
É esta realidade que, pessoalmente, tenho encontrado. A sua validade é questionável pelo facto do meu meio ser reduzido, mas cada vez estou mais convencido de que assim é. E entristece-me o facto de, no agrupamento de ciências, o interesse pela empregabilidade exceda quase sempre o interesse pela área. As pessoas que encontro que na verdade gostam de ciências são muito poucas. Não percebo porquê, e partilho o espanto de João Lobo Antunes quando questiona, num texto que já aqui citei, será que não há já ninguém que saiba revelar a estas inteligências virgens a extraordinária beleza da Matemática, criação dos homens e dos deuses?