Sunday, October 25, 2009

O vírus de Schrödinger


No início do século XX, surgiram duas visões opostas sobre a mecânica quântica: de um lado, a chamada interpretação de Copenhaga (Bohr, Heisenberg); do outro, físicos como Schrödinger e Einstein. Enquanto os primeiros acreditavam numa versão probabilística da física de partículas, os segundos defendiam que (pelas famosas palavras de Einstein) "[Deus] não joga aos dados".

A interpretação de Copenhaga da mecânica quântica tem talvez as consequências mais contra-intuitivas que a física alguma vez nos deu a conhecer. Por exemplo, ao contrário do que acontece no mundo macroscópico, uma partícula pode estar em dois sitios ao mesmo tempo. Isto origina vários paradoxos, que os físicos que discordavam dessa interpretação fizeram questão de referir. Dois dois mais famosos são o EPR (Einstein-Podolsky-Rosen) paradox e o gato de Schrödinger. Este último consiste no seguinte:

Dentro de uma caixa blindada e opaca, lá está ele [o gato]. Ao pé, mas inacessíveis ao gato, há um frasco cheio de gás de cianeto, uma amostra de material radioactivo, um martelo e um detector de radiação (estes dois últimos objectos ligados um ao outro por um circuito eléctrico). O material radioactivo tem uma probabilidade de 50 por cento de emitir uma partícula de radiação ao longo de uma hora - e a mesma probabilidade de não emitir nada. Passado esse tempo, se a partícula tiver sido emitida, ela terá sido detectada pelo detector, que terá accionado o martelo, que terá esmagado o frasco, que terá libertado o veneno, que terá morto o gato. Se não tiver sido emitida, nada terá acontecido ao animalzinho de estimação, que continuará vivo.

Só que, como o material radioactivo se rege pelas leis da mecânica quântica, ele pode ter emitido a radiação e não a ter emitido, dando origem ao que os físicos chamam uma "sobreposição" desses dois estados. E como os estados de saúde possíveis do gato estão intrinsecamente ligados a esse fenómeno quântico pelo "mecanismo diabólico" da experiência (a expressão é do próprio Schroedinger), o gato também se encontra, simultaneamente, em dois estados radicalmente diferentes: está vivo e morto ao mesmo tempo.

De acordo com um fascinante artigo do Público (de onde retirei a descrição da experiência do gato de Schrödinger), cientistas do Instituto Max Planck tencionam levar a cabo uma experiência semelhante, mas com um vírus, em vez de com um gato. No artigo, Carlos Fiolhais (Universidade de Coimbra) e Yasser Omar (Universidade Técnica de Lisboa) comentam as possiveis consequências físicas e filosóficas que se poderão retirar desta experiência. Recomendo a leitura do artigo.

De qualquer forma, independente das conclusões que se irão retirar depois da experiência ter sido levada a cabo, importa referir que, hoje em dia, a interpretação de Copenhaga leva grande vantagem. Mesmo que ainda existam paradoxos por resolver, teremos de aceitar que o mundo das partículas vai, de facto, contra a noção que temos do mundo macroscópico. É bem provável que Einstein estivesse errado: Deus joga mesmo aos dados.

Problema de Monty Hall

O problema de Monty Hall é um dos mais interessantes (aparentes) paradoxos de probabilidades. Popularizado pelo programa Let's Make a Deal, e entretanto muito debatido em revistas científicas e não só, o problema de Monty Hall consiste no seguinte:

Imagine que está num concurso e que tem à sua frente três portas. Duas delas, escondem bodes; uma, o prémio - um carro. O apresentador diz-lhe que escolha uma porta. Depois de escolhida a sua porta, o apresentador, que sabe onde está o carro, abre uma das outras duas portas que não escolheu - uma que contenha um bode. Neste momento, tem uma porta aberta, com um bode; e duas portas fechadas, sendo uma delas a que escolheu. O apresentador dá-lhe então a oportunidade de mudar de porta para a outra que se encontra fechada. Vale a pena aproveitar a oportunidade?

A resposta é contra-intuitiva, mas de facto vale a pena trocar de porta. Trocando, a probabilidade de acertar no carro é 2/3, enquanto não trocando é 1/3. Muitas explicações para o porquê destes números deixam grande parte das pessoas na mesma. No entanto, este video costuma ser esclarecedor. É, na minha opinião, a melhor explicação para o problema.


Saturday, October 17, 2009

Ranking das Escolas Secundárias

Como já vai acontecendo há oito anos, foi mais uma vez disponibilizado o ranking SIC/Expresso das escolas do ensino secundário do país, seriadas pela média dos exames nacionais, sendo também revelada a classificação interna dos alunos. Sobre os dados que consultei, gostaria de destacar dois e comentá-los.

1) No TOP20 existem apenas 3 escolas públicas, e nenhuma entre as primeiras 10. Ao olhar para estes números, devemos reflectir sobre as razões que fazem com que isto aconteça, e como corrigi-lo. Parece-me óbvio, desde logo, que o sistema educativo público tem problemas. Como me parece irrealista pensar que os professores do ensino privado são melhores que os professores do ensino público, essa não deve ser a causa desses problemas. Na minha opinião, a causa tem que ver sobretudo com o espírito de motivação e de esforço que muitas escolas privadas conservam. Pelo contrário, na maioria das escolas públicas, com a figura de autoridade do professor completamente desfeita, torna-se complicado passar esse espírito aos alunos. No entanto, é um problema corrigível, sendo o principal passo dar mais poder de decisão às escolas.

2) A classificação nos exames em comparação com a classificação interna não é tão proporcional como deveria. Fazendo uma média das 10 primeiras escolas, o factor de proporcionalidade é de 1.09; para as 10 escolas a meio da tabela é de 1.27; para as 10 últimas é de 1.57. Gostaria de verificar como varia o factor de proporcionalidade à medida que a posição na tabela vai descendo, mas estes números já nos permitem fazer uma estimativa muito boa. Perante isto, acho lamentável que se defenda a abolição dos exames nacionais, ou que estes devem ter menor peso. Como podemos observar, as notas dos alunos nas piores escolas são inflaccionadas de forma injusta. Quando procuramos casos em particular, assusta ainda mais: por exemplo, a escola que está em 405º tem uma média de classificação interna mais elevada do que a que está em 22º! Mesmo sendo verdade que se trata de um caso extremo, há outros exemplos de injustiças que não deixam dúvidas: se virmos a tabela entre o número 100 e o 400, por exemplo, podemos ver a diferença entre a evolução da classificação interna e a dos exames, e tirar conclusões. É claramente preciso pensar sobre se os exames não devem ter mais peso na classificação geral do aluno.

Monday, October 12, 2009

Direito à Intimidade

aqui esclareci a minha opinião sobre as redes sociais que existem na internet, tentanto explicar por que razões a sua popularidade não me agrada. Um dos problemas que referi foi o facto das pessoas cada vez mais estarem a perder a noção do que deve pertencer à vida privada de cada um e do que deve ser do domínio público. Actualmente, em parte graças à facilidade de comunicação que a internet nos trouxe, as pessoas não têm quaisquer problemas (até gostam de o fazer) em expor a sua vida privada.

A minha motivação para retomar esse ponto em particular surgiu depois de ter lido este post de Helena Damião no De Rerum Natura. Recomendo a leitura do texto, mas de qualquer forma, para resumir, são criticadas algumas pedagogias educativas que obrigam os alunos a revelar a sua vida privada e a discuti-la em público. Por exemplo, "em diálogo com o grupo", é-lhes pedido para exprimirem "o que pensam e sentem sobre si próprios, como pessoas e como membros da sua família". Como Helena Damião comenta, e muito bem,

O que é que as crianças aprendem com isto? Aprendem a expor-se, a serem expostas e a expor as pessoas que lhe são próximas ao conhecimento público.
Isto não é Pedagogia, nem Ética, nem Educação. Isto é uma coisa que não devemos tolerar.

Infelizmente, este tipo de atitude não é exclusiva da educação. Se fosse, seria altamente criticada pela sociedade em geral. Mas não o é, porque cada vez mais se caminha no sentido de destruir o conceito de privacidade nas respectivas vidas pessoais. Para a maioria das pessoas, este tipo de pedagogias educativas não faz qualquer confusão: porque é que os alunos não hão-de revelar a sua vida privada na escola, à frente de todos os colegas, se muitos (embora mais velhos) o fazem de bom grado no Hi5, no Facebook, etc.? Generalizou-se então esse conceito, e chegou-se à conclusão de que revelar a vida privada em público deve ser o normal para uma pessoa sã, que com isso até demonstra ter facilidade de comunicação com os outros.

O problema de todo este raciocínio lógico é que muita gente se esquece que continuam a existir pessoas que dispensam brincar à intimidade. E, em particular, há muitas crianças da escola primária que, com todo o direito, preferem guardar para si o que fazem com a sua família, assim como o que pensam sobre ela e sobre si mesmos. Como tal, só posso concordar com Helena Damião quando cita Karl Popper, dizendo que "há coisas que não podemos tolerar": esta é certamente uma dessas coisas.

Actualmente, as redes sociais estão no auge da popularidade, e é através delas que se estabelecem milhares de amizades que, na verdade, não o são. Essas "amizades" são escolhidas através de fotografias e de listas de preferências, e muitas vezes têm apenas como objectivo encontrar parceiros amorosos ou apenas sexuais, que mudam ao sabor do vento, ou apenas de um clique no rato. A vida de cada um, em particular das relações humanas que vai criando, é então partilhada e exposta com a maior das facilidades, ou seja, já não estamos apenas a expor a nossa própria vida, mas também a dos que nos são próximos. Da mesma forma, um aluno educado segundo as práticas pedagógicas que acima referi não só expõe a sua vida, mas também a dos seus familiares.

Numa sociedade que está a destruir o direito à intimidade, não deveria ser o papel da educação restabelece-lo, ao invés de contribuir para o seu declínio?

Sunday, October 11, 2009

Obama - Nobel da Paz

A entrega do Prémio Nobel da Paz a Barack Obama criou polémica. Alguns, que vêem no actual presidente americano o caminho para a salvação do planeta, encaram esta entrega com a maior naturalidade. Outros, que desde o início criticam cada movimento de Obama, acham que o comité norueguês (responsável pelo Nobel da Paz) enlouqueceu de vez. Eu, que vejo em Obama um simples mortal com excelentes capacidades de oratória e grande competência, tendo a colocar-me no meio desta discussão.

Desde o início que o discurso de Barack Obama tem em vista o diálogo entre nações como forma de atingir a paz. Nos Estados Unidos da América, conseguiu mobilizar milhões de pessoas descrentes no sistema político em torno desse objectivo comum. Na Europa, onde a esmagadora maioria dos cidadãos criticou a era Bush, Obama é talvez mais popular do que nos EUA. Já depois de ter sido eleito, fez um discurso na Universidade do Cairo onde foi muito aplaudido, apesar de grupos talibãs terem apelado para que o mundo árabe não fosse na conversa de Obama. Esse discurso foi, aliás, excelente: elogiou e criticou tanto o mundo árabe como os EUA; desfez os estereotipos que se associam a cada um deles; e a ambos atribuiu culpas nas fracas relações que existem actualmente, da mesma forma que afirmou que ambos terão de trabalhar em conjunto para as restabelecer. E, finalmente, há que referir o diálogo com a Rússia e o acordo para o desarmamento. Por isso, sim, o que Obama fez tem tido em vista unir o mundo em torno da paz entre as nações.

Contudo, em termos práticos, Barack Obama ainda não tomou medidas verdadeiramente conseguentes para atingir a paz. De facto, a política do presidente para o Iraque não mudou radicalmente, ainda não fechou Guantanamo, é a favor da pena de morte para os crimes mais graves, e sempre se manisfestou a favor da guerra no Afeganistão. É discutível se esta guerra é ou não necessária do ponto de vista estratégico, mas uma coisa é certa: defende-la não é próprio de um Prémio Nobel da Paz. Neste sentido, o prémio não me parece de todo bem atribuido.

De acordo com o próprio Alfred Nobel, o prémio deve ser atribuido à pessoa que "during the preceding year [...] shall have done the most or the best work for fraternity between nations, for the abolition or reduction of standing armies and for the holding and promotion of peace congresses". Barack Obama apenas cumpriu isto parcialmente. Como tal, não posso deixar de acreditar que este prémio foi atribuido, acima de tudo, por motivos políticos.

Friday, October 2, 2009

O cepticismo e os nossos medos

O cepticismo tem vindo a ser defendido por muitos autores de divulgação científica, desde Carl Sagan a Richard Dawkins, entre muitos outros. É evidente, claro, que o cepticismo não pode ser levado ao extremo: questionar tudo é tão inconsequente como não questionar nada. Dominar o cepticismo significa saber diferenciar aquilo que são mitos e crenças, daquilo em que existem provas claras; as coisas que parecem muito pouco prováveis, daquelas que muito dificilmente poderão ser de outra maneira. O cepticismo é a arma que temos para não nos deixarmos enganar, e para estarmos conscientes da realidade do mundo que nos rodeia.

Apesar disso, o cepticismo não está enraizado nas pessoas. Pelo contrário: vivemos numa sociedade dominada por mitos e crenças, o que se comprova pelos estudos estatísticos do que pensam as pessoas sobre evolucionismo vs. criacionismo, pelas histórias de contacto com extra-terrestres, pela importância que muita gente dá à astrologia, pelas crenças em fenómenos paranormais, ou pela cada vez mais famosa teoria de que o homem não foi à Lua, que muitos consideram que pode ser verdadeira. Porquê?

A resposta a esta pergunta - porque é que as pessoas preferem a crença ao cepticismo - pode ser muito complexa, mas penso que uma das razões mais importantes é o medo da morte. Quase todos nós, cépticos e não cépticos, nos deixamos perturbar pela efemeridade da vida. Gostaríamos de viver mais, de ter mais tempo para fazemos as coisas que gostamos. Mas não o temos. Que sentido tem, então, uma vida tão efémera que, com a morte, acaba de uma vez por todas? Para responder a esta perturbante questão, muitas pessoas procuram consolo na crença completamente infundada da vida eterna, entregando-se a ela como se de uma verdade absoluta se tratasse.

O que os cépticos têm defendido é que é preferível estarmos conscientes da realidade, mesmo com os seus defeitos, do que vivermos num mundo de ilusão e de falsas esperanças. No entanto, muitas pessoas não se incomodam com falsas esperanças. Para além disso, os cépticos também dizem que a vida não perde o seu sentido sem crenças divinas e sem mitos paranormais. Alguns, como Carl Sagan, levam o argumento ainda mais longe: o cepticismo e a ciência são mesmo o melhor caminho para o mais espantoso deslumbramento perante o mundo. A propósito, Michael Shermer, no seu excelente livro Porque é que acreditam as pessoas em coisas estranhas, cita o poeta Matthew Arnold para demonstrar esta ideia de que a simplicidade da vida, tal como ela é, deveria ter para nós o maior significado.

Será uma coisa tão insignificante, Ter apreciado o sol,
Ter vivido com leveza na Primavera,
Ter amado, ter pensado, ter feito;
Ter tido verdadeiros amigos, e derrotado incríveis inimigos -
Que devamos fingir uma felicidade De uma data futura incerta,
E enquanto sonhamos com isto, Perdemos o nosso estado presente,
E relegamos para mundos... ainda distantes o nosso descanso?

As crenças generalizadas e a ignorância científica produziram, no passado, as maiores atrocidades, sendo o maior exemplo a caça às bruxas que se iniciou no final da Idade Média. Para que realidades como essa não se repitam, é necessário continuar a cultivar o cepticismo e o método científico, como forma de conseguimos filtrar o que é verdade do que não é; o que é provável do que é improvável; o que é facto e o que é especulação. Ao mesmo tempo, é preciso que se perceba, através de excertos como o que citei acima, que o cepticismo não é inimigo da felicidade. É simplesmente um modo de estar no mundo que nos permite apreciá-lo tal como é, e não como gostariamos que fosse.