Monday, July 27, 2009

Emoção vs. Razão

No início do século XX, um astrónomo chamado Percival Lowell, ao observar Marte, dizia conseguir ver canais gigantescos ao longo da superfície do planeta. Fez desenhos e relatos das suas observações, imaginando que lá habitaria uma civilização sábia e antiga, mas à beira da destruição. Tinham gasto os seus recursos naturais, e os canais serviam para distribuir a pouca água que ainda existia nos pólos a todo o planeta. Quando as sondas Voyager foram enviadas para observar Marte viram muita coisa, mas não quaisquer canais. Lowell via o que queria ver. O desejo de encontrar vida extra-terrestre emocionava-o, o que o fez ver coisas que não estavam lá.

No início do século XVII, Johannes Kepler acreditava num Deus geómetra, e tinha o sonho de explicar o movimento planetário com base nos sólidos perfeitos. Durante anos, tentou provar as suas ideias, em particular a de que as órbitas planetárias seriam circunferências perfeitas. No entanto, as observações não encaixavam na perfeição na sua teoria. O que outros teriam despachado como erro experimental, Kepler acabou por justificar deitando abaixo a sua querida teoria, descobrindo que as órbitas planetárias são, na realidade, elípticas. Tal descoberta foi, para ele, uma desilusão. Apesar disso, o desejo de provar que a sua teoria era correcta não o impediu de, no momento crucial, colocar a razão à frente da emoção.

O filósofo e matemático Bertrand Russell escreveu: “The opinions that are held with passion are always those for which no good ground exists; indeed the passion is the measure of the holder’s lack of rational conviction.” De facto, podemos perceber que a única forma de Lowell justificar as suas crenças seria de forma apaixonada. Kepler, pelo contrário, colocou de lado a paixão para poder caminhar no sentido da verdade. Esta capacidade é, para mim, a essência do pensamento científico.

Monday, July 20, 2009

Os marcianos somos nós.

O professor Carlos Fiolhais (re)publicou hoje, no blog onde escreve regularmente, um texto que tinha publicado pela primeira vez há dez anos atrás, quando a primeira ida do Homem à Lua fez 30 anos. À excepção das correcções que têm que ser feitas em algumas datas para actualizar o texto, continua actual como se tivesse sido escrito hoje. Recomendo vivamente a sua leitura, pois é um dos melhores artigos que li sobre a importância e necessidade da exploração espacial. Sobre o mesmo tema recomendo o fabuloso livro de Carl Sagan, Pale Blue Dot.

Há uns dias, no site da CNN, perguntava-se numa poll que evento tinha sido mais marcante, entre a ida do Homem à Lua, o assassinato de JFK, e outro que não me recordo. O assassinato de JFK ganhava por larga margem (penso que tinha certa de 70%), enquanto a ida do Homem à Lua ficava em segundo (uns 20%). É natural. Embora não fosse vivo na altura (nem quando o Homem foi à Lua), compreendo que esse evento tenha sido das coisas mais marcantes do século XX, sobretudo para Americanos, que certamente representam a maior parte das pessoas que votaram na poll.

O problema, neste caso, é o facto das pessoas pensarem apenas no imediato, no curto prazo. E, nesse aspecto, o assassinato de JFK pode ter sido, para muita gente, mais marcante. Mas no longo prazo, daqui a vários séculos o assassinato de JFK será esbatido por esse absoluto e poderoso marco histórico, científico e tecnológico que foi a ida do Homem à Lua.

O físico teórico Richard Feynman, nas suas famosas Lectures on Physics, faz uma comparação idêntica, mas para o século XIX: From a long view of the history of mankind — seen from, say, ten thousand years from now, there can be little doubt that the most significant event of the 19th century will be judged as Maxwell's discovery of the laws of electrodynamics. The American Civil War will pale into provincial insignificance in comparison with this important scientific event of the same decade. E tudo isto lembra-me também aquela famosa frase de Einstein: Equations are more important to me, because politics is for the present, but an equation is something for eternity.

Mas e agora? Agora que conquistámos a Lua, o que há mais? Esta pergunta tem sido feita muitas vezes desde que a Lua foi pisada pela primeira vez. A nossa sorte é que a Humanidade não tem qualquer dificuldade em responder a esta pergunta. A curiosidade está na nossa natureza. Somos wanderers, como diria Carl Sagan. E, como disse algum cientista (agora de repente não me lembro quem), "os mistérios do Universo são infinitos, para que haja sempre alimento para a mente humana". Para lá da Lua há, pois, todo o espaço "infinito" à nossa espera. E o primeiro passo será Marte.

Desde sempre que a espécie humana especula sobre a Lua. Sempre sentimos um certo fascínio. Toda a gente sabe onde está a Lua. Já saber apontar para Marte, muito poucos sabem. Todavia, Marte sempre nos fascinou, sobretudo na literatura, desde H. G. Wells a Percival Lowell, nos famosos "canais" que conseguia "ver" na superfície de Marte, de onde tirou as mais grandiosas conclusões sobre uma suposta civilização que lá habitaria. Para além disso, ao contrário de Vénus, seria um planeta eventualmente habitável. Por isso, a chegada humana a Marte será sempre marco histórico extraordináio. Carlos Fiolhais diz, a certa altura no seu artigo, para nos alegrarmos, pois a geração mais nova perdeu a Lua, mas vai ganhar Marte. Tal missão ainda não está planeada, mas quero fazer parte, e acredito que posso fazer, da geração que vai ganhar Marte.

A imaginação de Percival Lowell era muito fértil. Viu canais que não existiam, porque queria acreditar que estavam lá. Concluiu, daí, que uma civilização velha e sábia, mas que tinha gasto todos os recursos do planeta, lá habitaria, e que os canais serviriam para levar a água restante que existia nos pólos a todos os locais do planeta. Tal baseou-se em sonhos, e não em factos. Os marcianos, a existir, serão micróbios. É por isso que Fiolhais termina o seu artigo citando Ray Bradbury, dizendo que "os marcianos somos nós", quando lá chegarmos.

É verdade, de facto: a médio prazo, seremos marcianos. E vamos sê-lo por duas razões: primeiro, porque o avanço que ocorre na ciência e na tecnologia ao preparar-se uma viagem espacial deste calibre é brutal, e tem implicações em muitas outras áreas do desenvolvimento humano (assim como aconteceu com a viagem à Lua); segundo, e mais importante, porque não o fazer seria contra a natureza humana, de curiosos, de exploradores, de wanderers. Mas se passarmos do médio para o longo prazo, provavelmente não vai chegar dizer que somos marcianos. Aí, teremos que dizer que os extra-terrestres somos nós. Pelo menos, até encontrarmos outros.

Sunday, July 19, 2009

O nosso presente e o nosso futuro

A política portuguesa está num estado lastimável. Pessoas como Medina Carreira têm chamado a atenção para o facto do estado em que isto está não ser suportável, e que não sabe como isto vai acabar ou como se vai solucionar. Ainda hoje, Miguel Sousa Tavares escreveu, no Jornal de Notícias, "Não sei se Portugal é governável, sinceramente". Esta crise política e social não vai terminar em Portugal quando a crise económica mundial passar.

Num país em que na política o habitual é mentir-se descaradamente (Sócrates disse que não sabia do negócio entre a PT e a TVI) e nada acontece, em que o habitual é o insulto, em que a Assembleia da República em dias de debate tem sempre o som de fundo de urros e de bocas para o ar, evidenciando uma falta de respeito gritante, algo está mal. E, mais grave que tudo isto, os partidos políticos só falam de conversa da treta que não interessa a ninguém, em vez de propostas concretas possíveis de cumprir.

Em Portugal, em que o estado habitual é este, é natural que a atitude de Paulo Rangel na sua despedida da Assembleia da República tenha causado surpresa em todos os sectores. Respeitar (já nem digo elogiar) um adversário é algo raro na política portuguesa. Quem, como eu, acompanha mais ou menos regularmente a política nos EUA, não pode deixar de ficar absolutamente chocado com o facto disto ser possível. Basta ver-se os debates antes das últimas eleições presidenciais nos EUA, ou os discursos de Obama e de McCain no dia das eleições, para se perceber do que falo. A deputada Teresa Caeiro, do CDS, alerta-nos para isso:

Quando o Presidente da República vem à Assembleia, muitas vezes os partidos que não o apoiaram não batem palmas. Nos EUA, o Presidente vai ao Congresso e é aplaudido de pé por todos. Criou-se a ideia de que as convicções parlamentares e partidárias ficam menorizadas quando se reconhece o mérito de outros que não têm as mesmas ideias que nós.

É neste sentido em que iniciativas como esta (noticiada aqui) são muito bem-vindas. Um grupo de cidadãos independentes, descontentes com o estado da política, lançam um manifestos com algumas opiniões, mas sobretudo com questões que consideram que devem ser directamente respondidas pelos partidos políticos.

Embora não concorde a 100% com o conteúdo do manifesto (estranho seria se concordasse), decidi assiná-lo e divulgá-lo porque concordo em absoluto com a urgência de que o debate político deixe de estar assente em numa conversa vazia e em argumentos cíclicos que não nos levam a lado nenhum. Devem, sim, ser colocados em cima da mesa os principais problemas do país, e as consequências que estes podem ter a curto, médio e longo prazo. E, quanto aos partidos políticos, devem responder de forma concreta e directa à forma como os pretendem combater.

Saturday, July 18, 2009

Matemática, Medicina e Educação

O excelente blog De Rerum Natura transcreveu um não menos excelente artigo de João Lobo Antunes sobre a relação da matemática com a medicina, e sobre a importância de um ensino exigente, assumindo que faz um elogio à dificuldade e que é um partidário feroz da dificuldade. O texto é excelente e portanto, também com a devida vénia, deixo o link para o artigo integral, não deixando de citar aqui algumas passagens que me parecem particularmente relevantes. [sublinhados meus]

De facto, como tem sido tantas vezes repetido por Nuno Crato, apontado também como “mau” nesta lamentável “fita” isto é muito grave pela simples razão de ser a matemática um instrumento indispensável à sobrevivência no mundo tecnológico e global em que vivemos. E não falo apenas nas áreas em que a sua aplicação é mais evidente, das engenharias à economia, mas de outras, como a biologia e a medicina, hoje ciências estocásticas e probabilísticas, o que fez a associação americana responsável pela educação médica recomendar recentemente que crescesse a exigência na preparação matemática dos candidatos ao curso médico.

E, já agora, não resisto citar o que o José Cardoso Pires me escreveu numa carta de Novembro de 1996, a propósito do meu primeiro livro de ensaios: “Por causa de três cadeiras não conclui a licenciatura em Matemáticas: hoje estou arrependido porque com certeza escreveria melhor...”. A Matemática e o Português têm, como se vê, uma insondável ligação.

Contudo, a missão da escola não é fazer os alunos felizes, mas sim, como descobri há anos, dar-lhe instrumentos para a construção da sua própria felicidade, além de, como citava T.S. Eliott, fornecer-lhes os meios para ganharem honestamente a vida e equipá-los para desempenhar o seu papel como cidadãos plenos numa democracia. Para isso a escola deve desenvolver o necessário equipamento cognitivo e muscular as qualidades indispensáveis para estas tarefas, preparando-os assim para a “luta do mundo”. A minha tese é pois, muito simples: a escola fácil não cumpre a missão de preparar os alunos para a vida difícil.

Mas, em todo o caso, a pergunta aqui fica: será que não há já ninguém que saiba revelar a estas inteligências virgens a extraordinária beleza da Matemática, criação dos homens e dos deuses, ensinar-lhes não a ler mas sim a saber ler e compreender, a escrever de forma clara e persuasiva, e a respeitar o rigor como forma de procurar a verdade?

Thursday, July 16, 2009

Exame de Matemática A - 2ª fase

Fiquei espantado quando vi, hoje, na SIC, vários alunos a dizer que o exame da 2ª fase de matemática tinha sido de igual dificuldade ou mais fácil do que o da primeira fase, porque já tinha visto o exame e achei-o num grau de dificuldade superior. Saiu, há poucos minutos, o parecer da Sociedade Portuguesa de Matemática, que também concorda com o ligeiro aumento da exigência.

Este exame, embora não seja difícil, consegue algo que os exames de matemática do ensino secundário raramente conseguem: distinguir os alunos excelentes dos alunos bons. Perguntas como a questão 6 deveriam estar sempre presentes, não só porque apresentam funções de forma abstracta, sem contextos forçados à vida real que pouco testam ao raciocínio matemático, mas também porque obrigam os alunos a utilizar argumentos analíticos importantes para chegarem às conclusões pedidas.

Fiquei também surpreso, pela positiva, com a pergunta 3. Demonstrações são raras no ensino secundário, o que claramente é prejudicial ao conhecimento. Preparar os alunos para o raciocínio das demonstrações devia ser algo fundamental no ensino secundário, sobretudo para quem vai seguir estudos em áreas relacionadas com a matemática. Por isso, questões como esta são muito bem-vindas. Sobre isso, a SPM diz, e muito bem, o que segue.

A Sociedade Portuguesa de Matemática tem vindo a chamar a atenção para o progressivo desaparecimento das demonstrações no ensino secundário. Tal facto é incompatível com a boa formação matemática dos alunos. Deste ponto de vista a questão 3. parece-nos adequada e bem concebida, pois para ser correctamente resolvida obriga a algum rigor de raciocínio por parte do aluno. No entanto, os critérios de correcção parecem não exigir este rigor.

Fica também provado, com os comentários gerais da SPM às duas fases de exames, que esta não se limita a lançar críticas a tudo o que sai do Ministério da Educação, mas que produz e sempre produziu críticas construtivas, maioritarias em críticas ou em elogios consoante os próprios exames o mereciam.

Contudo, apesar de, desta vez, os elogios serem vários, a questão 4.1 certamente dará que falar, e não sei que solução será adoptada para resolver este problema. É que a solução dos critérios de correcção apenas contempla uma das três soluções possíveis apresentadas pela Sociedade Portuguesa de Matemática. Enfim, esperemos para ver...

Ensino da Matemática do Passado

O problema do ensino da matemática, pelos vistos, já vem de há muito tempo. Se se mantiver, as próximas gerações também farão contas assim:

Wednesday, July 15, 2009

O GAVE perfeito!

Neste mundo educativo, todos erram. Professores, alunos, pais, comunicação social, sociedades de especialistas em determinadas matérias, como a SPM ou a SPQ, etc. Isto, claro, com uma única excepção. No meio de todos estes seres e organismos imperfeitos que são a culpa do ensino estar no estado em que está, só há um organismo que não erra: o Ministério da Educação e, em particular, o Gabinete de Avaliação Educativa - GAVE.

A Sociedade Portuguesa de Química considerou, num parecer em relação ao exame da 1ª fase de Física e Química A, que existiam incorrecções em determinadas perguntas. O GAVE não concordou (como é óbvio, já que o GAVE não erra), e decidiu responder ao parecer da SPQ, com um comunicado intitulado Sociedade Portuguesa de Química Errou! Sim, este título é de uma notícia do GAVE, não é do 24 Horas.

Lembremos agora o que aconteceu na prova de Biologia e Geologia da mesma fase, em que os professores do GAVE que elaboraram o exame fizeram uma das confusões mais básicas que se pode fazer nesta disciplina: trocar epicentro com hipocentro, na legenda de uma figura. O erro foi denunciado no jornal Público e, de repente, o exame no site do GAVE misteriosamente ficou sem erro algum. Este misterioso desaparecimento do erro foi depois noticiado pelo Expresso, até que apareceu no site do GAVE um Esclarecimento.

Descubram-se, pois, as diferenças. O GAVE discorda do parecer da SPQ, e diz que Sociedade Portuguesa de Química Errou! O GAVE erra ao fazer uma confusão completamente absurda entre epicentro e hipocentro num exame, e como tal faz um Esclarecimento. Pois é: o GAVE não erra, o GAVE esclarece. E a lata é tal, que mesmo a esclarecer esse erro básico, o GAVE aproveita para se auto-elogiar, terminando o esclarecimento dizendo que "houve a preocupação de, com todo o rigor, corrigir o lapso".

E também é bonito ver estas picardias entre o GAVE e a comunicação social. Note-se que o GAVE deu-se ao trabalho de responder a um editorial do Público que denunciava o facilitismo nos exames. Isto revela algo muito interessante. Para a Ministra da Educação e para o Secretário de Estado Valter Lemos, as notas desceram por culpa da comunicação social, que disse que os exames iam ser fáceis e os alunos acreditaram e não estudaram. Segundo esta óptica, os alunos andam-se a deixar influenciar muito pela comunicação social. Contudo, a partir do momento em que o GAVE responde directamente a artigos de jornais, já se está a esclarecer quem é que anda a ficar perturbado com o que diz a comunicação social...

Monday, July 13, 2009

Ironia

Desde as patetas declarações da Ministra da Educação e do Secretário de Estado sobre as notas nos exames nacionais que tive a oportunidade de ler vários textos a comentar essas declarações. Henrique Monteiro, no Expresso, escreveu sobre isso um excelente texto. No magnífico blog De Rerum Natura, Helena Damião também comentou, neste post e neste, tendo ainda escrito um outro em que citou os acertadíssimos comentários feitos por Filipe Oliveira, da Sociedade Portuguesa de Matemática. Eu próprio falei sobre isso aqui.

Mas se houve alguém que de facto acertou em cheio na mouche foi José Manuel Fernandes, que no editorial de 8 de Julho do jornal Público, fez um mea culpa por ter sido responsável pela descida de notas. E digo que acertou em cheio porque, de facto, os comentários de Maria de Lurdes Rodrigues e de Valter Lemos são tão ridículos, que responder-lhes de forma séria é algo que não vale realmente a pena. Daí que o estilo irónico adoptado por José Manuel Fernandes tenha sido aquele que melhor denunciou a total esquizofrenia destas afirmações. O artigo pode ser lido aqui.

Sunday, July 12, 2009

Teorias Ridículas da Conspiração

Todos conhecemos as mais variadas teorias ridículas de conspirações, que a internet faz circular com uma velocidade estonteante. Uma dessas teorias é a de que o homem nunca foi à Lua, e de que tudo é uma gigante farsa. A propósito, vale a pena ler o que o Dr. Carlos Fiolhais disse numa entrevista recente ao jornal universitário A Cabra (sublinhados meus).

C- O que fez os Estados Unidos mandar astronautas para a Lua?

CF- Há um motivo maior e há um motivo menor. O motivo maior não é nacional, mas de toda a humanidade. Os astronautas foram à Lua porque o homem sempre quis ir mais longe. Foram à Lua pela mesma razão que levou os descobridores portugueses a avançar nos oceanos desconhecidos. Porquê a Lua? Parafraseando o explorador inglês que primeiro tentou escalar o Everest: "Porque está lá!" ["Because it's there!"] A Lua é a primeira "estação" que se encontra quando se viaja no espaço a partir da Terra. Não está muito perto, mas também não está muito longe. O motivo menor, embora importante, foi decerto a competição entre os Estados Unidos e a União Soviética nos anos da guerra fria. O Presidente Kennedy anunciou em 1961 que, antes do fim dessa década, um astronauta americano estaria a pisar a Lua e esse anúncio cumpriu-se. Os Estados Unidos mobilizaram para o efeito um conjunto impressionante de meios. Tão impressionante que a viagem não voltou a ser repetida depois do grande êxito que foi a concretização do programa Apollo. Terá valido a pena? A melhor resposta talvez seja a que foi dada pelo primeiro astronauta lunar, Neil Armstrong: "Foi um pequeno passo para o homem mas um passo de gigante para a humanidade". Pela minha parte, espero que esse passo volte em breve a ser dado.

C- Qual a sua opinião acerca da teoria da conspiração segundo a qual os homens nunca foram à Lua? Acredita que o homem lá tenha ido?

CF- Essa teoria da conspiração é tão absurda que não vale a pena perder um minuto com ela. Está ao nível de teorias segundo as quais Elvis Presley ainda está vivo ou a CIA preparou os ataques do 11 de Setembro às torres gémeas. Einstein terá dito: "Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana, e quanto à primeira não tenho a certeza". Aposto que não demorará muito a surgir uma teoria segundo a qual Michael Jackson ainda está vivo ou que Bin Laden está disfarçado dentro da Casa Branca...

C- Acha que na década de 60 havia tecnologia suficientemente poderosa para fazer a viagem?

CF- Sim, claro. Tanto havia que a viagem se fez e até várias vezes.

C- Mas, relativamente aos argumentos da teoria da conspiração, apresentados na Internet, como lhes responde?

CF- As pessoas que inventam essas patetices é que têm de as provar, não sou eu que tenho de as rebater. Era só o que faltava que qualquer pessoa dissesse um qualquer disparate e o ónus da prova do disparate ficasse do lado de quem o tivesse ouvido. De qualquer modo, encontram-se na web respostas adequadas a afirmações desse tipo, que revelam o mais profundo desconhecimento de leis físicas, químicas e geológicas. Na Internet há muito, muito lixo mas também há, felizmente, bastantes produtos de limpeza.

C - Porque é que os Estados Unidos não voltaram a enviar nenhuma missão à Lua?

CF- Acima de tudo por falta de vontade política, num mundo onde já não há guerra fria. A tecnologia para repetir a proeza é conhecida e está acessível, embora não seja barata. Espero que a ideia de uma base habitada na Lua ganhe força assim como a ideia de a usar para servir de trampolim numa viagem mais além, nomeadamente ao planeta Marte. Um pouco mal comparado, é semelhante ao estabelecimento pelos descobridores portugueses de uma base na ilha da Madeira antes de avançarem para sul, na costa de África... Será o Presidente Obama capaz de relançar o sonho espacial? Que sim, é o meu oxalá.

Acredito que é papel da ciência explicar às pessoas os seus argumentos, e desta forma mostrar-lhes que estas teorias da conspiração não têm sentido. E, nesse sentido, os "produtos de limpeza" de que Carlos Fiolhais fala, e que existem na internet, são óptimos. Um deles é este site.

Por outro lado, é demasiado irritante outro aspecto referido por Fiolhais: "Era só o que faltava que qualquer pessoa dissesse um qualquer disparate e o ónus da prova do disparate ficasse do lado de quem o tivesse ouvido". Daí eu pensar sempre duas vezes antes de entrar numa discussão pateta deste género. Nunca é de desprezar aquela velha máxima da argumentação com um idiota, que primeiro nos faz descer ao nível dele, e depois nos ganha em experiência.

O esquema destas teorias da conspiração é sempre o mesmo: querer passar o ónus da prova para o outro, e questionar tudo até ao limite, até ao ponto em que as coisas já não podem ser questionadas, sob pena de estarmos a entrar numa discussão filosófica inconsequente e irrelevante. Como disse, uma vez, Richard Feynman, nas suas famosas Lectures on Physics, We can't define anything precisely. If we attempt to, we get into that paralysis of thought that comes to philosophers… one saying to the other: "you don't know what you are talking about!". The second one says: "what do you mean by talking? What do you mean by you? What do you mean by know?".

Wednesday, July 8, 2009

Resultados dos Exames Nacionais

Dizia Medina Carreira há uns dias numa entrevista que deu a Mário Crespo, como sempre sem papas na língua, que "estes políticos que nós temos são todos um nojo". Às vezes, embora cada vez mais raramente, tenho esperança de que Medina Carreira esteja errado, mas quando leio notícias como esta, essa esperança desaparece rapidamente. Até porque não há nada mais nojento do que ver a educação transformada em arma política.

A lógica do Secretário de Estado Valter Lemos, e de outros comentadores que tenho visto, é brilhante: cantam vitória porque, afinal, os exames não foram facilitistas, e está aqui esta ligeira descida das médias para o provar. E surge, então, explícita ou implícita, a acusação: e agora, como se defende a Sociedade Portuguesa de Matemática perante isto? Claro está, no entanto, que os defensores desta lógica da batata ainda não compreenderam algo essencial: que o patamar adequado de exigência não se encontra em função das médias dos alunos, mas sim em função do conhecimento necessário para se continuar estudos sobre a matéria ao nível do ensino superior, e que futuramente vai permitir formar cientistas, engenheiros, médicos, economistas, gestores, etc. de qualidade.

Num sistema de ensino normal, especialistas nas matérias estabelecem patamares mínimos de exigência e de conhecimentos que devem ser necessários, e a obrigação dos alunos é esforçarem-se para os atingir. No nosso sistema educativo, está tudo de pernas para o ar: os exames mudam de dificuldade como o Secretário de Estado Valter Lemos muda de camisa, tentando adaptar-se às dificuldades dos próprios alunos, que desta forma ditam a exigência do ensino, em vez de ser o contrário. Quem conclui, por as médias terem descido e se situarem no limiar entre a positiva e a negativa, que os exames foram de dificuldade adequada, só pode pensar assim!

Tomemos um exemplo simples mas revelador. O ano passado a média de entrada para o curso de Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico foi de 15 valores. Tendo em conta que o exame de matemática subiu a média a quase toda a gente, podemos assumir (pode-se verificar facilmente que assim acontece) que a esmagadora maioria das centenas de alunos que entram nesse curso por ano tiveram uma nota igual ou superior a essa no referido exame de matemática. No entanto, estatisticamente, mais de 70% dos alunos de Engenharia Mecânica chumbam à disciplina de Cálculo I. É caso, então, para perguntar: onde estão aqueles quinzes do exame nacional? Até que ponto é que eram justos? Davam uma ideia adequada aos alunos dos seus conhecimentos em matemática? O esforço que fizeram para os obter deu-lhes a mínima noção do esforço que iriam ter que fazer para passar à disciplina de Cálculo? Todas estas perguntas respondem-se facilmente caso queiramos olhar para a realidade.

E depois claro, tal como todos os anos, surgem notícias como esta: maiores dificuldades são na área de ciências. Mas a questão que temos de colocar é porquê? E aí podemos chegar a uma conclusão que os polícias do politicamente correcto não gostam, e que por isso recusam: a área das ciências é muito mais implacável que as outras ao não deixar passar a ignorância. Aqui não há hipóteses de defesa com os subjectivismos do costume, nem nos podemos esconder atrás de um belo palavreado de conteúdo vazio. Nas ciências, estamos simplesmente frente a frente com o nosso conhecimento. Isto não se trata de um ataque às humanidades, mas do mais simples facto: se em filosofia não sabemos alguma resposta podemos inventar, dar uma opinião relacionada com a questão, e se isso for bem escrito teremos certamente alguma cotação; em matemática, o mais provável é termos que passar à frente. Convém recordar o que escreveu, há oito anos atrás, José Manuel Fernandes no jornal Público:

Aprender Física e aprender Matemática exige esforço, exige concentração, exige trabalho, exige fazer muitos exercícios, exige testar muitas vezes os conhecimentos, ginasticar o raciocínio. Não se compadece com o improviso, nem vive apenas de intuição e de "jeito". A arte nacional do desenrascanço pode permitir vestir de belas palavras uma resposta ignorante em Humanidades - mas esbarra sem apelo nem agravo perante um problema concreto de Física ou de Matemática.

Thursday, July 2, 2009

Notícias do Estrangeiro

Duas notícias recentes vindas do estrangeiro deviam fazer com que os optimistas do costume repensassem o estado das coisas em Portugal.

Uma delas, é o processo Madoff. Em apenas um ano, Madoff foi julgado e condenado a 150 anos de prisão pela fraude económica que cometeu. Carlos Abreu Amorim escreveu no blog Blasfémias um grande comentário: esse seria mais ou menos o mesmo tempo que por cá levaria o processo a ser concluído... Também Marinho Pinto se pronunciou, como não podia deixar de ser. Não sou propriamente grande admirador do actual Bastonário da Ordem dos Advogados; faço-lhe críticas e elogios. Mas desta vez, o que disse foi acertadíssimo. Em resumo, disse que este processo devia ser um exemplo para Portugal, e que, na verdade, é também uma vergonha para o nosso país, em que os processos andam enrolados durante anos sem que nada aconteça. Finalmente, falou em algo que, embora paradoxal, me parece ser inteiramente verdade: o direito à condenação.

Outra notícia foi a excelente ideia do Expresso em questionar as Sociedades Espanhola e Francesa de Matemática sobre os exames portugueses da disciplina. Mais uma vez, os optimistas eduqueses do costume gostam de criticar os exageros da Sociedade Portuguesa de Matemática, mas, surpresa das surpresas, em Espanha e em França disseram exactamente a mesma coisa!

Acontece que, para além de criticar os nossos exames, a Sociedade Francesa de Matemática também criticou os seus próprios exames. O problema não é, de facto, só nosso. Mas isso não deve ser, como é óbvio, um incentivo para não melhorarmos.

Para além disso, Daniel Duverney, membro da SFM, levanta ainda uma questão interessante: "O que fazer quando nos apercebemos que a maioria dos alunos não consegue dominar os conhecimentos que se tinham definido como essenciais?". A esta questão, eu penso que temos que responder com outra: Porque é que a maioria dos alunos não consegue dominar os conhecimentos que se tinham definido como essenciais? Eu não conheço o problema em França, mas, por experiência própria, conheço-o em Portugal. E sei como o 3º ciclo do Básico e o Secundário são feitos neste país: na brincadeira. Os alunos não trabalham nem têm noção da importância do esforço e do estudo. É por isso que baixar os critérios porque eles não são atingidos é um erro. Até porque, como conclui o próprio Duverney, e citando o artigo do Expresso:

A questão é saber se esse nível de exigência é suficiente para formar cientistas, engenheiros e técnicos de qualidade. Salientando que a formação de base é a mais importante na Matemática, devido ao carácter piramidal da disciplina, Daniel Duverney deixa o alerta: "É provável que não". Que este alerta nos faça, então, repensar o que é preciso para melhorar o ensino da matemática não nas estatísticas, mas no conhecimento dos alunos.