No início do século XX, um astrónomo chamado Percival Lowell, ao observar Marte, dizia conseguir ver canais gigantescos ao longo da superfície do planeta. Fez desenhos e relatos das suas observações, imaginando que lá habitaria uma civilização sábia e antiga, mas à beira da destruição. Tinham gasto os seus recursos naturais, e os canais serviam para distribuir a pouca água que ainda existia nos pólos a todo o planeta. Quando as sondas Voyager foram enviadas para observar Marte viram muita coisa, mas não quaisquer canais. Lowell via o que queria ver. O desejo de encontrar vida extra-terrestre emocionava-o, o que o fez ver coisas que não estavam lá.
No início do século XVII, Johannes Kepler acreditava num Deus geómetra, e tinha o sonho de explicar o movimento planetário com base nos sólidos perfeitos. Durante anos, tentou provar as suas ideias, em particular a de que as órbitas planetárias seriam circunferências perfeitas. No entanto, as observações não encaixavam na perfeição na sua teoria. O que outros teriam despachado como erro experimental, Kepler acabou por justificar deitando abaixo a sua querida teoria, descobrindo que as órbitas planetárias são, na realidade, elípticas. Tal descoberta foi, para ele, uma desilusão. Apesar disso, o desejo de provar que a sua teoria era correcta não o impediu de, no momento crucial, colocar a razão à frente da emoção.
O filósofo e matemático Bertrand Russell escreveu: “The opinions that are held with passion are always those for which no good ground exists; indeed the passion is the measure of the holder’s lack of rational conviction.” De facto, podemos perceber que a única forma de Lowell justificar as suas crenças seria de forma apaixonada. Kepler, pelo contrário, colocou de lado a paixão para poder caminhar no sentido da verdade. Esta capacidade é, para mim, a essência do pensamento científico.